A produção de soja do Centro-Oeste brasileiro deveria ser a primeira a entrar no mercado, mas as chuvas atrasaram a colheita, e a oferta ficou concentrada na segunda quinzena de fevereiro. Normalmente, a produção desta região chega ao mercado um mês antes. Para piorar a situação, as mudanças nas leis dos motoristas fizeram com que o preço do frete disparasse para os principais portos do país.
– Tem gente lá no Mato Grosso cobrando R$ 350, do Norte de Sorriso para Santos. R$ 350 por tonelada é bastante, dá R$ 20 por saca. As empresas e os próprios caminhoneiros veem que tem oportunidade de ganhar mais, aí aproveitam e sobem o preço mesmo. E quem paga mais tem mais disponibilidade de caminhão, consegue fazer os embarques dos seus navios e fazer as entregas conforme os contratos combinados – diz o analista de mercado Artur Malvasi.
Além dos problemas provocados pelo atraso da colheita, as manifestações dos trabalhadores portuários nos últimos dias atrasaram o carregamento de navios chineses.
– O que acontece é que eles precisam da soja agora, o governo chinês não libera a soja, o Brasil está com a logística precária e eles, com medo do atraso nas entregas, buscam soja da safra velha norte-americana para ter produto agora. Essa demanda é boa para o mundo inteiro, porque ela sustenta preço – fala Malvasi.
Para a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), a compra da soja americana pelos chineses não é motivo de preocupação. Segundo a Anec, o caso é pontual, e o Brasil vai continuar abastecendo o mercado asiático.
– Isso é meramente ocasional, porque o normal agora é comprar do Brasil, já que a nossa safra começa agora. Como há um line up muito grande de navios – são mais de 90 navios esperando em Santos e muito mais de 50 em Paranaguá -, é normal que tenha acontecido isso, uma decisão deles Era apenas dois navios de 50 mil toneladas, em vez de entrar nessa linha e ficar esperando. Não há razão neste momento para preocupação, mesmo porque não há rescisões de contrato ou coisa parecida – comenta Sérgio Mendes, diretor da Anec.
A indústria está confiante. A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) acredita que uma possível safra recorde é positiva, porém vai trazer desafios no setor logístico.
– Esse ano vai ser o ano do recorde de safra, essa é a melhor notícia que nos temos, que esta indo super bem. Recorde dos recordes, na soja, no milho. Realmente, a perspectiva é muito boa, com preços excelentes. Em contrapartida, vai ser o ano da logística, vamos ter que ser o mais eficiente possível. Estamos aí transportando 45 milhões de toneladas a mais de grão do que há cinco anos, mas as rodovias são as mesmas. A ferrovia melhorou, mas temos os mesmos portos e os mesmos armazéns – fala Fábio Trigueiro, secretário-geral da Abiove
O analista de mercado Aedson Pereira diz que a partir de agora, a demanda mundial por grãos volta para a América Latina, mas que o governo brasileiro precisa olhar com mais atenção para a infraestrutura logística do país.
– Nós temos um cenário com produção recorde, então o mundo como um todo, principalmente a China, depende, e muito, dos resultados de oferta que o Brasil tende a apresentar. Issso aí gera até uma oportunidade para o produtor brasileiro vender, fazer novas operações, porque melhora na liquidez de negócios. O Brasil precisa urgentemente de uma nova política voltada para melhorar a infraestrutura em armazenagem, transporte, diminuir a nossa dependência de frete rodoviário, o ferroviário, nos portos, tudo isso visando aumentar a velocidade para atender essa demanda externa que cresce cada vez mais – diz Pereira.