Série Especial: Legislação atual não impede avanço na compra de terras por estrangeiros

É o que mostra a última reportagem da série Terra à Vista: Os Novos Donos do Solo BrasileiroO interesse de estrangeiros por terras no Brasil está em toda parte. São aquisições para produção agrícola ou apenas com foco na valorização das áreas. É um movimento que tem crescido rápido e que parece não ter data para terminar. Muitos acreditam que somente a lei poderia frear essa tendência, mas não é o que está ocorrendo. É o que mostra a última reportagem da série Terra à Vista: Os Novos Donos do Solo Brasileiro.

Para entender o que pode ou não pode, de acordo com a lei, é preciso voltar quase 40 anos no tempo. A história começa em 1971 com uma lei federal que regulamentou a compra de imóveis rurais por estrangeiros que moram no Brasil e empresas de fora autorizadas a funcionar aqui.

Conforme a lei, estrangeiros podem comprar áreas de até 50 módulos de exploração indefinida, o que equivale a cinco mil hectares. A soma das terras não pode passar de 40% do território de um município. Além disso, os projetos precisam ser aprovados pelo governo e as áreas só podem ser compradas para atividades agrícolas, de pecuária, industriais ou de colonização.

O detalhe é que a lei também vale para empresas brasileiras com participação majoritária estrangeira. Quer dizer, mesmo que a companhia seja constituída no Brasil, se a maior parte do capital for de fora, valem as mesmas regras dos estrangeiros.

Em 1988, 17 anos depois, veio a Constituição Federal e, com ela, as dúvidas. O motivo está no artigo 171 que estabeleceu: empresas abertas no Brasil, com sede e administração aqui, são consideradas empresas brasileiras. Não importa a origem do capital dos acionistas.

Sendo assim, mesmo quem tem participação majoritária estrangeira, teria direitos iguais aos de uma companhia nacional, inclusive de comprar terras.
O problema foi que, em 1995, o artigo 171 foi revogado. E agora? O que, afinal, se entende por empresa brasileira? E estrangeira?

Quem vem tentando esclarecer isso é a Advocacia Geral da União (AGU), que já emitiu vários pareceres nesse sentido. Em resumo, a entidade considera que vale a definição de empresa brasileira da constituição de 88. Mesmo com o artigo 171 revogado.

Toda essa confusão jurídica abriu espaço para diferentes interpretações. Para muitos, como o procurador do Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul em Dourados, Marco Antonio Delfino de Almeida, o que vale é a lei de 1971. Segundo ele, empresas brasileiras com capital estrangeiro têm as mesmas limitações para comprar terras que as companhias de fora. O MP chegou a pedir à AGU revisão do último parecer.

? Nós entendemos que a Constituição ainda barca essa limitação e fizemos uma recomendação para que houvesse a revogação desse parecer. A consultoria jurídica acolheu essa recomendação e estamos aguardando que esse parecer seja revogado e que haja novamente o limite para aquisição de terras por pessoa jurídica com capital majoritário estrangeiro, que a legislação em 1971 previu ? disse Almeida.

O advogado Juliano Moretti, que já atuou em defesa de companhias estrangeiras que queriam comprar terras no Brasil, tem outra opinião.

? A interpretação da AGU foi no sentido de que a sociedade brasileira com capital estrangeiro desde que constituída no Brasil seria equiparada a uma pessoa jurídica brasileira, ou seria considerada uma pessoa jurídica brasileira pra fins de aquisição de propriedade rural. Então não haveria mais essa discussão em relação a se, por um acaso, as restrições da lei 5709 seriam aplicáveis ou não ? avalia o advogado.

A confusão poderia terminar com a aprovação de uma nova lei, definitiva, o que ainda não ocorreu. Atualmente, cinco projetos diferentes sobre o assunto tramitam na Câmara Federal. A idéia geral é limitar a compra de terras por estrangeiros em 2,5 mil hectares. Um dos projetos quer proibir apenas compra de áreas destinadas à produção de agroenergia.

Há ainda proposta especifica para a região Amazônica. O projeto do deputado Nilson Mourão, (PT-AC) pretende proibir a posse de terras por estrangeiros na Amazônia. O texto foi aprovado na Câmara e aguarda votação do Senado.

? É um dos projetos que tenho tido mais apoio, a grande maioria dos parlamentares sabe da importância estratégica da região Amazônica e estão cooperando. O projeto está andando devagar, mas está andando. Está há nove anos no Senado e, pelas informações que tenho, será aprovado ? diz o deputado.

Este pode ser aprovado ainda este ano, mas os outros ainda não foram votados. O andamento demora, pois são propostas muito parecidas. Cada uma que chega nas comissões acaba parando, para reunir as demais sobre o mesmo assunto. Enquanto a lei não define a questão de forma clara, mais e mais terras vão sendo compradas por grupos internacionais. Um processo rápido e que já tem uma nova onda. Quem vem chegando, com força total, em solo brasileiro, são os chineses.

? O que agente tem percebido também é justamente isso: um interesse mais acirrado por parte da China, que é o país que mais tem crescido nos últimos anos. Então, eles estão com uma demanda interna muito aquecida. É um país que praticamente no limite de uso do seu solo. Eles não têm mais para onde expandir a sua agricultura, então eles têm que buscar cada vez mais quantidade de alimentos em outros países produtores ? diz a especialista de mercado de terras Jacqueline Bierhals, da AgraFNP.

Parte importante dessa busca está no oeste da Bahia e vem sendo negociada pelo corretor de imóveis rurais Sérgio Schleder. Na foto, o registro da última visita de um grupo chinês que está em dúvida entre três cidades da região. Sergio prefere não dar detalhes sobre quem são os chineses e como está a negociação, mas resumem o que os asiáticos querem aqui.

? Eles querem plantar soja, industrializar e provavelmente comprar soja aqui ? afirma Schleder.

No final de maio, uma delegação da China foi recebida pelo governo da Bahia. Eles assinaram um protocolo de intenções. Jornais chegaram a divulgar que o grupo quer comprar entre 200 mil e 250 mil hectares de terras na região do Mapitoba, que inclui, além da Bahia, Maranhão, Piauí e Tocantins. A ideia é produzir grãos e atuar na área de bioenergia.

O que você pensa disso?

Para o governador da Bahia, Jaques Wagner, as negociações são importantes. Porém, ele tem lá suas restrições.

? O que me interessa é que não sejam apenas produtores in natura, para produzir grão e exportar. Me interessa produzir, verticalizar a cadeia produtiva, que gere emprego, riqueza, e agregue valor aqui dentro ? diz o governador.

Chineses ou não, com esse ou aquele entendimento da lei, o fato é que os estrangeiros não param de chegar e marcar espaço em solo brasileiro. Nos jornais e internet, a cada dia surgem mais anúncios de fazendas no Brasil. Há um site que deixa claro: terras no Brasil ? ótimas terras com preço baixo. O preço, aliás, é mostrado em quase todos eles em real, dólar, euro, saca de soja. Vale tudo para conquistar o comprador. Aonde isso vai levar? Só o tempo vai dizer.