Imagine um produtor rural que possui fazenda de soja e milho em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia. Ao checar a previsão do tempo, descobre que terá uma janela ideal de semeadura a partir do próximo dia. Porém, ele está em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, e há anos encontra dificuldades em contratar mão de obra qualificada para operar as suas plantadeiras.
O que poderia ser uma preocupação, rapidamente se resolve: mesmo a milhares de quilômetros de distância, pega o celular do bolso e, em tempo real, envia um comando para que as suas máquinas agrícolas liguem sozinhas, se alinhem e iniciem mais uma safra com o pé direito. Esse tipo de cenário de ficção científica está mais próximo de acontecer do que muitos podem imaginar, aposta a John Deere.
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Isso porque a companhia expôs os três tratores autônomos de sua segunda geração na Consumer Eletronics Show (CES 2025), em Las Vegas, nos Estados Unidos. Eles já estão à venda para os produtores norte-americanos e o plano é que desembarquem no Brasil em um futuro bastante próximo.
Modelos autônomos
O maior trator da multinacional, o 9RX, de 830 cavalos, voltado a grandes operações, passa a contar com um kit de autonomia que combina visão computacional avançada com inteligência artificial, tudo isso embutido em sensores e 16 câmeras individuais que permitem visão 360° do campo.
Existem, ainda, os tratores estreitos 5ML, de 130 cavalos que, em um primeiro momento, possuem motor a diesel, mas a promessa da John Deere é que no curto prazo operem também na versão elétrica. Os modelos são voltados a culturas especiais, como pomares, locais onde a pulverização com jato de ar tende a ser exaustiva.
De acordo com o vice-presidente e CTO Global da marca, Jahmy Hindman, o sistema de autonomia deles permite navegação precisa mesmo sob a densa cobertura de folhas.
Tal como o 9RX, identificam obstáculos sensíveis e pequenas variações, como insetos e até mesmo a mudança de luz do dia. Contudo, possuem a capacidade de apenas interromper a operação quando diante de empecilhos que possam realmente danificá-los, caso de pedras e grandes galhos, garante a companhia.
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Segundo Hindman, o modelo tecnológico dessas máquinas foi treinado com imagens coletadas em ambiente real, sendo a maioria delas captadas em operações agrícolas nos Estados Unidos. “Estamos trabalhando para que essa tecnologia funcione bem no Brasil. Nossa projeção é que entre os próximos dois ou três anos já estaremos aptos a implementar esses modelos no país.”
E a pressa é justificável: a John Deere aposta que o Brasil estará, em um futuro próximo, entre os três principais mercados de máquinas agrícolas autônomas do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Europa ou Canadá. Contudo, para o vice-presidente sênior e CFO global da marca, Josh Jepsen, há potencial para ir ainda mais além.
“Ao analisarmos o agronegócio brasileiro, com propriedades de tamanhos muito superiores a tudo o que vemos nos Estados Unidos e também com a dificuldade que os produtores têm de encontrar mão de obra capacitada para operar as máquinas, algo que não deve mudar e até se agravar no futuro, acreditamos que o Brasil será o primeiro mercado global em máquinas autônomas futuramente”.
Ele também destaca a capacidade de o país produzir, em alguns casos, até três safras por ano, algo que não ocorre em outras importantes nações com vocação agrícola. “Os períodos em que os produtores têm para fazer as operações em campo no Brasil são limitados, com janelas muito curtas. Uma tecnologia como a autonomia das máquinas pode ajudar nesse trabalho que, para o agricultor, pode ser muito extenuante”, afirma.
Já para o vice-presidente de Sistemas de Produção para a América Latina da John Deere, Cristiano Correia, as próprias características geopolíticas do Brasil tendem a elevá-lo ao patamar de liderança global na adoção de máquinas autônomas.
“O Brasil possui áreas agrícolas enormes e distantes de qualquer município com mais população, então é realmente muito difícil para o agricultor atrair mão de obra qualificada. Na Europa e nos Estados Unidos isso é diferente porque as cidades são mais descentralizadas e o produtor consegue contar com os trabalhadores que necessita com um pouco mais de facilidade”.
Segundo ele, a companhia tem como meta para 2026 conectar ao sistema autônomo cerca de 1,5 milhão de máquinas agrícolas no mundo. “No Brasil, a expectativa é que sejam algumas centenas de milhares em um futuro próximo”, enfatiza.
Obstáculos a transpor
Ainda que a John Deere reconheça o gigante potencial brasileiro na adoção de máquinas autônomas, os executivos da empresa ficam apreensivos com a limitação da conectividade em propriedades rurais do país.
O Indicador de Conectividade Rural (ICR), por exemplo, demonstrou que por aqui apenas 37,4% dos imóveis rurais têm cobertura 4G ou 5G em toda a área de uso agropecuário.
“Por conta deste grande desafio do Brasil, iniciamos em 2024 uma parceria com a Starlink para nos ajudar a preencher esse vácuo em locais de maior deficiência de internet, como em Mato Grosso, por exemplo. Nossa expectativa é que no Brasil esses modelos de conexão acoplados à maioria das máquinas novas entre em operação em cerca de dois anos. Já para as máquinas mais antigas, o retrofit deve demorar entre três e cinco anos”, detalha o CTO Global da John Deere, Jahmy Hindman.
Segundo ele, outro desafio que a companhia trabalha para superar é fazer com que máquinas autônomas trabalhem em propriedades com terrenos mais acidentados e montanhosos – como no Rio Grande do Sul e Paraná – tão bem como já poderiam operar em lavouras planas, caso de Mato Grosso e da maioria das áreas produtivas do Cerrado brasileiro.
“A autonomia é como o desenvolvimento de uma criança, ou seja, aprendemos inicialmente a engatinhar para depois andar e só então correr. Neste momento, ainda estamos na fase de engatinhar, mas já sabemos que essa tecnologia funciona muito bem em propriedades de topografia plana e retangular. Por isso, estamos coletando imagens em terrenos mais acidentados para treinar os modelos computacionais para que as nossas máquinas possam trabalhar neles”, conta Hindman.
De acordo com o executivo, os primeiros testes bem-sucedidos do modelo autônomo das máquinas da John Deere foram feitos em propriedades de milho, soja e algodão por serem maiores e exigirem mais trabalho do produtor.
Nesta linha, o CTO global da companhia enxerga na idade média dos agricultores – 58 anos nos Estados Unidos e 46 no Brasil – outro ingrediente que pode alavancar a utilização das máquinas autônomas, visto que os poupariam do trabalho mais pesado.
*O jornalista viajou à CES 2025 a convite da John Deere