Está na pauta da sessão conjunta do Congresso desta quinta-feira (23) a possibilidade de derrubada do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto de lei que estabelece a tese do marco temporal para a demarcação das terras indígenas.
O tema é uma das causas do atrito entre Legislativo e Judiciário. A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei do marco temporal em regime de urgência no final de maio com o apoio de ampla maioria dos parlamentares. A proposta foi para o Senado, com a promessa do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de apreciação minuciosa do tema.
No entanto, nesse meio tempo, o Supremo Tribunal Federal (STF) pautou o assunto e declarou a tese inconstitucional no dia 21 de setembro, esvaziando a discussão que ainda ia acontecer no Senado. Mesmo assim, a Casa aprovou o projeto de lei do marco temporal uma semana depois, no dia 27.
Com o argumento de acatar a deliberação do STF sobre o tema, Lula vetou a maior parte da normativa no dia 20 de outubro. De acordo com a Constituição, os vetos (totais ou parciais) descem automaticamente para o Congresso e podem ser mantidos ou derrubados. O prazo de apreciação é de 30 dias – vencido na segunda-feira, 20. Passado esse período, a pauta fica trancada até o Congresso votar a matéria.
O ministro da Agricultura e senador Carlos Fávaro (PSD-MT), foi exonerado temporariamente, para participar dessa e de outras votações. Ele já disse em entrevista que é a favor do marco temporal.
Votação exige maioria absoluta
A sessão conjunta desta quinta-feira reúne deputados e senadores e tem um dos quóruns mais difíceis do Legislativo brasileiro: a maioria absoluta dos parlamentares precisa votar sim para derrubar o veto de Lula. Isso significa metade mais um de todos os membros do Congresso – 257 deputados e 41 senadores -, e não apenas dos presentes.
A votação desta quinta vai se debruçar sobre cada ponto vetado pelo presidente Lula. Por isso, o veto pode ser derrubado na íntegra ou apenas em parte. Fato é que a decisão do Congresso “sela” o destino da proposta e pode levar à promulgação da lei. Se todo o veto for revertido, a lei do marco temporal das terras indígenas fica aprovada e já pode começar a valer.
Até o momento, a bancada do agro e alguns partidos de oposição sinalizaram que votarão a favor da derrubada do veto.
Se o veto for derrubado, STF pode declarar lei inconstitucional de novo
No entanto, a palavra final é do Poder Judiciário. O Supremo só pode agir se for provocado, o que é um dos princípios do funcionamento da Justiça no Brasil. No entanto, assim que alguma entidade pedir a inconstitucionalidade do projeto de lei, a tendência é que a Corte aplique o mesmo entendimento do julgamento de 21 de setembro.
O STF pode mudar de opinião a respeito de alguns assuntos, mas não é comum isso ocorrer em um espaço tão curto de tempo. Um caso recente é o da prisão após condenação em segunda instância: a Corte permitiu a medida em fevereiro de 2016, mas mudou de ideia e passou a proibir a prática em novembro de 2019, mais de três anos depois.
No caso do marco temporal das terras indígenas, se o Congresso derrubar o veto presidencial e transformá-lo em lei, terá que haver um novo processo judicial no Supremo para que seja declarada a sua inconstitucionalidade.
Lei vetada estabelece marco temporal e revisa processos de demarcação de terras indígenas
Quase todo o texto do projeto de lei aprovado pelo Senado no dia 27 de setembro foi vetado por Lula. Dos 33 artigos da normativa, 25 foram derrubados pelo presidente. O principal item da lei está em um dos parágrafos do artigo 4º.
“A cessação da posse indígena ocorrida anteriormente a 5 de outubro de 1988, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada”, diz o texto. De acordo com essa disposição, só poderiam ser reconhecidas como terras indígenas os espaços ocupados por povos originários na data em que a Constituição foi promulgada.
A justificativa do veto menciona a decisão do STF do dia 27 de setembro. “A proposição legislativa, ao apresentar a tese do marco temporal e seus desdobramentos, incorre em vício de inconstitucionalidade e contraria o interesse público por usurpar direitos originários previstos no caput do art. 231 da Constituição Federal, haja vista que tal tese já foi rejeitada pelo Supremo.”
A maior parte dos artigos vetados detalha como funcionaria esse processo de demarcação – que fica “viciado” pela declaração de inconstitucionalidade do marco. Alguns dispositivos vetados, por exemplo, proíbem que terras indígenas já demarcadas sejam ampliadas e obrigam a aplicação do marco temporal a processos de demarcação já finalizados.
Interferência econômica nas terras indígenas está de fora do veto
O projeto de lei cujo veto será analisado nesta quinta também trata de outros assuntos envolvendo terras indígenas, além da questão do marco temporal. Um deles é o usufruto das terras indígenas – a possibilidade de os povos originários usarem suas terras e explorarem o que vier delas. Hoje, a Constituição, afirma que os indígenas têm “o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
Lula manteve um trecho da lei do marco temporal que muda essa regra. “O usufruto dos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional”, diz o texto da nova norma. A nova redação abre espaço para que a soberania dos indígenas sobre os seus territórios seja questionada.
Outra questão é a participação de não-indígenas nas atividades econômicas exercidas em áreas demarcadas. O texto da lei mantido pelo governo admite “a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas”. A medida permite que pessoas que não integram as comunidades de povos originários participem da exploração de riquezas e produtos que venham de terras indígenas.
Esses pontos foram sancionados por Lula, já valem como lei e não serão objeto da discussão do Congresso desta quinta-feira.
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