A Casa Civil está com o texto pronto de uma medida provisória que muda as regras para o registro de agrotóxicos no país. A proposta, construída com a ajuda do setor agrícola e da indústria de defensivos, altera a forma de avaliação para aprovação de novas substâncias. Atualmente, a interpretação da lei faz com que os órgãos responsáveis (Meio Ambiente, Saúde e Agricultura) levem em conta o perigo que os produtos representam à natureza e à saúde humana. Essa proposição, por outro lado, insere na legislação (Lei 7802/1989) o conceito de “análise de risco” como fator determinante para permissão de novos princípios ativos. Com a conclusão da votação da reforma trabalhista, o Palácio do Planalto pode voltar a atenção para esse tema e publicar a MP nas próximas semanas. A informação foi confirmada pelo ministro da Agricultura, Blairo Maggi, com exclusividade para o Canal Rural.
“A ideia é que a gente tenha um modelo baseado em risco, como se falou, e que Anvisa, Ibama e Agricultura estejam os três sempre de acordo e muito rapidamente tomando as decisões. O que nós estamos tentando fazer é dar celeridade aos processos, sempre sem abrir mão da certeza das coisas, mas que os processos burocráticos sejam mais rápidos, que as pessoas possam assumir as suas responsabilidades. Ibama, Anvisa, deputados, as associações, as indústrias, todos participaram da decisão. Isso não quer dizer que no momento da aprovação não haja lá algumas emendas, algumas coisas que um ou outro vá se posicionar. Mas isso faz parte do parlamento e é para isso que vai para lá, para fazer a discussão e sair de lá com mais consenso do que foi”, afirmou Maggi.
O setor produtivo defende que é necessária a diferenciação entre perigo e risco. “Hoje só o agrotóxico não passa por avaliação de risco. Se ele apresenta algum perigo ele é proibido. Andar de carro não gera perigo? Se fosse pela lógica da lei de agrotóxicos, seria proibido andar de carro no Brasil. É isso que precisa mudar. Vamos avaliar o risco e adotar medidas para mitigá-los”, opinou uma fonte ouvida pelo Canal Rural.
O principal benefício da nova regra, segundo o setor produtivo, é a segurança de que produtos já registrados não sejam submetidos a constantes reavaliações e até mesmo banidos do mercado. Atualmente, ao menos seis importantes substâncias utilizadas largamente no campo estão em análise (2,4-D, glifosato, paraquat, tiram, carbofurano e abamectina) e algumas com relatórios favoráveis ao banimento definitivo do mercado nacional.
Para o diretor-executivo da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Brasil (Aprosoja Brasil), Fabrício Rosa, a medida trará segurança à produção nacional. “O processo do paraquat é um que já está em conclusão, mas para novos processos eu acredito que sim, vai haver uma mudança de entendimento dentro dos órgãos reguladores na avaliação de que se esse produto causa ou não problemas, não só para o aplicador, mas também para o meio ambiente. Acredito que, se você fizer isso, com os próximos produtos que estão em reavaliação já haverá uma visão nova, uma nova percepção dos órgãos com relação a isso, até porque a legislação lhes dará esse amparo”.
Na justificativa para mudança na lei, entidades agropecuárias e da indústria agroquímica argumentam que o termo perigo indica o potencial de dano para o meio ambiente, enquanto risco é a possibilidade (ou probabilidade) de ocorrência de um certo dano. “Perigo diz respeito à toxicidade (efeitos sobre o ser humano e/ou efeitos sobre organismos terrestres e aquáticos), e risco é uma função da exposição e do perigo.”
Mudanças
A medida provisória, basicamente, insere na lei 7802/1989 os conceitos de novos produtos agrotóxicos e de análise de risco. Além disso, especifica que não serão concedidos registros para substâncias que apresentarem risco inaceitável de acordo com resultados científicos atualizados para características teratogênicas (que podem afetar fetos e embriões), carcinogênicas (que favorece desenvolvimento de câncer) ou mutagênicas (que pode causar mutações) e para o potencial de danos ao aparelho reprodutor; risco maior para o homem do que testes laboratoriais tenham demonstrado; ou cujas características revelem risco inaceitável para a saúde humana, meio ambiente e agricultura.
Saúde, Meio Ambiente e indústria
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, afirmou que há consenso com os demais órgãos envolvidos no processo de análise de agrotóxicos, mas eles negam. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) é contra a proposta da medida provisória. O órgão considera a análise de risco para registro de produtos químicos e biológicos importante, mas alega que a estrutura atual, de pessoal e orçamento, é deficitária e não possibilita essa implementação. Em nota técnica, informa que a produção de dados sobre segurança que devem basear as avaliações e decisões vai gerar custos adicionais, principalmente ao setor regulado e para as instituições reguladoras. Para a avaliação de riscos ambientais dos agrotóxicos, por exemplo, há necessidade de ampliação dos trabalhos de pesquisa, especialmente sobre espécies locais, e dos estudos de segurança para a avaliação dos riscos nas condições encontradas no país.
O órgão ainda avalia que a MP pode fazer com que se liberem “produtos problemáticos e que hoje são proibidos por serem potencialmente capazes de causar dano ao meio ambiente ou à saúde humana”. Segundo o instituto, a edição da medida provisória poderá gerar insegurança na população, quanto à exposição de pessoas e recursos naturais a substâncias preocupantes e, também, quanto à contaminação de produtos agrícolas. Por outro lado, a alteração da legislação nacional, sem que haja condições para atendimento às suas disposições, pode repercutir desfavoravelmente para o Brasil no cenário internacional. “De acordo com a Medida Provisória proposta, poderiam ser registrados no Brasil produtos com potencial cancerígeno ou capazes de provocar anormalidades fetais, entre outros efeitos graves, quando tiverem sido encontradas condições de uso apropriadas para reduzir o risco de ocorrência desses efeitos”, afirma a nota do Ibama.
Procurada pelo Canal Rural, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que “não comenta medidas provisórias”.
O Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) aprova as mudanças. “Essa discussão foi liderada pelo Ministério da Agricultura e envolveu a indústria de defensivos agrícolas, os produtores, a Anvisa e o Ibama com o objetivo de incluir a implementação da avaliação de risco no processo regulatório. O Sindiveg avaliou as propostas em discussão no governo e está de acordo com as mudanças sugeridas, que devem otimizar o sistema atual de registro de defensivos, sem tirar o rigor que dá segurança ao processo”.
O consultor e ex-secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura Enio Marques reitera que a MP não apresenta retrocesso, mas sim avanço na lei. “Não flexibiliza nada, aumenta o rigor. Dá atenção ao produto conforme o risco que representa. E impõe medidas para mitigar esses riscos. É assunto pacificado entre todos. Se alguém critica é porque desconhece”.
Rapidez com ciência
Em entrevista ao Canal Rural em novembro de 2016 sobre esse tema, o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luis Eduardo Rangel, afirmou que o sistema de análise de risco leva em conta dados científicos na tomada de decisão e dá segurança à avaliação feita. “Isso é fundamental para poder dar tranquilidade à sociedade sobre os movimentos que o governo faz para regulamentação de produtos que têm certo perigo, que é o caso dos agroquímicos. Então, trazer ciência para dentro do processo decisório nunca vai ser ruim e o termo que se usa internacionalmente é análise de risco, então como a gente pode transformar isso num beneficio? Padronizando os processos. Uma vez tomada a análise de risco e sabendo-se dos riscos associados àquilo, outros processos com as mesmas características vão ter uma tramitação acelerada. Isso beneficia todo mundo”, acredita Rangel.