Após a deflagração da Operação carne fraca, muito se comentou sobre os percalços que isso traria ao mercado brasileiro. Pois bem, até agora a o que se vê é uma recuperação rápida nos preços da arroba do boi gordo, o que tem surpreendido muitos pecuaristas. Segundo pesquisadores do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), representantes de frigoríficos estão mais interessados em adquirir novos lotes de boi gordo para abate, enquanto muitos vendedores estão retraídos. Com isso, esses compradores precisam, em muitos casos, elevar os valores para conseguir realizar novos negócios
Mas, qual é a melhor maneira de lidar com esta valorização? É isso que o analista de mercado da Scot Consultoria, Gustavo Aguiar, irá explicar neste bate papo.
1 – Mesmo nos tempos de fartura era difícil ver os preços do boi subindo na segunda quinzena do mês, mas é isso que vem acontecendo hoje depois de tudo que aconteceu de ruim no mercado nesses últimos dias. Como se explica essa mudança?
Gustavo Aguiar: Na verdade, se pensarmos em tudo que aconteceu, o que estamos vivendo desde a semana passada, praticamente, é um processo de recuperação. Passamos por semanas bem complicadas, com um cenário bastante adverso. Tivemos a questão da Carne Fraca, o retorno do Funrural, o retorno do ICMS no varejo da carne. Enfim, foram muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo e, naturalmente, o mercado acabou sentindo e sofrendo uma pressão de baixa muito forte.
Logo depois desses acontecimentos houve um enxugamento da produção como um todo, desde os abates até o estoque de carne e agora estamos observando uma recuperação de preços. Mas, como eu falei, diante da queda que houve nas últimas semanas, trata-se de uma recuperação. É um bom sinal, pois estamos recuperando um terreno que havia sido perdido.
2 – A previsão de uma produção maior esse ano, com mais gado terminado na praça continua valendo?
Gustavo Aguiar: Imaginamos que sim, que o ano de 2017 seja mais ofertado que 2016. E vale lembrar que a viemos de anos consecutivos de redução de abate, e mais uma vez, a retomada de oferta nesse ano não é nada que, em termos históricos, vá representar uma oferta muito grande, e sim o início de recomposição dos abates, sendo um pouco maior do que o ano passado.
É claro que isso vai acontecer no decorrer do ano, seguindo a sazonalidade, e no momento, o que estamos vendo é um mercado mais retraído em função da possibilidade de reter esse gado na fazenda com uma boa capacidade de suporte junto com custos de produção mais baixos, e assim o produtor prefere segurar a oferta. Então, nesse momento, o mercado não está muito ofertado, mas no geral imaginamos que esse ano tenha mais oferta do que 2016.
3 – Dá para ter uma ideia a respeito do “prazo de validade” desse plano que o pecuarista está usando hoje, de segurar o boi no pasto para forçar uma alta na cotação?
Gustavo Aguiar: Essa é uma estratégia válida no momento, pois as condições dentro da porteira permitem reter esse gado. Mas, realmente essa é uma estratégia que tem prazo de validade determinada, principalmente, pelo clima. Conforme o pasto começa a perder seu vigor pela falta de chuva, naturalmente o gado precisa ser liberado, precisa sair da fazenda, e normalmente quando isso acontece há um movimento mais concentrado.
Então o que a gente aconselha é que os produtores estejam atentos ao mercado, procurem evitar concentrar muito o risco, evitar tentar acertar o maior preço dessa recuperação e segurar até os 45 minutos do segundo tempo, por que isso é perigoso, ainda mais sem ter um tipo de estratégia de gerenciamento de risco, ou alguma trava de preço.
Recomendamos, então, uma venda compassada, fazendo o uso de uma média crescente nas próximas semanas e evitar segurar até o ultimo momento. Porque, naturalmente, no decorrer do mês de maio, teremos uma oferta gradualmente mais concentrada.
4 – O represamento do gado terminado, como está acontecendo agora, pode ter um efeito contrário mais para frente?
Gustavo Aguiar: Pode, isso historicamente é verificado. Se fizermos uma variação de preço durante o ano, observamos uma depressão mais visível, tipicamente entre maio e junho, que é a transição da safra para entressafra. Nessa época existe uma desova de gado terminado um pouco mais concentrada. Então, historicamente, podemos apontar esses meses como os mais críticos e mais arriscados para se concentrar uma venda.
É claro que cada ano é diferente, o clima, as condições dentro da fazenda em relação à capacidade de lotação, suporte de pastagens, etc…
Mas é saudável procurar minimizar o risco de se concentrar uma venda nos próximos meses e trabalhar uma visão comercial mais segura e realizar vendas mais picadas ao longo das próximas semanas.
5 – O que está sustentando essa alta da arroba? É só a restrição da oferta ou o consumo está relacionado com isso também?
Gustavo Aguiar: A páscoa e o feriado são agentes impulsionadores do consumo, não podemos descartar a demanda sobre essa ótica, mas nesse momento o principal agente responsável pelas alterações no mercado foi a oferta. A redução das escalas de abate, a redução das compras dos frigoríficos, a diminuição dos estoques de carnes no atacado, esses foram os responsáveis pela recuperação nos preços.
O boi casado cotado acima de R$10,00 o quilo estimulou os frigoríficos que trabalham com carcaça a saírem mais agressivos no mercado e promoverem uma concorrência mais acirrada.
6 – Já faz um bom tempo que o frigorífico vem tentando não aumentar o estoque de carne na câmara fria, para tentar, justamente, segurar o preço da mercadoria. Será que nessas últimas semanas esse feitiço se virou contra o feiticeiro?
Gustavo Aguiar: Esse movimento está bem característico esse ano, mas na verdade não vem de hoje. Desde os últimos dois anos houve um processo de reestruturação dos frigoríficos, de redução de produção e de paralisação de algumas indústrias. E isso aconteceu agora de maneira mais brusca em função dos últimos acontecimentos, mas de fato a gente vem acompanhando, em função desse enxugamento geral do mercado, uma retomada no preço do boi.
Mas temos uma condição mais ajustada aos frigoríficos que eles conseguem lidar com esse aumento no preço do boi, já que tem conseguido fazer um repasse da sua produção. Isso faz parte do jogo do mercado e a ideia é tentar equacionar isso na medida possível de cada lado.