“Estão transformando as terras da reforma agrária em verdadeiras chácaras de lazer”. A denúncia, ouvida pelo Canal Rural em um assentamento no Tocantins expõe um grave problema: a fraude no sistema de distribuição de terras no Brasil. Problema que já entrou no radar da Controladoria Geral da União.
A equipe de reportagens investigativas do Canal Rural encontrou no Tocantins uma verdadeira farra dentro de assentamentos que deveriam ser controlados e fiscalizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Até mesmo funcionários públicos transformam os locais destinados à reforma agrária em sítios particulares. Tudo com a conivência de servidores do órgão, que ajudam a fraudar o Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra).
No assentamento Serra do Taquaruçú, na área rural de Palmas, no Tocantins, todos conhecem o servidor público estadual Adão Odilon Filho. Ele é diretor de uma escola. Sua mulher é dona de uma marca de camisetas que vende para a escola e ambos possuem casas para alugar. Mas, para o Incra, ele um agricultor que preenche todos os requesitos para ter um lote.
Para burlar a regra que proíbe que funcionários públicos sejam beneficiados da reforma agrária, o lote, na verdade, está no nome do filho do professor, Sérgio Augusto Alves Filho.
– O lote não é meu, meu filho está na faculdade ele está fazendo um estágio de agronomia, o lote não me pertence, pertence a ele.
O problema é que o jovem nasceu em 1991, mesmo ano em que o assentamento foi criado; e consta no cadastro de candidatos a terra desde 2004, quando tinha apenas 13 anos. Para acobertar uma fraude, fez-se outra, pois somente maiores de idade ou jovens emancipados podem ser cadastrados no sistema da reforma agrária.
Tantas fraudes são possível com a manipulação do Sipra, o sistema de informação de projeto da reforma agrária, administrado pelo Incra. São os próprios funcionários que alteram os dados a qualquer momento. Uma fonte ouvida pelo Canal Rural é servidor do Incra há mais de 10 anos confirma que isso acontece em todo o país.
O funcionário, que não pode ser identificado pois sofre ameaças por suas denúncias, explica que o sistema é aberto, não registra alterações feitas em um determinado cadastro, tampouco quem foi o servidor que fez cada alteração. Ele explica que o Sipra permite até mesmo a inserção de cadastros com datas retroativas, o que pode gerar um problema sério para a Previdência Social.
– A pessoa é assentada hoje e coloca a data de 10 anos atrás, com isso pode gerar uma certidão que pode ser levada para o INSS e essa pessoa pode se aposentar como trabalhador rural sem jamais ter sido um.
O servidor público ilegalmente contemplado com um lote diz que não cometeu nenhuma ilegalidade, e contou com a ajuda do Incra para regularizar sua situação.
– Não fiz nada ilegal, tentei fazer legalizar a área não no meu nome. O Incra agiu da melhor forma possível para legalizar dentro da lei – diz Adão Odilon Filho.
O diretor da escola pública contratou um advogado para lhe ajudar a resolver o problema do lote ao qual não tem direito, José Ribeiro Taguatinga, funcionário aposentado do próprio Incra.
Sob investigação
Toda esta falta de controle e a vista grossa do órgão responsável por promover a distribuição das terras no Brasil não passaram despercebidas pela Controladoria Geral da União (CGU), que determinou a abertura de uma sindicância para apurar esses problemas. Uma auditoria de contas realizada em 2014 revelou que 71 pessoas tinham total acesso ao Sipra, sistema que registrados todos os candidatos à reforma agrária no país. O relatório confirma as denúncias feitas por nossa fonte do Incra.
No parecer final, a CGU pede providências para o estabelecimento de controle de acesso ao cadastro, a apuração de responsabilidades administrativas dos servidores e o monitoramento dos formulários de inscrição para o Plano Nacional de Reforma Agrária.
Todas essas irregularidades levaram a Controladoria a determinar a abertura de uma sindicância no Incra de Tocantins. Mas, passados seis meses do prazo, a Superitendência do Tocantins sequer respondeu ao órgão de controle federal.