“Para a Secretaria-Geral, as condições apresentadas pelas autodenominadas lideranças mundurukus são insinceras e inaceitáveis. Só após a retirada dos invasores dos canteiros de Belo Monte iniciaremos um diálogo para estabelecer condições mútuas de negociação, com o acompanhamento do Ministério Público, da imprensa e da sociedade”, diz a nota da secretaria, responsável pela articulação do governo com movimentos sociais.
Desde que ocuparam o canteiro de obras, o grupo de indígenas afirmou que só aceitaria conversar com um representante do governo federal e que não tinham “uma lista de pedidos ou reivindicações específicas” para fazer à Norte Energia, responsável pela instalação e operação da usina, ou ao Consórcio Construtor Belo Monte.
Em uma carta divulgada por meio do site do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização indigenista vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, os manifestantes cobram a regulamentação do processo de consulta prévia sobre a construção de empreendimentos que afetem populações tradicionais, como os índios, ribeirinhos e quilombolas. Segundo Waldelírio Manhuary, liderança munduruku, seu povo não aceita sequer conversar sobre a proposta de construção de um complexo hidrelétrico no Rio Tapajós.
De acordo com a secretaria, os índios recusaram dois encontros para debater o assunto. “Tal reivindicação causa estranheza. Em sua relação com o governo federal essas pretensas lideranças mundurukus têm feito propostas contraditórias e se conduzido sem a honestidade necessária a qualquer negociação […] Em fevereiro de 2013, vieram a Brasília e recusaram-se a fazer uma reunião com o ministro Gilberto Carvalho [da Secretaria-Geral], afirmando que o governo iria usar esse encontro para dizer ter feito uma consulta prévia. No dia 25/4, essas mesmas pretensas lideranças deixaram de comparecer a uma reunião que tinham marcado com a Secretaria-Geral em Jacareacanga e publicaram nos sites de seus aliados uma versão mentirosa e distorcida sobre esse fato”, diz a nota.
Ainda de acordo com a nota da secretaria, “agora invadem Belo Monte e dizem que querem consulta prévia e suspensão dos estudos. Isso é impossível. A consulta prévia exige a realização anterior de estudos técnicos qualificados. Se essas autodenominadas lideranças não querem os estudos, como podem querer a consulta? Na verdade, alguns mundurukus não querem nenhum empreendimento em sua região porque estão envolvidos com o garimpo ilegal de ouro no Tapajós e afluentes. Um dos principais porta-vozes dos invasores em Belo Monte é proprietário de seis balsas de garimpo ilegal”, acrescenta o texto.
Em novembro de 2012, uma operação policial para desarticular uma organização criminosa que extraía ouro ilegalmente do interior e do entorno das reservas indígenas Kayabi e Munduruku resultou na morte de um indígena.
Decisão judicial dificulta cobertura jornalística da ocupação
Na última sexta, dia 3, a juíza estadual Cristina Sandoval Collyer, da comarca de Altamira (PA), acatou parcialmente o pedido de reintegração de posse do Canteiro Belo Monte, feito pelo Consórcio Construtor Belo Monte (Ccbm), responsável pela construção da usina.
Nesta terça, dia 7, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Pará divulgaram uma nota conjunta repudiando a decisão que, na prática, impede que assessores, repórteres e correspondentes internacionais acompanhem de perto a ocupação do local. Para as entidades, a decisão “condena quem se dispõe a prestar o serviço da denúncia de diversos problemas vividos pela população daquela região à sociedade paraense e brasileira”.
O que querem os índios
A principal reivindicação dos manifestantes está relacionada ao processo de consulta aos povos tradicionais, como índios e quilombolas, está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A convenção estabelece, entre outras normas, que os povos indígenas e os que são regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes e tradições ou por legislação especial, devem ser consultados sempre que medidas legislativas ou administrativas afetarem seus interesses. A convenção determina que a consulta deve ser feita “mediante procedimentos apropriados” e por meio de suas instituições representativas, “com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”.
Por razões de segurança, o Consórcio Construtor Belo Monte mantém os trabalhos paralisados desde a quinta-feira. O prejuízo com a interrupção da jornada de milhares de trabalhadores (segundo a Norte Energia, só o número de funcionários permanentemente alojados no local chega a 4 mil) ainda não foi calculado. Nenhum ato de violência contra funcionários ou de depredação do patrimônio foi registrado. A Norte Energia voltou a recorrer à Justiça Federal, ontem, para obter a reintegração de posse da área.