Os trabalhadores, um dos quais menor de idade, roçavam pasto para retirada de juquira e construíam cerca nas fazendas. Dezoito eram de Arapoema, dez de Itacajá e 55 da cidade de Guadalupe (PI), a cerca de 900 quilômetros de distância. Estes últimos foram contratados por intermédio do arregimentador de mão-de-obra conhecido por Sinaldo, que segundo informações apuradas pelo MPF/TO, é habitual fornecedor de trabalhadores para as referidas fazendas a pedido de José Carlos Tardin do Carmo Junior, conhecido por “Bacuri”, responsável pela administração das duas fazendas.
O arregimentador teria adiantado aos trabalhadores o valor de R$ 250 para que os mesmos financiassem as despesas do transporte até a fazenda e também para que pudessem deixar alguma coisa com as suas famílias, criando dívida a ser descontada do trabalho. Cada um pagou R$ 100 de transporte até a fazenda, realizado em vans fretadas por Sinaldo, e mais R$ 10 pelo serviço de arregimentação. Os trabalhadores tiveram que arcar com as despesas de alimentação durante toda a viagem.
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério de Trabalho encontrou os trabalhadores cumprindo excessiva jornada de trabalho com péssimas condições dos alojamentos e sem água potável. No período de 21 de junho a 28 de julho de 2006, eles foram submetidos a alojamentos inadequados, superlotação, falta de colchões e armários individuais, refeitório usado como alojamento, falta de local adequado para preparar alimentação de péssima qualidade, transporte em carroceria aberta de caminhão também utilizado para transporte de gado, não fornecimento da água potável e falta de instalações sanitárias. Diante da má qualidade da comida, os trabalhadores costumavam caçar tatus para fazer refeição ou compravam comida feita na cantina mantida na fazenda.
Os trabalhadores estavam com suas CTPS assinadas com contratos de experiência de 45 dias, com possibilidade de prorrogação por igual período, prática comum a empregadores fazendeiros para burlar a legislação trabalhista, uma vez que já tinham plena ciência de que o período de trabalho seria bem superior a este, e que os trabalhadores não estavam passando por período de experiência. De acordo com declarações, eles não podiam sair da fazenda por ter de cumprir o contrato assinado, sendo as dívidas contraídas usadas para dificultar a saída dos trabalhadores da fazenda. Também eram feitas referências a multa rescisória pela quebra do contrato, mesmo que os trabalhadores alegassem que estavam se sentindo enganados, insatisfeitos e em condições sub-humanas de trabalho.
Também era prática costumeira no armazém da fazenda Dois Irmãos a venda de mercadorias a preços superiores ao do comércio local. Nesse sentido, dívidas eram contraídas para posterior pagamento pelos trabalhadores no momento do recebimento do salário, para evitar o desligamento de trabalhadores da fazenda antes da quitação das mesmas. A revenda de mercadoria a preços exorbitantes é uma das modalidades utilizadas pelos fazendeiros para dificultar a saída dos trabalhadores, uma vez que as dívidas vão sempre acumulando na medida das necessidades dos trabalhadores, tendo em vista a péssima qualidade da alimentação e utensílios fornecidos pela fazenda.
Os trabalhadores do roço não tinham acesso à água potável, e bebiam água dos córregos que cortam os pastos, quando estavam nas frentes de trabalho, também usados pelo gado para beber e urinar. Os trabalhadores relatam dores de barriga entre a maioria deles.
Fernando Lavagnoli, Leoni Lavagnoli e José Carlos Tardin do Carmo Junior encontram-se incursos por 83 vezes nas penas do artigo 149 e uma vez na pena do artigo 149 parágrafo 2°, além das penas previstas no artigo 203, caput, (83 vezes) e do artigo 204, (55 vezes) do Código Penal.
Seminário
Com o objetivo de construir consensos e promover estratégias de enfrentamento eficaz à prática do trabalho escravo, o MPF-TO sedia nesta quinta e sexta-feiras, 16 e 17, o Seminário “Trabalho escravo: vamos acabar com esta vergonha!” Operadores do Direito, estudantes e sociedade civil organizada vão debater as alternativas para erradicar a prática no estado. O Tocantins está em terceiro lugar no país em número de ocorrências, atrás de Pará, Maranhão e Mato Grosso.