Limitação de compra de terra por estrangeiros detona crise fundiária no Brasil

Com as mudanças nas regras criadas pelo governo federal, setores de grãos, cana-de-açúcar e floresta plantada poderão perder cerca de R$ 60 bilhões de investimentos planejados até 2017, diz CNAAs regras criadas pelo governo federal para limitar a compra de terras rurais por estrangeiros detonaram uma crise fundiária no Brasil. Desde agosto do ano passado, quando as restrições entraram em vigor, os cartórios pisaram no freio e suspenderam qualquer registro envolvendo sócios estrangeiros; bancos cortaram o crédito para atividades rurais; e as multinacionais congelaram investimentos.

As medidas já motivam até ações na Justiça para desfazer transações antigas. A confusão teve início no ano passado quando o governo soube do interesse de fundos soberanos internacionais na compra de grandes quantidades de terras no Brasil.
No auge da campanha eleitoral, coube à Advocacia Geral da União (AGU) encontrar uma saída para controlar a aquisição de imóveis por estrangeiros. Com base numa lei de 1971, a solução foi colocar todo mundo numa única cesta, seja pessoa física, investidores institucionais ou empresas brasileiras controladas por capital externo, afirmam advogados especialistas.

Segundo o parecer da AGU, de 23 de agosto de 2010, qualquer empresa controlada por capital externo tem de obter autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou do Congresso Nacional para concluir a negociação.

Na mudança, os cartórios viraram quase uma espécie de órgão fiscalizador. Além de controlar a extensão territorial de cada município nas mãos de estrangeiros, que não pode superar 25%, eles também precisam identificar se a empresa tem ou não capital estrangeiro.

? O problema é que as companhias não têm obrigação de colocar na matrícula de seus imóveis as mudanças na sua situação acionária. Esse controle acaba ficando superficial ? afirma o diretor do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), Eduardo Augusto.

Com medo de serem punidos por algum erro no processo, os cartórios preferiram adotar a cautela e não fazer nenhum registro de aquisição por empresas que tenham sócios estrangeiros, mesmo que minoritários.

Justiça

A incerteza de conseguir ou não o registro já motivou a primeira ação judicial, que tramita em segredo de Justiça. O advogado do escritório Pereira & Bornelli Advogados Associados, Lutero de Paiva Pereira, conta que a transação foi feita há cerca de oito anos, num contrato de confidencialidade entre as empresas. A terra foi vendida e financiada diretamente com o proprietário.

? Há um ano, o comprador estrangeiro parou de pagar as parcelas porque não conseguiu fazer o registro do imóvel.

Em maio, Pereira entrou na Justiça para devolver as terras ao vendedor.

? Queremos que o negócio seja desfeito. O dinheiro será devolvido, mas sem os ganhos que o comprador teria com a propriedade durante esse tempo.

A terra teria custado R$ 300 milhões. O advogado diz que, no momento, está fazendo a modelagem de outros processos semelhantes, que podem virar ações na Justiça.

Procurada, a AGU informou, em nota, que estuda junto com o Incra e os ministérios de Desenvolvimento Agrário, da Agricultura e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior alternativas para contornar o problema. Entre as opções estão um possível aditamento do parecer de agosto ou a definição de um novo marco regulatório.

Investimentos

Ao mudar as regras para proteger o país de capital especulativo e garantir a soberania nacional, o governo federal acabou acertando em cheio o setor produtivo. Empresas brasileiras com controle estrangeiro argumentam que as medidas criaram um ambiente hostil ao investimento. Há dúvidas tanto em relação ao futuro quanto às transações do passado.

Reflexo disso é que o Brasil poderá perder cerca de R$ 60 bilhões de investimentos planejados até 2017. Os cálculos são da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e incluem os setores de grãos, cana-de-açúcar e floresta plantada.