Governo afirma que não irá negociar com índios que ocupam Belo Monte, no Pará

Indígenas da etnia Munduruku ocupam um dos canteiros de obras da Usina há cinco diasEm nota divulgada na segunda, dia 6, a Secretaria-Geral da Presidência da República informou que não irá negociar com índios que ocupam um dos canteiros de obras da Usina Hidrelétrica Belo Monte, no Pará, desde a última quinta, dia 2. A maioria dos manifestantes é da etnia Munduruku.

“Para a Secretaria-Geral, as condições apresentadas pelas autodenominadas lideranças mundurukus são insinceras e inaceitáveis. Só após a retirada dos invasores dos canteiros de Belo Monte iniciaremos um diálogo para estabelecer condições mútuas de negociação, com o acompanhamento do Ministério Público, da imprensa e da sociedade”, diz a nota da secretaria, responsável pela articulação do governo com movimentos sociais.

Desde que ocuparam o canteiro de obras, o grupo de indígenas afirmou que só aceitaria conversar com um representante do governo federal e que não tinham “uma lista de pedidos ou reivindicações específicas” para fazer à Norte Energia, responsável pela instalação e operação da usina, ou ao Consórcio Construtor Belo Monte.

Em uma carta divulgada por meio do site do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização indigenista vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, os manifestantes cobram a regulamentação do processo de consulta prévia sobre a construção de empreendimentos que afetem populações tradicionais, como os índios, ribeirinhos e quilombolas. Segundo Waldelírio Manhuary, liderança munduruku, seu povo não aceita sequer conversar sobre a proposta de construção de um complexo hidrelétrico no Rio Tapajós.

De acordo com a secretaria, os índios recusaram dois encontros para debater o assunto. “Tal reivindicação causa estranheza. Em sua relação com o governo federal essas pretensas lideranças mundurukus têm feito propostas contraditórias e se conduzido sem a honestidade necessária a qualquer negociação […] Em fevereiro de 2013, vieram a Brasília e recusaram-se a fazer uma reunião com o ministro Gilberto Carvalho [da Secretaria-Geral], afirmando que o governo iria usar esse encontro para dizer ter feito uma consulta prévia. No dia 25/4, essas mesmas pretensas lideranças deixaram de comparecer a uma reunião que tinham marcado com a Secretaria-Geral em Jacareacanga e publicaram nos sites de seus aliados uma versão mentirosa e distorcida sobre esse fato”, diz a nota.

Ainda de acordo com a nota da secretaria, “agora invadem Belo Monte e dizem que querem consulta prévia e suspensão dos estudos. Isso é impossível. A consulta prévia exige a realização anterior de estudos técnicos qualificados. Se essas autodenominadas lideranças não querem os estudos, como podem querer a consulta? Na verdade, alguns mundurukus não querem nenhum empreendimento em sua região porque estão envolvidos com o garimpo ilegal de ouro no Tapajós e afluentes. Um dos principais porta-vozes dos invasores em Belo Monte é proprietário de seis balsas de garimpo ilegal”, acrescenta o texto.

Em novembro de 2012, uma operação policial para desarticular uma organização criminosa que extraía ouro ilegalmente do interior e do entorno das reservas indígenas Kayabi e Munduruku resultou na morte de um indígena.

Decisão judicial dificulta cobertura jornalística da ocupação

Na última sexta, dia 3, a juíza estadual Cristina Sandoval Collyer, da comarca de Altamira (PA), acatou parcialmente o pedido de reintegração de posse do Canteiro Belo Monte, feito pelo Consórcio Construtor Belo Monte (Ccbm), responsável pela construção da usina.

Nesta terça, dia 7, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Pará divulgaram uma nota conjunta repudiando a decisão que, na prática, impede que assessores, repórteres e correspondentes internacionais acompanhem de perto a ocupação do local. Para as entidades, a decisão “condena quem se dispõe a prestar o serviço da denúncia de diversos problemas vividos pela população daquela região à sociedade paraense e brasileira”.

O que querem os índios

A principal reivindicação dos manifestantes está relacionada ao processo de consulta aos povos tradicionais, como índios e quilombolas, está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A convenção estabelece, entre outras normas, que os povos indígenas e os que são regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes e tradições ou por legislação especial, devem ser consultados sempre que medidas legislativas ou administrativas afetarem seus interesses. A convenção determina que a consulta deve ser feita “mediante procedimentos apropriados” e por meio de suas instituições representativas, “com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”.

Por razões de segurança, o Consórcio Construtor Belo Monte mantém os trabalhos paralisados desde a quinta-feira. O prejuízo com a interrupção da jornada de milhares de trabalhadores (segundo a Norte Energia, só o número de funcionários permanentemente alojados no local chega a 4 mil) ainda não foi calculado. Nenhum ato de violência contra funcionários ou de depredação do patrimônio foi registrado. A Norte Energia voltou a recorrer à Justiça Federal, ontem, para obter a reintegração de posse da área.