Um novo método de multiplicação de mudas de mandioca livres de doenças, resistentes à seca e com boa qualidade genética deverá atender ao pequeno produtor. Desenvolvido por pesquisadores da Rede de multiplicação e transferência de materiais propagativos de mandioca com qualidade genética e fitossanitária (Reniva), a tecnologia permite a reprodução do material em larga escala e de maneira economicamente viável.
Iniciado em 2011 na Bahia, o projeto Reniva visa a solucionar uma das dificuldades dos pequenos produtores de mandioca – a de encontrar material propagativo (mudas) de qualidade para a lavoura − e logo foi encampado pelo Plano Brasil sem Miséria (PBSM). A parceria estabelecida entre a Embrapa e o Instituto Biofábrica de Cacau (IBC) em torno do projeto gerou um procotolo inédito no mundo para produção de mandioca em larga escala. A mandiocultura tem grande importância social por ser alternativa para pequenos produtores na geração de renda e segurança alimentar.
“A finalidade da Rede Reniva é aumentar a quantidade de mudas geradas a partir de plantas matrizes com qualidade comprovada para, com foco principalmente no pequeno agricultor, contribuir na estruturação da cadeia da mandiocultura, de forma a minimizar, futuramente, os efeitos das secas prolongadas e da baixa produtividade”, afirma o supervisor do Setor de Transferência de Tecnologia da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), Herminio Rocha, um dos coordenadores do Reniva.
Como funciona
O processo de produção tem início no Laboratório de Virologia da Embrapa Mandioca e Fruticultura, com a indexação (análise laboratorial que verifica a presença ou não de vírus na planta) das duas viroses que ocorrem no Brasil. As plantas básicas livres de pragas e doenças são, então, encaminhadas para o IBC, onde são multiplicadas in vitro. A inovação está na forma como são aclimatizadas.
O coordenador técnico do IBC, Roberto Gama, conta que o protocolo inicial apresentava uma aclimatização de mudas em copos descartáveis. Eram utilizados dois copos, um para pôr a muda e outro para cobrir, como uma câmara úmida. A necessidade dos copos inviabilizava a produção em larga escala, que considera a produção de milhões de mudas. Por isso, se experimentou a aclimatização em um viveiro com sistema de nebulização, denominado túnel de aclimatização. “Nesse ambiente, foi possível aclimatizar 150 mil mudas de uma só vez, economizando a utilização de 300 mil copos. Lá elas permanecem por um período de dez dias”, explica Gama.
Processo de multiplicação
Antes de chegar ao túnel de aclimatização, as mudas passam pelo laboratório de cultura de tecidos. Gama informa que as mudinhas crescem dentro dos vidros e são repicadas a cada 45 a 60 dias. As repicagens consistem no seccionamento em pedaços pequenos e a subsequente transferência para novos frascos contendo meio de cultivo. Quando crescem, torna-se a cortá-las e repete-se o processo. Entre uma repicagem e outra, as mudas permanecem em salas com luzes artificiais. Na fase do enraizamento, utiliza-se a luz natural para promover ainda na fase in vitro a aclimatização de explantes (tecidos vegetais cultivados em meio de cultura artificial sob condições de total assepsia) . “Em outros laboratórios, isso acontece sempre com luz artificial. O nosso tem essa estrutura de luz natural, que acaba deixando a muda em melhores condições para ir para o túnel. As mudas ficam um ano em laboratório para dar volume”, informa o coordenador.
Etapa importante é a adaptação das mudas ao ambiente externo antes de irem ao campo. Quando saem do laboratório, elas vão para o túnel, onde são plantadas individualmente em tubetes. Em seguida, vão para viveiros, onde ficam por mais 60 dias até estarem prontas para ir ao campo. Em todo o processo, a muda leva em torno de 14 meses até estar apta para plantio pelo maniveiro, como é chamado o produtor de manivas-semente, figura nova na cadeia produtiva da mandioca, instituída pela Rede Reniva.
Do IBC, as mudas seguem acondicionadas em uma espécie de “rocambole” para os maniveiros, ficando mais protegidas. São enroladas em plásticos, sem os tubetes, mantendo-se os substratos. “A vantagem é que ocupa menos espaço, o produtor não precisa se preocupar com a devolução das embalagens − os tubetes − e acaba se preservando a umidade do substrato e dando qualidade às mudas transportadas”, afirma Gama.
Ele diz que hoje o IBC mantém estoque permanente de 200 mil mudas em produção — a capacidade é para 8,8 milhões de mudas. “Já chegamos a trabalhar com 2 milhões de mudas”, revela. Ele se diz entusiasmado em trabalhar com a cultura da mandioca. “O IBC foi criado para produzir mudas de cacau e acabou inovando, com novos produtos, fruteiras, essências florestais etc., e aí entrou o Reniva, que foi incorporado ao nosso processo”, conta.
Histórico do Reniva
Apresentado, em 2011, à Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Mandioca e Derivados da Bahia, o projeto tornou-se uma das prioridades no planejamento estratégico desse fórum, sendo adotado pelo governo do Estado da Bahia. Em maio de 2012, foi assinado, em Vitória da Conquista (BA), o termo de cooperação técnica entre os parceiros.
Na Bahia, 16 territórios de identidade são beneficiados pelo projeto, que tem duração prevista de seis anos. Até dezembro de 2016, 750 mil mudas foram entregues pelo IBC para 36 maniveiros. Cada maniveiro planta 13 mil mudas em um hectare, contando com irrigação ao longo de todo o processo.
Também foram contemplados com 140 mil mudas 48 maniveiros dos estados de Pernambuco e Piauí. As mudas são entregues de acordo com a aptidão de cada região, considerando resultados de pesquisas e também as variedades tradicionalmente plantadas pelos agricultores. Após um ano, cada maniveiro tem condições de oferecer material propagativo para 260 produtores. Quem lidera esse trabalho nos territórios e organiza os multiplicadores são os parceiros, com o suporte da Embrapa.
Atuam na Rede Reniva Bahia a Embrapa (coordenação técnica), IBC, Superintendência Federal de Agricultura (SFA-BA), Câmara Setorial, Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater), Cooperativa de Produtores de Amido de Mandioca do Estado da Bahia (Coopamido), Cooperativa Mista Agropecuária dos Pequenos Agricultores do Sudoeste da Bahia (Coopasub), Escola Rural Tina Carvalho, Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e Instituto Federal (IF) Baiano – campus Bom Jesus da Lapa.
O primeiro maniveiro
Ao receber as mudas, em novembro de 2014, o agricultor Rozildo dos Santos, do assentamento Caxá, em Marcionílio Souza (BA), transformou-se no primeiro maniveiro e se disse orgulhoso do pioneirismo. “Quero que todos ganhem, os parceiros, e também o meu vizinho. Estou recebendo uma ação que futuramente vai melhorar minha renda. A gente vê que esse projeto vai servir para muitos. Se deu certo aqui, na Bahia, vai dar certo em Sergipe, Piauí, em qualquer lugar”, declara.
Rozildo recebeu inicialmente 13 mil mudas de duas variedades: BRS Mulatinha e BRS Formosa. Após a colheita das hastes e a distribuição para os agricultores locais, solicitou mudas de outra variedade da Embrapa, a BRS Prata, para realizar novo plantio. “É uma variedade de que eles gostam muito e desapareceu da região”, conta o analista da Embrapa Helton Fleck, um dos coordenadores da Rede Reniva.
A expectativa dos agricultores
“Isso para nós é uma grande novidade. Com essa maniva, acho que dá para todo o mundo plantar. Eu plantava mandioca antigamente. De uns dez anos pra cá, ninguém plantou mais porque não tinha semente e não tinha um bom tempo. Com essa semente maravilhosa, a expectativa é aumentar a produção”, comemorou o agricultor Gilberto Farias, vizinho de Rozildo, durante o evento, em janeiro de 2016, que marcou o início da fase 3 da Rede Reniva. Nesta fase 3, ocorrerá a entrega das manivas-semente aos mandiocultores.
Em outra entrega de material, em fevereiro, em Nova Redenção (BA), Manoel Suzart era um dos produtores ansiosos. Ele estava há sete anos sem conseguir manivas: “a gente não tinha mandioca por causa da seca. Agora, com esse campo de seu Armando [Armando Santos Filho, maniveiro], vai ser a salvação.” O produtor Rosalvo Oliveira dos Santos, que tem dois hectares para plantar mandioca, também estava presente. “Até 2012, a gente ainda tinha um plantio de manivas. Mas depois, com o tempo seco, acabou tudo”, recorda.