“Não adianta apenas produzir café. Ele vai apodrecer na árvore.” O alerta é do diretor-geral da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), Francis Gurry, que, nesta segunda-feira, dia 20, publicou um informe inédito sobre o valor adicionado que o produto ganha graças a tecnologia, patentes e inovação. Sob esse ponto de vista, o órgão aponta que os países produtores ganham menos com o grão do que os que importam a commodity, industrializam, registram patentes e comercializam o produto final.
Os dados mostram que os produtores de café vendem o grão, em média, a US$ 1,25 a libra-peso (unidade de medida usada pela Bolsa de Nova York equivalente a 453 gramas) ao exportador, que repassa a commodity para as indústrias a US$ 1,45. Já as torrefadoras negociam, em média, o produto acabado a US$ 4,11.
A maior parte da produção do café em grão é cultivada nos países do hemisfério Sul, onde 26 milhões de fazendeiros dependem da cultura para sua subsistência. O Brasil é o maior produtor e exportador global de café. Mas, das 35 mil xícaras de café vendidas no mundo a cada segundo, 70% são servidas nos países do hemisfério Norte.
Já a torrefação do café está nas mãos de poucos grupos. Sete grandes multinacionais controlam 40% do café comercializado no mundo, entre elas a alemã Jacobs Kronung, a americana Maxwell House, a suíça Nestlé e a italiana Luigi Lavazza.
Transformação
Nos últimos 50 anos, o mercado passou por uma profunda transformação. Em 1965, 60% da renda do café ficava para o exportador. No fim dos anos 1970, essa taxa era de 50%. Em 2013, ele ficava com a menor parte, cerca de um terço.
Os dados de patentes reforçam quem de fato é o dono do setor. Nos EUA, a indústria do café é alvo de quase 10 mil patentes, contra mais de 6.000 na Suíça e quase 5.000 na Alemanha, principalmente sobre o processamento de grãos e distribuição de marcas. No Brasil, existem apenas 65 patentes no setor, que chegou a ser o principal pilar da economia nacional entre o século 19 e 20.
Mesmo a China, com pouca tradição, vem avançando no setor. Hoje, o país tem 2,4 mil patentes registradas no café. Em desenhos industriais para a produção final do café, são quase 500 patentes registradas pelos EUA e nenhuma no Brasil. Em termos de marcas, são mais de 2.700 na Itália. Contra apenas 260 no Brasil.
Para Nathan Herszkowicz, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), essa é uma regra geral do mercado: “Os extremos da cadeia (produtor e indústria) têm remuneração diferente. O grande desafio é fazer os produtores agregarem valor ao grão”.
Luxo
Para a OMPI, porém, existe um espaço para que os países produtores possam tirar maior proveito de seus recursos naturais. No caso do café, são as novas gerações de produtos especiais que começam a ganhar espaço, principalmente nos países ricos. Certos grãos de café são tratados como vinhos, com os consumidores interessados na origem do produto, desde a terra e como o grão foi beneficiado.
De fato, os dados mostram que, com esses cafés especiais, o fazendeiro consegue um preço bastante superior, chegando a US$ 5,14 por libra-peso. As estimativas apontam que, apenas no Brasil, os produtores poderiam aumentar sua renda em US$ 137 milhões com um café de alta qualidade que seria fornecido a essas empresas. Mas, uma vez mais, é o vendedor final na Europa, Japão ou EUA que fica com US$ 17,45.
Para a OMPI, são os ativos intangíveis da economia que permitem a inflação do preço. Isso inclui de tecnologia à marca. Tudo protegido por patentes. De uma forma geral, a entidade estima que ativos intangíveis representam hoje US$ 5,9 trilhões na economia mundial.
Patentes no café, de fato, não são novas. Segundo a entidade, elas tiveram um enorme impacto para as empresas. O café solúvel, por exemplo, teria sido inventado durante a Guerra Civil dos EUA. Mas foi uma patente da Nestlé com um produto de maior qualidade que garantiu à multinacional uma presença dominante no setor. Décadas depois, o mesmo ocorreria com as cápsulas Nespresso.