Produzir tomate não é uma tarefa fácil. Várias pragas e doenças, fatores externos como variações no clima e na oferta de nutrientes são ameaças reais às lavouras. Por isso, além de um pacote farto de produtos químicos e biológicos, o melhoramento genético é uma estratégia essencial para aprimorar as variedades do fruto aos desafios do campo.
Com base nas leis de Mendel, os pesquisadores entenderam como funcionava o processo de adaptação das plantas para a produção agrícola (domesticação) e desenvolveram técnicas de melhoramento. Esse conhecimento resultou em tomates mais produtivos, adaptados a diferentes ambientes e resistentes a muitas doenças e pragas.
Mas o dinamismo do ambiente e dos seres vivos desafia as lavouras no dia a dia, fazendo com que novas ferramentas sejam desenvolvidas para que outras opções sejam oferecidas. Nesse cenário, as técnicas inovadoras de melhoramento que incluem os CRISPRs podem ser utilizadas para acelerar a domesticação e promover mudanças favoráveis nas plantas.
As novas ferramentas de melhoramento funcionam como pequenas tesouras, capazes de literalmente editar genes (selecionados pelos pesquisadores) de uma grande variedade de organismos.
Se você ainda não ouviu falar de CRISPR, uma breve explicação para o assunto seria: nos últimos anos, os cientistas descobriram como explorar uma particularidade do sistema imunológico de bactérias para editar genes em outros organismos. Em outras palavras, os pesquisadores adaptaram essa especialidade das bactérias para que elas agissem como se fossem um GPS que vai direto no gene de interesse, promove cortes ou inserções no DNA das plantas, eliminando ou adicionando características.
Desde 2014, o sistema CRISPR foi aplicado pela primeira vez no tomate e daí para frente estamos acompanhando muitos estudos de melhoramento em quatro áreas principais: resistência ao estresse biótico e abiótico, aumento da qualidade dos frutos e ganho de tempo para prosseguirmos a domesticação de variedades do tomate.
Estresses bióticos incluem, principalmente, microrganismos e insetos que podem atacar as plantas e causar danos. A tecnologia CRISPR tem sido empregada para se obter plantas resistentes a vírus, a infecção por fungos e bactérias, que provocam severas perdas no cultivo do tomate. Para tal, o melhoramento usando essas novas ferramentas tem modificado genes do tomate que lhes conferem propriedades antivirais, ou seja, estamos produzindo frutos imunes a alguns vírus como o do mosaico do tomate.
Os fungos causam várias doenças no tomate, incluindo mofo, ferrugem e podridão. Pesquisadores usaram o sistema CRISPR para inativar determinados genes dos tomates e promoveram resistência contra vários tipos de fungos.
De acordo com a teoria evolutiva de Charles Darwin, a espécie que sobrevive é aquela que é capaz de se adaptar melhor ao ambiente. Estresses abióticos como seca, inundação, calor e frio representam altos riscos para as espécies. Apenas para dar um exemplo, o tomate é uma cultura bastante sensível ao frio, por isso, a fruta perde qualidade quando esfria rapidamente. A tecnologia CRISPR tem sido usada para estimular genes de tolerância ao calor, frio e ao estresse hídrico (falta ou excesso de água).
A qualidade dos frutos é definida com base em características internas e externas. Os fatores externos envolvem tamanho, cor e textura e os atributos internos de qualidade incluem níveis de nutrientes e compostos bioativos (a exemplo da antocianina, Gaba e licopeno). No tomate, o número de lóculos tem grande efeito no tamanho do fruto. Por isso o interesse do melhoramento com o emprego de CRISPR para gerar frutos com maior quantidade de lóculos.
Em relação aos níveis de bioativos, a tecnologia CRISPR foi aplicada para produzir tomate com doses elevadas de antocianina, Gaba e licopeno, alterando a expressão de genes-chave em suas vias metabólicas.
A domesticação do tomate que vem acompanhando a história do campo, ainda é essencial para entregar e adaptar as variedades mais produtivas e saudáveis nas lavouras. Com as novas ferramentas de edição genética, conseguimos acelerar o tempo envolvido nesse processo, produzindo plantas para estágios da domesticação. Isso mesmo, conseguimos pular algumas etapas. Se no passado, levávamos muitos anos até chegar ao fruto de interesse, atualmente tudo pode acontecer em poucos anos.
Toda essa história parece muito técnica e voltada para dar resultados no campo, mas você pode ter certeza: a diferença também está na motivação. Atender aos desejos dos consumidores. Isso mesmo!
Queremos tomates bem vermelhos, enquanto os asiáticos preferem os amarelos. Muito sabor, bioativos e produção sustentável. E teremos tudo isso, por conta das novas ferramentas da ciência.
Bibliografia consultada
Sebastian Soyk, Niels A Muller et al. Variation in the flowering gene self pruning 5g promotes day-neutrality and early yield in tomato. Nature Genetics 2017, volume 49, n 1,pgs 162-168.
Suhas G. Karkute, Achuit K. Singh et al. CRISPR/Cas9 Mediated Genome Engineering for Improvement of Horticultural Crops. Frontiers in Plant Science 2017, volume 8, pg 1635.
ATian Wang, Hongyan Zhang e Hongliang Zhu. CRISPR technology is revolutionizing the improvement of tomato and other fruit crops. Horticulture Research 2019, volume 6, pgs 1-13.