Em relação à produção de alimentos, o ano começou com características bem diferentes das que se verificam agora, em seu desfecho. Antes era a crise dos altos preços dos alimentos, agora é a econômica, que reduziu as fontes de crédito contratadas pelos produtores. Os custos de produção aumentaram até 50% em alguns casos, influenciados, sobretudo, pelos preços de fertilizantes, que atingiram, segundo classificação de representantes do governo e do setor produtivo, valores “abusivos”.
A crise dos alimentos foi considerada a maior dos últimos 30 anos. Uma das causas seria o aumento da demanda em países asiáticos, principalmente China e Índia, onde a população passou a ter acesso a produtos pouco consumidos anteriormente, como carne. Outras causas apontadas por especialistas seriam o uso do milho para produção de etanol nos Estados Unidos, algumas secas regionalizadas, devido a mudanças no clima, e o aumento do preço do petróleo, matéria-prima usada na fabricação de fertilizantes.
Estimulados pelos bons preços das commodities agrícolas e com condições climáticas favoráveis, os agricultores brasileiros colheram a maior safra de todos os tempos. Foram 143,2 milhões de toneladas, um incremento de 9% em relação ao ciclo anterior. Junto com os bons resultados no campo, uma conquista no Congresso: a lei 11.775, sancionada em setembro, definiu as regras da maior renegociação da dívida rural já feita. Entraram no programa R$ 75 bilhões em débitos de 2,8 milhões de contratos.
O presidente da Comissão Nacional de Endividamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), deputado Homero Pereira (PR-MT), disse que, apesar de não ter correspondido a todas as expectativas, a renegociação foi melhor do que qualquer contrato assinado individualmente no sistema financeiro, concedendo descontos e ampliação dos prazos de pagamento. O período para adesão expirou no último dia 12 e os produtores têm até o dia 31 deste mês para fazer os depósitos exigidos.
Apesar de alguns produtos agrícolas terem dobrado ou até triplicado de preço, a renda dos produtores não aumentou significativamente, justamente por causa do novo patamar de custo de produção. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, disse, em abril, que o preço dos alimentos não subiu mais, pressionando a inflação, graças à agricultura familiar, responsável por 70% dos produtos consumidos internamente. Ele avaliou, no entanto, que aquela crise duraria entre cinco e 10 anos.
Em meio às incertezas quanto ao novo patamar de preço dos alimentos, o Brasil entrou na briga global para defender a produção de biocombustíveis a partir da cana-de-açúcar. Vários críticos argumentaram que alimentos estavam sendo usados para a fabricação do novo combustível, como é o caso do milho nos Estados Unidos, contribuindo ainda mais para a crise.
Por aqui, a crítica foi em relação às condições de trabalho empregadas na colheita. No fim de novembro, foi realizada em São Paulo a primeira Conferência Internacional de Biocombustíveis. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o debate internacional sobre matrizes energéticas será vencido pela energia gerada a partir da agricultura.
Outro fato marcante, ocorrido no fim de janeiro, foi a suspensão das importações de carne bovina brasileira pela União Européia, sob alegação de falhas no sistema de rastreamento do país, que atesta a origem dos animais abatidos. Após o reconhecimento do problema pelo Ministério da Agricultura e a adoção de medidas para resolver as deficiências, uma centena de fazendas foi autorizada a exportar para o bloco. Atualmente, oito Estados (Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul) estão aptos, reativando um comércio que, em 2007, gerou US$ 420 milhões em dividendos para o Brasil.
Depois da colheita recorde, a preparação para o plantio na safra 2008-2009 foi marcada por reivindicações dos produtores, que, devido à crise econômica mundial, deixaram de ter parte da produção comprada antecipadamente por tradings. Esses recursos representavam um terço do financiamento da safra, complementados por empréstimos do governo e por reservas dos próprios produtores.
Com a nova crise, a incerteza, mais uma vez, sobre sua duração, e o improvável retorno do capital estrangeiro ao setor agrícola no mesmo volume verificado até então, um novo desafio se apresenta: que modelo de financiamento será adotado na agropecuária brasileira? A escassez de recursos para a agricultura e tantas incertezas devem causar redução entre 5% e 10% no volume de grãos colhidos no próximo ano. Diante da inviável manutenção do modelo atual, técnicos da área econômica já começaram a se reunir periodicamente para discutir possíveis alternativas. O setor produtivo ensaia uma proposta.
Na apresentação do balanço do ano e das perspectivas para 2009 feita pela CNA, o professor da USP e consultor da entidade Guilherme Dias afirmou que “a primeira mudança deve vir do próprio produtor, que deve se apresentar como uma firma rural moderna, capaz de sobreviver aos novos desafios”. Ele disse ainda que, sem transparência, não há como montar um seguro de produção.
Ninguém se arriscou, no entanto, a dizer qual é a saída para uma agricultura sustentável no longo prazo no país: expansão do seguro rural, ampliação da política de preços mínimos ou incorporação, pelo governo, da parte que era financiada pelas tradings? A única unanimidade é que o modelo atual está superado. Com tantas crises, no entanto, é possível que até o modelo ser implantado muitas das reivindicações apresentadas em 2008 se repitam ainda por algumas safras.