Um ano depois das chuvas que deixaram cerca de 900 mortos em enchentes e deslizamentos de terra, no verão passado, a obra começou a sair do papel nessa semana. Além das casas com dois quartos, banheiro e cozinha, cada unidade habitacional incluirá churrasqueira, parquinho para crianças e quadra de futebol. No entanto, moradores e agricultores da localidade avaliam que o terreno não é seguro para o empreendimento por incluir duas nascentes, um córrego e pontos de queda de barreiras.
– Lembro que, na última tragédia [em 2011], o lado de baixo do terreno, perto do córrego, ficou alagado com mais de 1,5 metro de água. Teve também pelo menos duas quedas de barreira que ainda dá para ver. Isso, na minha opinião, é área de risco – disse o comerciante Weder Pereira, 34 anos, sobre o terreno de 172 mil metros quadrados. A obra é feita pela construtora Odebrecht, com investimentos da Caixa Econômica Federal e do governo do estado.
Quem também levanta dúvidas sobre a viabilidade do projeto é um agricultor descendente de japoneses, que preferiu não ser identificado. O terreno dele, onde está prevista a construção da área de lazer do condomínio, que ainda não foi desapropriado, “fica facilmente encharcado”.
– É um solo muito frágil. Todo buraco que você fura aqui, sai água. Não acho que é bom para construir casa. É meio perigoso, se você for ver lá em cima, é todo rachado – revelou.
Produtor de brócolis e couve-flor, o agricultor não se recusa a sair, mas quer negociar uma indenização.
– Já procurei o Ministério Público [Estadual]. Eles estão sabendo até que o pessoal entrou aqui ontem [um dia antes do início da obra] sem minha autorização, para colocar placas – disse ele, a dois passos do seu canteiro de bambu, que, na cultura milenar japonesa, simboliza, ironicamente, a “resistência”.
– Hoje, pediram desculpas. Falaram que foi engano – completou.
O agricultor Wilson Batista, que arrendava o terreno do futuro condomínio, também quer uma indenização. Mesmo sabendo do empreendimento há três meses, não foi avisado oficialmente sobre o início da obras e viu sua produção ser destruída em uma manhã.
– É um choque. Ainda não sei o que vou fazer, se vou parar, se vou continuar plantando. Não sei – disse emocionado.
A Secretaria Estadual de Obras garante que as intervenções de segurança serão feitas na obra. O vice-governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, acrescentou que foi muito difícil encontrar um terreno em condições adequadas para o empreendimento em Friburgo, e o de Conselheiro Paulino foi escolhido entre os 40 avaliados. Depois, contou que para a desapropriação, que custou cerca de R$ 1 milhão, foi preciso enfrentar uma batalha judicial.
– Nenhuma desapropriação foi amigável aqui – admitiu.
A presidente do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Marilene Ramos, responsável pela licença ambiental, emitida em uma semana, garantiu que “todos os aspectos do terreno foram analisados, considerados e o projeto está adequado”.
– Quando o licenciamento entrou, todas essas [40] áreas foram vistoriadas e foi feita a análise da viabilidade. Quando foi pedida a licença, aí sim, fizemos em uma semana, porque já tínhamos feito a pré-viabilidade – esclareceu.
Entre aqueles que também precisarão sair para dar lugar às casas populares, está uma família que trabalhava na plantação destruída. Um dia antes da obra, os moradores, que não quiseram se identificar, foram acordados por um caminhão da Odebrecht para retirar a mudança, mas eles se recusaram a sair dali. Aconselhados a ir para um abrigo, “passaram o dia chorando”, segundo contou um vizinho.