Nos corredores, era grande o número de peões no início da noite. Por volta das 21h, porém, rareou o movimento. A maioria tinha ido dormir. Algo inédito em uma véspera de feira.
Poucos permaneceram como sentinelas no pavilhão. Eram os tratadores de gado de corte. Para eles, só há duas opções durante a feira: cuidam 24 horas dos animais ou dormem por perto para evitar que se machuquem nas cordas ou briguem entre si.
Como repousar no pavilhão não é mais permitido, as cabanhas criaram uma espécie de revezamento desses trabalhadores. Nesse rodízio improvisado às pressas, os peões foram divididos em dois grupos: aqueles que trabalharam à noite para dormir pela manhã e os que repousam primeiro para trabalhar depois. Com isso, na prática, a determinação do Ministério do Trabalho proibindo camas e barracas dentro dos pavilhões criou uma jornada silenciosa e quase solitária durante a madrugada de sábado.
? O que eles (fiscais) não entendem é que, se todos forem dormir, amanhã (sábado), os animais vão dar mais trabalho, pois terão que ser lavados, escovados, a areia terá que ser toda trocada. É preferível ficar acordado ? disse um peão que prefere não ser identificado.
Preocupação com a chuva e caminhadas até o pavilhão
Para afastar o sono e o frio durante a fria madrugada deste sábado ? termômetros de rua marcavam entre cinco e 10 graus ? os peões caminharam pelos corredores, papearam com colegas de outras cabanhas e tomaram muito mate. Lá pelas 3h30min, quando se ouvia no pavilhão apenas o som de um pequeno rádio, alguns peões insinuavam sestas em cadeiras, sob a proteção de grossos palas. O medo de ser repreendido por algum fiscal era grande, e um tratador se escondia sob uma lona para cochilar.
A intenção do Ministério do Trabalho foi boa, dizem os peões. As soluções encontradas, não. A primeira reclamação dos trabalhadores é quanto à distância do acampamento, improvisado no estacionamento onde barracas dividem espaço com dezenas de caminhões. Como dizem os peões, é uma pateada de 15 minutos. Entre idas e vindas do acampamento, incluindo almoço e janta, lá se vai, no mínimo, uma hora de caminhada.
? Se chover vai ser ruim, não tem como não se molhar. Estamos acostumados a dormir próximo dos animais. E lá no pavilhão ficava todo mundo reunido, de prosa. Nem churrasco a gente pode fazer mais ? desabafou Solimar Munhoz, 38 anos, tratador de cavalos crioulos.
Quem foi alojado fora do parque também reclamou.
? Estou dividindo duas peças, a seis quadras daqui do parque, com mais 10 peões. O pior, além da falta de espaço, é caminhar à noite por um lugar que pouco conheço e sei que tem muitos assaltos ? contou outro peão.
A jornada dos madrugadores acabou próximo das 5h, quando começaram a ser rendidos por colegas que haviam dormido. A feira pode estar dentro da lei, mas para esses trabalhadores, parece ter perdido parte do encanto.
Durante 15 dias, de 22 de agosto a 6 de setembro do ano passado, o repórter de Zero Hora Francisco Amorim viveu na pele a rotina dos peões que trabalham para fazer o sucesso da Expointer, no parque Assis Brasil, em Esteio.
Foto: Marcos Nagelstein