Mais de 10 mil quilômetros foram percorridos por estradas que atravessam o Cerrado, a Mata Atlântica e a Amazônia, passando por diversos municípios do país. Esse foi o trajeto da equipe da Embrapa em busca de espécies de baunilhas brasileiras.
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O resultado: 19 espécies coletadas e 60 exemplares incorporados ao Banco de Germoplasma de Baunilha da Embrapa, iniciado em julho de 2022, em Brasília (DF). Após três expedições, na Bahia, Mato Grosso e Pará, a coleção passou de cerca de 70 para 130 exemplares de espécies aromáticas.
Só na última viagem, com destino ao Pará, foram trazidas para Brasília 16 espécies, algumas coletadas em seu habitat natural, nos municípios de Belém, Cametá e Tomé-Açu e arredores, e outras vindas de orquidófilos locais, que já tinham algumas dessas plantas.
“Isso corresponde a cerca de 30% das espécies que ocorrem no Brasil”, relata o pesquisador da Embrapa Cerrados (DF) Fernando Rocha, responsável pela atividade.
“Estamos montando uma das coleções mais representativas do mundo de espécies brasileiras, especialmente as dos grupos Vanilla odorata e hostmannii. A cada expedição, ampliamos a ocorrência conhecida de alguma espécie e a diversidade do banco genético da Embrapa”, completa Rocha.
Roberto Vieira, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e coordenador do projeto, afirma que, com a coleção, já será possível identificar plantas com potencial agronômico para subsidiar a domesticação da baunilha no Brasil e auxiliar na preservação dessas espécies.
Preservar para não perder
Em todo o mundo, são conhecidas cerca de 110 espécies do gênero. Dessas, apenas de 30 a 40 são aromáticas e ocorrem somente na América tropical e subtropical. Do total de espécies, cerca de 40 ocorrem no Brasil, sendo que os biomas Amazônia e Mata Atlântica contam com a maior diversidade. A presença humana nos ambientes de ocorrência natural das baunilhas tem colocado em risco a sobrevivência dessas espécies.
No entanto, para evitar que exemplares se percam, instituições de pesquisa buscam formas de preservar a biodiversidade do planeta. Bianchetti, que também participa das expedições de coleta, explica: “A conservação ex situ (fora do habitat) da diversidade de espécies de Vanilla e a variabilidade dentro das espécies são alguns dos objetivos do Banco de Germoplasma da Embrapa.”
Com as expedições, já fazem parte da coleção da Empresa materiais de cerca de 150 acessos diferentes. O pesquisador Roberto Vieira justifica a importância dessa diversidade, principalmente por haver poucos materiais coletados no Brasil.
“Para o desenvolvimento da cadeia produtiva ligada principalmente à gastronomia, é importante conhecer a variabilidade entre espécies, inclusive de aromas. Para o melhoramento agronômico, visando produtividade, resistência a doenças e outras características desejáveis, pode ser que outros materiais tenham bastante relevância. Já para a ciência, podemos encontrar materiais que não foram registrados em outras regiões ou sequer descritos”, complementa Vieira.
Na Mata Atlântica, mais especificamente no Parque Estadual da Serra do Conduru (BA), na expedição realizada em novembro de 2022, foram encontradas a Vanilla bicolor, espécie com poucos registros fora da Amazônia, uma grande população de espécies do grupo da Vanilla odorata, e uma espécie ainda a ser confirmada.
O coordenador explica que, para o banco de germoplasma, diversidade significa mais segurança: “Temos materiais coletados em áreas que não são muito preservadas, sujeitas a danos de diversos tipos. O mais importante é ter acesso a esses materiais, para que eles não se percam.”
Baunilhas do Brasil: um projeto de resgate
Em dois anos, foram realizadas cinco expedições de coleta de baunilha pelo Brasil. As duas primeiras, no estado de Goiás, forneceram o material que deu início ao Banco de Germoplasma da Embrapa. Outras três foram realizadas no segundo semestre de 2022 e em 2023.
As viagens, apesar de planejadas detalhadamente, são quase uma aventura. Incluem trajetos de barco, caminhadas sob sol escaldante e chuva, travessia de trechos alagados e outras tantas dificuldades que aparecem ao se buscar material genético em áreas naturais.
“Essa viagem foi a mais complexa porque as distâncias envolvidas não têm paralelo fora da Amazônia”, conta Rocha. Apesar disso, o resultado foi muito positivo: “Encontramos apoio na Embrapa Amazônia Oriental, no Museu Goeldi e de colecionadores locais, como o orquidófilo Tiago Carneiro, o que transformou essa na viagem mais rica em termos de espécies coletadas.”
Análise de DNA para identificação de espécies
A identificação de uma espécie de baunilha não é uma tarefa fácil. Apesar de haver diferença entre as folhas das espécies, a confirmação, em geral, depende da análise de sua flor. O problema é que o florescimento da planta a partir de mudas pode levar até três anos, segundo a pesquisadora da Embrapa Marília Pappas.
O uso de ferramentas genômicas pode ser o caminho para facilitar e acelerar essa atividade. A pesquisadora coleta folhas de todas as amostras que chegam ao Banco de Germoplasma e extrai seu DNA, estrutura que carrega a informação genética de um organismo. Assim, ela garante um backup da informação genética desse material no Banco de DNA Vegetal da Embrapa, do qual é curadora, uma garantia extra para o caso de a planta não sobreviver na coleção.
“Análises a partir do DNA podem auxiliar no conhecimento sobre a diversidade genética dos materiais do Banco de Germoplasma e, consequentemente, da diversidade nas áreas amostradas, além de agilizar a identificação das espécies”, explica Pappas.
A análise genética pode beneficiar vários interessados no cultivo de baunilha, pois garante ao comprador que a muda que ele está adquirindo é realmente da espécie pretendida e possibilita ao produtor de mudas a certificação de sua produção.
As metodologias genômicas usadas para as baunilhas são as mesmas aplicadas para espécies cultivadas comercialmente, como é o caso das commodities. “É comum existir pouca ou nenhuma informação genômica disponível para espécies de pouco apelo econômico, chamadas de espécies negligenciadas. Por isso, é preciso gerar as informações iniciais e, assim, construir um banco de dados para dar suporte às pesquisas de diversas áreas”, pontua.
Desafios da criação de sistemas de cultivo
Durante as expedições, buscou-se também localizar produtores locais. Em todos os estados visitados – Goiás, Bahia, Mato Grosso e Pará – as propriedades visitadas apresentavam dificuldades para lidar com a produção das baunilhas brasileiras.
Alguns fazem sua produção sob telado, outros, em sistema agroflorestal. Mas os problemas são comuns: inadequação quanto à umidade do solo e ao adensamento de plantas, doenças diversas, causadas por fungos e vírus, e ataque de pragas.
Essas observações são importantes para a pesquisa, pois, além da preservação do gênero, há a intenção de se desenvolver um sistema para produção das baunilhas brasileiras. “Essa etapa [de contato com pessoas que trabalham com baunilha] é essencial para a estruturação da cadeia produtiva das espécies brasileiras. Hoje, grande parte da exploração de espécies nativas, principalmente em Goiás, é feita por extrativismo”, explica o pesquisador Roberto Vieira.
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