Durante debate no 35º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), a professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Sônia Magalhães, que desde 2007 estuda comunidades afetadas, alerta que impactos ambientais não constam dos estudos sobre o empreendimento e denuncia que condicionantes para a instalação da usina como a desintrusão de invasores das terras indígenas não estão sendo cumpridas
? Por meio de modelos matemáticos e de engenharia, o consórcio [responsável pela obra] diz que o rio [Xingu] não corre o risco de secar. Não é o que os índios pensam. Pela sua experiência, os velhos estão seguros do contrário e não há modelo matemático que os convença do contrário. Eles contam que na época de seca, com a diminuição da vazão do Xingu, peixes podiam ser retirados do rio já cozidos. Imagine como será com a diminuição da vazão ? questionou.
Integrante da Comissão de Assuntos Indígenas da ABA e pesquisadora do povo Xikrin do Rio Bacajá – afluente do Rio Xingu – há 20 anos, Cibele Cohn afirma que os índios não conseguem expor sua opinião ou se defender dos impactos das obras porque não foram informados adequadamente sobre o projeto. Segundo a professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), há menos de um mês, quando viram pela primeira vez fotos de outras barragens, houve reações inesperadas.
? Até esse ano, os Xikrin nunca tinham visto a foto de uma barragem. Em uma cena muito marcante, quando um dos velhos viu um paredão de uma barragem semelhante ao que será construído, ele disse: é muito pior do que eu estava esperando ? narrou a antropóloga.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), por outro lado, informa que promoveu 38 reuniões e quatro audiências públicas nas aldeias.
Acolhendo as denúncias dos índios, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, braço da Organização dos Estados Americanos (OEA), também não considerou as consultas da Funai adequadas. Em abril, por meio de medida cautelar, determinou que o Brasil interrompesse a instalação da usina até que as consultas fossem refeitas de forma “livre, informativa, de boa fé” e em língua indígena, “com o objetivo de chegar a um acordo” com as sete etnias afetadas. As consulta também são alvo de ações judiciais no Brasil.
Para cobrar a paralisação das obras da usina até o cumprimentos das condicionantes estabelecidas para a instalação da hidrelétrica, povos indígenas do Xingu fazem uma grande manifestação em Altamira nesta quinta, de acordo com a liderança do povo Arara, da aldeia Terrã-Wangã, Josinei Gonçalves, que participou do debate. Ele contou que as comunidades estão “assombradas” com os impactos e querem negociar as mitigações diretamente com a Presidência da República.
? São três pontos principais: a diminuição da vazão de rios que não nos permitirá, principalmente, chegar a Altamira, onde estão os serviços públicos e onde vendemos farinha, a diminuição dos peixes e o desmatamento, além dos conflitos por terra ?destacou Josinei que, assim como o cacique de sua aldeia, foi ameaçado de morte por colonos que invadiram terras indígenas atraídos pela obra.
De acordo com o indígena, sem “conversas” não há prazo para fim da ocupação.
Em 35 anos de encontros nacionais da Anpocs, esta foi a primeira vez que a organização convidou um representante da sociedade organizada para participar de uma discussão.