Cana

Estudo: fungo da podridão vermelha manipula broca-da-cana para se disseminar

O Fusarium verticillioides controla a produção de aromas do canavial para atrair as mariposas livres da doença

Cientistas descobriram que um dos fungos causadores da podridão vermelha manipula a broca da cana-de-açúcar, uma das principais pragas da cultura, para continuar se disseminando.

Os pesquisadores já desconfiavam que o Fusarium verticillioides se aproveita das aberturas deixadas pelo ataque da lagarta da broca na cana-de-açúcar para infectar as plantas. Porém, de acordo com pesquisadores da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), o fungo vai além: ele atrai mariposas livres da doença.

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Foto: Heraldo Negri de Oliveira

“Nossos dados demonstram que o fungo manipula tanto a planta hospedeira quanto o inseto herbívoro ao longo do ciclo de vida para promover sua infecção e disseminação,” diz o entomólogo José Maurício Bento, da Esal-USP. Bento é um especialista no estudo das interações inseto-plantas.

Os professores Marcio Silva Filho e José Maurício Bento são os pesquisadores responsáveis pelo trabalho, que foi realizado em seus laboratórios com a colaboração, entre outros, da pós-doutoranda Flávia Pereira Franco, e dos doutorandos Amanda Carlos Túler e Diego Zanardo Gallan, seus primeiros autores.

Como o fungo ataca as plantas

O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, com 678 milhões de toneladas na safra 2019/2020, ou 40% do cultivo no mundo. Segundos dados do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), a dupla fungo-inseto causa prejuízo anual de R$ 5 bilhões ao setor, fazendo com que cerca de 400 mil toneladas de cana deixem de ser colhidas.

O Fusarium verticillioides é um dos causadores da podridão vermelha (a doença também pode ser causada por outro agente, o fungo Colletotrichum falcatum). Mas F. verticillioides não age sozinho. Para conseguir infectar a planta, ele precisa, em primeiro lugar, infectar a broca da cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis), que é uma das principais pragas da cultura.

A forma adulta do inseto é uma mariposa. Suas fêmeas procuram as plantas de cana para realizar a postura, ou seja, depositar seus ovos. O fungo pega carona.

Dos ovos surgem as lagartas que abrem orifícios no colmo (o caule) da cana. O entendimento anterior ao trabalho era que pelos orifícios abertos pelas lagartas ocorria a penetração dos fungos, considerados oportunistas. Este estudo reescreve o processo de infestação dos canaviais pela dupla inseto-fungo. As lagartas disseminam o fungo no interior da planta, causando a podridão vermelha.

“A mariposa coloca os ovos na planta, a lagartinha eclode, penetra no colmo, cresce, se transforma em pupa e sai na forma de mariposa para colocar seus ovos em outras plantas”, diz Silva Filho.

Se isoladamente a broca causa estrago nos canaviais, sua associação com o fungo pode ser ainda mais devastadora, no que tange à produção de sacarose e etanol. “A associação da lagarta com o fungo é responsável por praticamente 100% das infecções. Sempre que tem broca, tem infestação do fungo,” explica Flávia Pereira Franco, primeira autora do trabalho. Segundo Silva Filho, são frequentes os relatos de perdas de 50% a 70% da sacarose de colmos atacados simultaneamente pelo fungo e pela broca.

Existe relação entre o fungo, o inseto e a planta?

Já se suspeitava dessa estreita associação da broca com o fungo para infectar a cana. Além de comprovar tal suspeita, os pesquisadores descobriram como se dá essa interação inseto-fungo-planta: processos adaptativos tornaram o fungo capaz de controlar tanto o comportamento da lagarta quanto a produção de voláteis (aromas) pela planta com a finalidade de favorecer a própria reprodução e propagação do fungo.

Os pesquisadores ainda não descobriram como o fungo faz para manipular inseto e as plantas. Mas conhecem seus efeitos. As plantas exalam naturalmente voláteis de diversos tipos. A contaminação pelo fungo faz com que a planta passe a exalar voláteis específicos, cuja função é atrair as mariposas sadias da broca até a planta para se infectarem pelo fungo. Plantas não infectadas não exalam tal volátil. “O inseto se comunica com a planta por meio desses compostos ou ‘cheiros’”, afirma a agrônoma Amanda Carlos Túler.

“A planta contaminada pelo fungo produz voláteis irresistíveis às fêmeas grávidas não infectadas. O inseto que normalmente não escolheria qual planta infectar tem seu comportamento alterado. Serão estas plantas infectadas as escolhidas pelas fêmeas para depositar seus ovos,” afirma Bento.

Uma vez que os ovos eclodem, as lagartinhas que nascem serão infectadas pelo Fusarium verticillioides ao penetrarem na planta. Quando as brocas se tornam adultas, na forma de mariposas, ao acasalar elas transmitem o fungo aos seus descendentes. Logo as futuras lagartas já estarão contaminadas.

“Identificamos inicialmente o fungo no intestino das lagartas, no interior da pupa e na mariposa. A grande questão era saber se o fungo também passaria para os descendentes. Vimos que este fungo passa para a próxima geração dentro dos ovos depositados pelas mariposas,” explica o agrônomo Diego Zanardo Gallan.

Mas e quanto às fêmeas já contaminadas pelo fungo que voam à procura de plantas para ovipositar? Como elas reagem à exposição dos voláteis produzidos pelas plantas infectadas? Neste caso, as mariposas evitam realizar a postura nas plantas doentes, passando a buscar unicamente plantas sadias.

“O fungo usa o inseto como vetor, ou seja, está manipulando tanto a planta quanto o inseto para se reproduzir e disseminar”, diz Bento. “A manipulação de plantas por microorganismos já foi demonstrada no caso de vírus e bactérias. O novo nessa história é que se trata de um fungo. É a primeira vez que isto é demonstrado! O que o inseto ganha com isto? Ainda não sabemos.”

Quer ler a pesquisa na íntegra? Confira!