A aviação agrícola é responsável por 25% das aplicações de defensivos no Brasil. Uma participação ainda pequena, mas que vem crescendo a um ritmo interessante: cerca de 10% a cada ano. Mesmo assim, o desconhecimento e o preconceito barram a evolução desse setor. Não nas lavouras, onde o desenvolvimento da agricultura, o acesso à tecnologia e a expansão de algumas áreas tem propiciado a utilização cada vez maior dos aviões. O problema está nas cidades e vem em forma contestação judicial.
Após uma luta de décadas, o setor, representado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), conseguiu a aprovação de um projeto no Congresso Nacional, já transformado na Lei 13.301/2016, com a sanção do presidente Michel Temer, em junho deste ano. A legislação autoriza a pulverização aérea de inseticidas em áreas urbanas para o controle do mosquito Aedes Aegypti, vetor de doenças como dengue, zika e febre chikungunya. Nos EUA, em diversos países da Europa e até na Argentina, a tecnologia é usada e permite o combate do inseto em cidades com aviões agrícolas, sem danos à saúde humana ou animal. No Brasil, o Ministério da Saúde ainda não realizou pesquisas sobre o tema e agora o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal contra a nova lei.
O Sindag aposta no combate ao mosquito e na utilização dos aviões agrícolas para benefício da população urbana como uma forma de combater o preconceito impregnado em boa parte da sociedade em relação ao setor e ao uso de agroquímicos. O presidente da entidade, Júlio Kampf, conversou com o Canal Rural para explicar o processo de pulverização no controle do mosquito e reiterar que nenhum produto de lavoura seria ou será usado nessas aplicações. Ele criticou o desinteresse do Ministério da Saúde sobre o tema, reclamou de grupos que tentam banir a aviação agrícola do país e afirmou que inconstitucional é o governo não conseguir garantir condições básicas de saúde à população. “Eu acho que toda pessoa que tiver um membro da família com microcefalia é uma inconstitucionalidade do dever do poder público e não taxar um avião dentro de uma situação dessas, não vejo sentido”.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contestou a constitucionalidade da lei que permite a pulverização aérea das cidades. O Sindag foi à Brasília para tentar reverter a situação. Conseguiram encontro com ele?
Ainda não temos resposta. Isso foi segunda, dia 19, e até o momento não sabemos quem será o relator no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto. Até o momento não temos nenhuma atitude, não temos o que fazer. Vamos esperar o relator e preparar material para mostrar ao STF que não é uma questão de constitucionalidade, mas que, sim, é um preconceito que está sobre o uso do avião. E defender juridicamente a contestação do Ministério Público Federal.
Qual é a alegação da PGR para pedir a inconstitucionalidade dessa lei?
Eu não posso entrar muito na esfera jurídica. O nosso departamento acha que dentro do processo normal consegue fazer a defesa disso.
A luta pela aprovação foi grande. Houve algum avanço após a lei? Algum contato foi feito para contratação de empresas para aplicar esses inseticidas?
Essa pauta do uso do avião no auxílio ao combate ao mosquito da dengue é uma pauta que vem desde muitos anos, há 12 anos mais ou menos que já falamos isso com o Ministério da Saúde. Mas nós sempre tivemos uma certa resistência ou até mesmo uma desvalorização nas nossas propostas. A nossa proposta nada mais é, e como foi dito na audiência pública realizada no Senado, que existe uma tecnologia internacional, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), exercida nos EUA com muita frequência. Uma tecnologia que já foi usada em outros países, como Cuba, México, Tchecoslováquia, Polônia, Austrália. A Argentina no mês passado já teve algum trabalho com isso. Existe essa tecnologia internacional. O que pedimos ao Ministério da Saúde é que crie um protocolo nacional desta tecnologia. Adapte a tecnologia internacional e pra isso é necessário pesquisa. O Sindag vem solicitando ao Ministério da Saúde que faça um protocolo nacional, pesquise e ratifique a tecnologia internacional. Nada mais que isso. Pra isso o Sindicato está colocando aviões À disposição para fazer esse protocolo e nada mais do que isso. Infelizmente, o Ministério da Saúde, por suas pendências e certo preconceito, até hoje se recusou a fazer pesquisa. Então, nós não estamos pedindo para sair trabalhando, porque isso até é uma atribuição do Ministério da Saúde de fazer a aplicação com equipamento do avião. Esse equipamento só seria uma substituição para uma coisa desorganizada chamada fumacê.
A própria Lei 13.301/2016 fala no uso da pulverização aérea “mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida”. Que autoridades são essas? E já existe comprovação científica da medida?
É por isso que não entendo porque o (Rodrigo) Janot, do MPF, entra com processo desse. Porque está muito claro na lei que deve ser autorizado pelo Ministério da Saúde e deve ser pesquisado pelo Ministério da Saúde.
O uso aéreo do fumacê tem alguma diferença para a aplicação em terra?
Muita diferença. A primeira delas é que não se enxerga nada. A segunda delas é que nós vamos fazer 500 hectares no mínimo por hora de vôo. Isso quer dizer que uma cidade do interior do nosso país, que deve girar em torno de 3 mil a 4 mil hectares, isso são coisas que em 2 ou 3 dias poderíamos fazer uma aplicação completa nessas cidades e com uma redução de aproximadamente 98% dos mosquitos. Isso comprovado cientificamente a nível internacional e mesmo no Brasil. Em 1975, foi feito trabalho dessa magnitude no litoral de Santos-SP. Extremamente documentado e com êxito sensacional. Existe no Brasil já um trabalho muito bem realizado, muito bem documentado, mas que até hoje o Ministério da Saúde, por sua ideologia, não avalia esse trabalho e a situação está indo. Enquanto se fala na inconstitucionalidade de usar um equipamento, eu diria que inconstitucional é deixar a população pegando dengue, pegando zika e pegando microcefalia. Eu acho que toda pessoa que tiver um membro da família com microcefalia é uma inconstitucionalidade do dever do poder público. E não taxar um avião dentro de uma situação dessas, não vejo sentido.
Essa aplicação aérea pode causar alguma implicação na saúde humana e animal?
Você acha que os EUA iam usar isso lá se causasse algum problema? A não ser que os EUA sejam tão negligentes com a saúde pública e que o Brasil tenha uma eficiência em saúde pública tão grande que ultrapasse esses conceitos, que eu acho que não é a verdade.
Essa contestação é sinal de preconceito e desconhecimento da aviação agrícola? Existe um movimento que tenta banir a aviação no país?
Sim. Existem essas ONGs, esse pessoal que é contra a agricultura extensiva. Agora, o governo e nós também que estamos envolvidos nisso temos responsabilidade com a segurança alimentar no país. Eu acho que o radicalismo de posições é totalmente fora do contexto, porque todos os métodos de produção são válidos, o mercado define quem vai comprar de quem. Agora, a população principalmente de baixa renda, não tem condição de comprar um produto agroecológico, que também tem suas falhas. Se não tiver aviação agrícola, nós não temos segurança alimentar no país e provavelmente não vamos ter alimento pro povo comer. Na exportação, na balança comercial, a agricultura tem valorização grande. Mas se contrapondo a isso, existem essas organizações, que tem outras finalidades, que eu não consigo entender nem gostaria de falar, mas provavelmente tem algo de cunho econômico e filosófico por trás.
Quais são os números da aviação agrícola atualmente? Quantos produtores usam? Quais as vantagens e a importância?
A aviação agrícola é a única atividade de pulverização regulamentada pelo Ministério da Agricultura, regulamentada pelo Ministério da Aeronáutica, e fiscalizada por mais 5 ou 6 órgãos. Então, somos altamente fiscalizados. E estamos com a tecnologia e inclusive exportando tecnologia. Somos a segunda maior frota do mundo, só perdemos ainda para os EUA. Apesar das estatísticas falhas, acredita-se que de tudo que é usado de agroquímicos em lavouras do Brasil, a participação da aviação agrícola não chega a 25% desse total de aplicações. A grande maioria é feita de trator e trabalho humano.
E isso se deve a que?
Pelo tamanho das lavouras, utilização de outros tipos de prestação de serviço. O nosso tipo de prestação de serviço vem crescendo numa ordem de 8% a 10% ao ano numa constante. Isso mostra o próprio desenvolvimento da agricultura brasileira. Existe a agricultura extensiva, que vai usar avião e agroquímicos, e existe a orgânica. Essas duas culturas vão trabalhar juntas. A visão é alimentar o povo. Quem tem dinheiro compra um, quem não tem compra o outro. As opções são essas. Não é uma crítica a isso. Somos aliados. Uma coisa importante a se falar sobre o mosquito é que o avião iria usar um produto indicado pelo Ministério da Saúde. A aviação agrícola não vai botar agrotóxico em cima das cidades. A aviação agrícola vai botar fitossanitários, homologados, registrados e autorizados pela OMS e adquiridos e comprados pelo Ministério da Saúde. Falar de agroquímicos em cima da cabeça das pessoas nada mais é que uma grande fantasia e tentar distorcer o assunto.
A aprovação dessa lei poderia impulsionar o setor de aviação agrícola? A utilização da aviação nas cidades é uma forma de provar para a sociedade que isso é algo positivo, para quebrar esse preconceito?
Com certeza. Não temos que ver o avião como algo destrutivo do meio ambiente, como muitas vezes é colocado, e sim como máquina que está com alta tecnologia, com gente especializada e altamente regulamentada. Tem uma eficiência que querem questionar, mas se não fosse eficiente não estaria sendo realizado há mais de 10 anos nos EUA. Se eles fazem lá e temos literatura sobre isso, é só aplicar no Brasil. Vemos que o Brasil deveria controlar a dengue com obras de infraestrutura, coisa que o governo não fez e não tem dinheiro pra fazer nos próximos anos. Vamos entrar no período de chuvas agora e os índices de mortalidade pela dengue, de infestação de dengue e de casos de microcefalia, que já passa de 7 mil casos, vão piorar mais ainda. E aí eu pergunto: quem é inconstitucional? Sou eu que estou tentando que o governo faça pesquisa e utilize uma máquina ou o governo que não quer nada e não consegue controlar a dengue dentro dos métodos tradicionais? Eu me pergunto como brasileiro, empresário, representante de categoria: será que estou tão errado assim? Eu sou inconstitucional ou é o governo que deixa acontecer 7 mil casos e provavelmente no final desse verão poderemos ter 10 mil casos de microcefalia? Estou apenas colocando uma viabilidade.