CANAL RURAL ENTREVISTA

Agro precisa se comunicar da porteira para fora, diz presidente da ABMRA

Em entrevista ao Canal Rural, Ricardo Nicodemos falou sobre agro, comunicação e temas relacionados à construção e reputação da imagem do setor

No Canal Rural Entrevista desta semana, o presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA), Ricardo Nicodemos, falou sobre agronegócio, comunicação e temas relacionados à construção e reputação da imagem do setor, responsával por um terço do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

A entrevista foi conduzida pelo diretor de conteúdo do Canal Rural, Giovani Ferreira.

Canal Rural: O setor agrícola está se tornando cada vez mais competitivo no âmbito mercadológico. No entanto, à medida que o Brasil se destaca na produção, exportação e oferta de alimentos, tanto de origem animal quanto vegetal, ele enfrenta uma série de barreiras que podem ser consideradas concorrência desleal. Quando menciono o protecionismo e a ideologia que permeia essa situação, percebo que há muita conveniência nessa abordagem. Gostaria de saber qual é a sua opinião a respeito dessa concorrência baseada em interesses pessoais, em vez de fundamentos sólidos.

Ricardo Nicodemos: Muito boa pergunta. Eu entendo que precisamos avaliar essa questão levando em consideração o contexto. Há 50 anos, o Brasil enfrentava uma situação iminente de insegurança alimentar. Foram os produtores, juntamente com as indústrias e órgãos de pesquisa, que lideraram essa transformação e tornaram o setor agrícola uma locomotiva que impulsiona nossa economia hoje. No entanto, é importante lembrar que estamos lidando com famílias e pessoas que cuidam de pessoas nesse setor. Portanto, toda a ideologia e protecionismo envolvido pode prejudicar um setor que cresceu e evoluiu nos últimos 50 anos, e é o que impulsiona o Brasil para frente. Devemos nos unir como produtores e população para lutar contra essas questões no exterior, em vez de brigarmos internamente. É essencial lembrar que superamos uma situação de insegurança alimentar em apenas 50 anos, o que não é muito tempo para um país. Mudamos completamente o rumo dessa história.

CR: Agora percebemos que enfrentamos dois problemas de comunicação: um interno, que envolve questões urbanas e rurais, e outro com a comunidade internacional. Nesse sentido, considerando o conceito de comunicação em si, você acredita que o setor agrícola sabe se comunicar bem, se comunica de forma inadequada ou simplesmente não sabe se comunicar no Brasil?

Nicodemos: O setor agrícola tem uma habilidade notável de se comunicar, e isso é evidenciado pelo fato de termos várias emissoras de televisão dedicadas ao agronegócio, bem como dezenas de revistas especializadas. No entanto, a comunicação no agronegócio muitas vezes ocorre apenas dentro dos limites do setor. É como se estivéssemos reunidos em família, na casa da nossa tia em um domingo, compartilhando todas as nossas conquistas. Mas, para realmente prosperarmos, precisamos levar essa comunicação para além das nossas fronteiras. O agronegócio precisa iniciar um novo ciclo, da mesma forma que começou há 50 anos, impulsionado pela produtividade e inovação. Agora, com a ajuda das ferramentas de comunicação modernas, temos a capacidade de nos comunicar efetivamente com o mundo exterior. O setor agrícola já possui essa habilidade inerente de se comunicar, mas agora precisamos direcionar essa habilidade para fora de nossas fronteiras. No entanto, o setor ainda não percebeu totalmente o poder que a comunicação tem para impulsionar os negócios. Ainda estamos dando os primeiros passos nesse sentido. É aqui que entram as associações de marketing e comunicação, bem como instituições como a BMF, para conscientizar todo o setor sobre a importância da comunicação eficaz. Devemos compreender que a comunicação pode elevar o agronegócio a novos patamares de sucesso.

CR: Gostaria que você explicasse um pouco mais sobre o conceito de comunicação no agronegócio, pois não estamos nos referindo apenas a um produto específico. Estamos falando sobre a comunicação do setor agrícola como um todo, tanto em termos institucionais quanto estratégicos. Além disso, é importante destacar que existem diversos segmentos da sociedade que são impactados de maneira direta ou indireta pelo agronegócio, muitas vezes sem sequer perceberem. Você poderia falar um pouco mais sobre esse aspecto e como a comunicação pode influenciar esses diferentes estratos da sociedade?

Nicodemos: O que temos atualmente são várias ações e iniciativas isoladas em termos de comunicação. Podemos observar algumas iniciativas de comunicação sendo realizadas, mas elas permanecem fragmentadas. O que realmente precisamos fazer é unir todas as forças e nos comunicarmos de maneira institucional, levando a mensagem do setor agrícola para além das fronteiras das propriedades rurais. Durante muito tempo, conduzimos pesquisas e coletamos uma série de informações. E um dos pontos que identificamos e compreendemos é que, em virtude da grandeza do agronegócio, a população em geral não tem um conhecimento exato sobre o que ele realmente é. Isso não é culpa da população. Na verdade, é responsabilidade do setor agrícola esclarecer o que fazemos, como fazemos e os benefícios que proporcionamos para a vida das pessoas. É parte do nosso papel explicar e demonstrar o valor do agronegócio para a sociedade.

CR: A afirmação de que “o leite não vem na caixinha” é uma realidade. Infelizmente, no Brasil, muitas crianças ainda não têm conhecimento sobre a origem desse produto.

Nicodemos: Se fossem apenas as crianças, ficaríamos felizes, e isso é de extrema importância. No entanto, também precisamos levar em consideração as mães. Durante nossas conversas com as mães, indagamos sobre a origem do leite de caixinha e das batatas fritas. Surpreendentemente, a resposta mais comum era ‘vem do supermercado’. Ao insistirmos um pouco mais, algumas delas mencionavam a indústria como origem, mas raramente mencionavam os produtores. Portanto, é essencial que transmitamos a mensagem de que o leite foi ordenhado por uma família dedicada e as batatas foram plantadas e cuidadas por outra família.

CR: A ABMRA está patrocinando uma pesquisa sobre as percepções da população em relação ao agronegócio em sua essência. Quais são os principais insights obtidos com essa pesquisa? Quais aspectos dessa pesquisa são especialmente relevantes? Em relação à interação entre o agronegócio, a população e a sociedade organizada, o que pode ser observado?

Nicodemos: A pesquisa “Percepções sobre o agro” foi apoiada por aproximadamente 40 instituições e entidades. Essa pesquisa nos proporcionou valiosos insights, e gostaria de destacar três deles. Em primeiro lugar, descobrimos que sete em cada dez brasileiros possuem uma atitude positiva em relação ao setor agropecuário. Isso é extremamente encorajador, pois indica que os brasileiros estão receptivos às mensagens que temos a transmitir. Em segundo lugar, o agro é um dos setores mais admirados pela população, ficando apenas atrás do setor da saúde. Isso pode ser atribuído, em parte, ao contexto recente da pandemia. No entanto, há também um terceiro dado que merece nossa atenção: cerca de 30% da população brasileira possui uma predisposição para boicotar e criticar o setor agropecuário. Esse é um sinal de alerta significativo, especialmente considerando que 51% desses 30% são jovens entre 15 e 29 anos, que representam tanto os futuros líderes quanto os consumidores mais influentes. Portanto, é crucial que intensifiquemos nossos esforços de comunicação neste momento, a fim de abordar essa questão de maneira efetiva.

CR: Como podemos reagir ao sinal de alerta apresentado pela pesquisa sobre a visão distorcida do agronegócio no Brasil, especialmente considerando a importância do país nessa área? Você acredita que incluir o estudo do agronegócio no currículo escolar, desde o ensino fundamental até o ensino médio, seria uma abordagem válida? Podemos considerar o exemplo do Uruguai, que introduziu o agronegócio no currículo há alguns anos e hoje considera isso um orgulho nacional, mesmo sendo um país menor em termos de população?

Nicodemos: Compreendo perfeitamente. De fato, é crucial construirmos a conscientização nas gerações mais jovens, a fim de que elas possam apreciar o agronegócio e se engajar nessa cadeia produtiva que oferece amplas oportunidades para quem busca construir uma carreira nesse setor. Uma abordagem importante é destacar a iniciativa “Olho no Material Escolar”, à qual nós apoiamos e colaboramos ativamente. Estamos em constante troca de informações e ideias, buscando fortalecer mutuamente as associações e entidades envolvidas. É essencial que o setor agropecuário crie suas próprias iniciativas e projetos, visando a comunicação direta com os estudantes. Embora não devamos depender exclusivamente das iniciativas governamentais, é fundamental que o setor se empenhe em alcançar os alunos e os professores, que também são verdadeiros heróis. Os produtores e os professores podem se tornar grandes aliados para levar informações e conhecimento sobre o agronegócio para dentro das salas de aula.

CR : Voltando ao ponto que você mencionou anteriormente, sobre 30% dos entrevistados terem uma visão negativa do agronegócio, sendo que metade desses 30% são jovens, o que é preocupante para o futuro. A pesquisa conseguiu identificar os motivos por trás dessa resistência ou visão negativa? É sabido que o agronegócio está associado a boas práticas, meio ambiente e sustentabilidade. O que poderia explicar essa conclusão que leva esses 50% dos 30% a terem essa percepção negativa?

Nicodemos: Existem três possíveis fatores que contribuem para essa percepção negativa. O primeiro é o desconhecimento e a desinformação que recebem. Esse é um fator importante. O segundo fator é a distância social. Ou seja, quando alguém não tem nenhum familiar ou amigo que trabalhe no agronegócio, isso cria uma distância social. O terceiro fator é a distância física. Se a pessoa nunca teve contato direto com uma propriedade rural, nunca passou férias em um hotel fazenda ou não tem o hábito de visitar o campo, isso também contribui para essa percepção distorcida. Esses três fatores combinados fazem com que as pessoas percam a visão real do que é o agronegócio: o desconhecimento, a distância social e a distância física. A comunicação adequada pode trabalhar para combater esses fatores. É necessário levar informações baseadas em ciência, de forma que o desconhecimento seja dissipado. Além disso, é importante adaptar a comunicação de acordo com o público-alvo. Se estamos falando com crianças, devemos usar metodologias apropriadas. O mesmo se aplica a jovens e adultos. A informação precisa ser transmitida de maneira adequada a cada grupo. Quanto à questão da distância física, é fundamental promover experiências no campo para a população. Isso pode ser feito através de visitas, passeios nos fins de semana ou durante as férias. Quando as pessoas têm a oportunidade de vivenciar o campo e compreender o que realmente acontece lá, a percepção muda. Essas experiências ajudam a construir uma imagem correta do agronegócio.

CR: Observamos uma mudança na dinâmica do campo em relação à sucessão rural, que vai na contramão desse público jovem que tende a ter uma percepção inadequada do agronegócio. Percebemos que os filhos, que antes saíam para estudar e não retornavam para a atividade agrícola, agora estão demonstrando mais interesse em seguir os passos de seus pais e avós no setor agropecuário. Embora isso não seja comum em todos os estratos do agronegócio, essa mudança é uma realidade. Você acredita que essa tendência de envolvimento dos jovens na atividade agropecuária pode contribuir para melhorar a percepção e compreensão do agronegócio, ajudando a quebrar os estereótipos negativos?

Nicodemos: Sim, você levantou um ponto muito relevante e a pesquisa Hábitos do Produtor Rural confirma essa mudança de comportamento. Estamos presenciando jovens de famílias de grandes e médios produtores que estão retornando à propriedade rural. Existem algumas possíveis razões para isso, sendo uma delas o avanço da tecnologia. Os jovens são atraídos pela facilidade que a tecnologia proporciona no campo. Essa é uma realidade que está impulsionando a sucessão familiar. Além disso, há também a questão dos pequenos produtores. Ainda enfrentamos desafios semelhantes ao êxodo rural que ocorreu algumas décadas atrás. Os filhos raramente desejam permanecer na propriedade, e isso é algo que o setor precisa abordar.

CR: Para finalizar, gostaria de discutir como podemos unir o campo e a cidade, tanto as áreas urbanas quanto as rurais, em uma voz coesa. A motivação é o slogan da nossa campanha quando se trata do agronegócio. Como podemos transformar esse setor em um ativo de soberania? Eu pessoalmente vejo o agronegócio como uma verdadeira paixão nacional.

Nicodemos: Sim, estamos liderando um movimento em conjunto. Foi um grande orgulho para mim ser escolhido como coordenador e mentor do projeto Marca Agro do Brasil, que representa o maior esforço já realizado no país. Esse projeto reúne toda a cadeia produtiva em iniciativas, ações e campanhas com o objetivo de levar a mensagem e o conhecimento sobre o agronegócio para a população, buscando torná-lo uma paixão nacional, assim como o futebol e o carnaval.

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