Santa Catarina tem 36% de cobertura florestal, aponta pesquisa

Maior parte das árvores não é nativa e 25% das espécies estão sob ameaça de extinçãoA floresta de Santa Catarina é maior do que se pensava, mais jovem e com menos variedade de espécies. É o que apontou o inventário florístico florestal de Santa Catarina, realizado por pesquisadores da Universidade de Blumenau (Furb), em parceria com a Universidade Federal de SC (UFSC) e com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de SC (Epagri).

O levantamento, feito em 550 pontos de amostragem, revelou ainda que o Estado tem uma cobertura florestal de 36% ? com unidades de mais de 10 metros de altura e 15 anos de idade ? e não 23%, como se acreditava. Mas a maioria das florestas é composta por árvores secundárias, consideradas mais jovens, de 20, 30 anos, e de troncos finos. São 857 tipos. E 25% dessas espécies estão severamente ameaçadas de extinção ? com menos de 10 unidades cada.

Desde maio, estão sendo divulgadas as primeiras constatações do estudo que começou em 2007 e teve R$ 4 milhões de investimento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de SC (Fapesc).

De acordo com o professor de Engenharia Florestal da Furb e coordenador do inventário, Alexander Vibrans, essas florestas apresentam um empobrecimento de espécies ? com menos variedade e perda de diversidade genética ? e uma baixa concentração de biomassa e de carbono. Com menos carbono, há menor retenção de água.

? A floresta é como uma esponja. Se ela não consegue mais absorver, a água escorre muito rápido. Com isso, acontecem enchentes e depois períodos de seca, como no Oeste do Estado, no ano passado ? destaca o professor.

Já o presidente da Associação Catarinense de Engenheiros Florestais, André Richter, pondera que, de qualquer maneira, as árvores mais antigas devolvem o carbono para a atmosfera quando morrem. Para ele, a maior quantidade de árvores no estágio secundário é também um sinal de que as florestas estão se regenerando, apesar das formações florestais estarem em distribuição desigual. Segundo o inventário, em regiões de cidades como São Miguel do Oeste (SC), por exemplo, há apenas 10% de florestas, enquanto, em Blumenau (SC), a cobertura chega a 65%.

Matas virgens encontradas em áreas de difícil acesso

De acordo com Vibrans, a cobertura florestal é ainda mais reduzida em áreas de grande ocupação humana e especulação imobiliária, como na capital catarinense. As matas virgens, que existem desde a época da colonização, são encontradas apenas em áreas de difícil acesso, como em pontos da Serra Geral, que corta Santa Catarina.

Vibrans destaca como ponto positivo do estudo realizado por mais de 150 pessoas, a descoberta de espécies novas, a exemplo da bromélia Vriesea Rubens, encontrada em Orleans (SC). Outras sete espécies de plantas estão em processo de análise de pesquisadores de Estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo pela possibilidade de serem inéditas.

? Só se pode conservar as espécies sabendo quais são elas, a composição e a estrutura ? conclui Vibrans.

Santa Catarina é o primeiro a contar com um inventário minucioso. Distrito Federal, Sergipe e Ceará devem ser os próximos a investir em trabalhos nesse sentido.

Estudo facilitará a preservação

O inventário deve permitir uma radiografia das florestas, com dados de crescimento, qualidade, composição genética e disponibilidade das plantas. A motivação do estudo, segundo a Epagri, foi a resolução de 2001 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que suspendeu temporariamente o corte de árvores como araucária, imbuia, canela-preta e cedro. A extração só poderia ser feita se comprovada, com informações científicas, a possibilidade de utilização, garantindo a sua preservação. Com as leis seguintes de prevenção à Mata Atlântica, o corte de madeira ficou praticamente proibido no Estado.

O pesquisador da Epagri, Luiz Toresan, explica que o inventário foi a solução para se fazer o manejo florestal sustentável. Além disso, o levantamento permite ao Estado desenvolver novas políticas de preservação e conscientização ambiental. O estudo também englobou a análise socioeconômica de 777 agricultores e revelou que as pessoas não têm visto a mata como algo positivo, com potencial para alimentos e até remédios.

Com as informações do inventário, será possível negociar créditos de carbono com outras regiões e até com outros países. Caso o Estado libere pouco carbono ? causador do efeito estufa ? na atmosfera, pode vender parte da cota de emissão para algum país que polua mais pela frota maior de carros, por exemplo.

Região menos afetada é a de Blumenau

A região mais verde do Estado é a de Blumenau, com 65% de cobertura florestal. Para especialistas, o que protege essa terra é o relevo ondulado, com vales e montanhas, e o grande volume de cursos da água, como o Rio Itajaí-Açu.

Essas características geográficas são impróprias para a agricultura e a agropecuária, que estão entre as atividades mais geradoras de desmatamentos.

Um dos pesquisadores do inventário florístico florestal, o professor de Silvicultura ? ciência que estuda a implantação e regeneração de florestas ? da Furb, Lauri Amândio Schorn, observa que a região sul de Blumenau é a menos afetada pela interferência do homem, justamente por ser a área de relevo mais acidentado. Nesse lado da cidade estão o Parque Ecológico Spitzkopf, com um morro que alcança 936 metros de altitude, e parte do Parque Nacional da Serra do Itajaí, considerada a unidade com a melhor qualidade de área verde do Estado.

? A declividade é elevada e a hidrografia presente, com muitos cursos da água. Isso limita o uso do solo, evitando o desmatamento ? explica Schorn.

O presidente da Fundação de Meio Ambiente de Blumenau, Robson Tomasoni, também credita à sua geografia, que dificulta negócios que degradam mais a natureza, a predominância de florestas na cidade. Mas levanta outros motivos para a preservação ambiental.

? A colonização possuiu pessoas com consciência ambiental, especialmente o doutor Hermann Blumenau, fundador da cidade, que era filho de guarda-parque, e os irmãos Fritz Müller e Hermann Müller. Ambos foram conhecidos internacionalmente por seus estudos da natureza, influenciando diretamente na formação da consciência preservacionista da população ? analisa.

Desenvolvimento que castiga o Oeste

A distribuição da cobertura florestal em Santa Catarina é desigual. O professor de Botânica da UFSC, Leonardo Rorig, destaca que algumas áreas foram mais suscetíveis a empreitadas imobiliárias, à pecuária e até a hidrelétricas. É o caso da região Oeste, pelo agronegócio das últimas décadas.

São Miguel do Oeste (SC) é destacado no inventário por ser um dos municípios mais devastados. Com 35 mil habitantes, tem apenas 10% de cobertura florestal. O ideal seria no mínimo 35%.

O técnico agrícola, Sérgio Dallagnol, tem lembranças das grandes retiradas de madeiras da época de seus pais.

? A retirada era feita com animais para plantio de soja e trigo. Naquela época, ou se fazia isso ou morria de fome ? conta.

Segundo a historiadora Eli Belani, a colonização deu-se devido à fertilidade dos solos, ótimos para o plantio de grãos.

? A exploração das matas e a indústria madeireira tornaram-se pilares da economia ? argumenta.

Para o professor Rorig, Santa Catarina tem sido uma das áreas mais devastadas do país, também pela cultura de pequenas propriedades rurais.

? As pessoas querem usar 100% das porções de terra e não pensam em preservar ? explica.

A prefeitura de São Miguel do Oeste se preocupa com a situação e criou, junto com o colégio agrícola, um horto florestal para doar árvores nativas.

Outras regiões também apresentam cobertura floresta reduzida. As florestas da região litorânea, como Florianópolis (SC), sentiram, principalmente, pelo investimento imobiliário. A Capital tem cerca de 30% de área verde, 5% a menos do que o ideal.