Artigo: a florada do ipê, o governo e os médicos

Comentarista do Canal Rural Armando Portas reflete sobre a importância do planejamento no combate aos desafios impostos ao agronegócio brasileiroNesta semana, em boa parte do nosso território, as plantas de ipê abriram suas flores mostrando todo o seu esplendor. Neste ano, em parte da região Sudeste, a florada do ipê roxo se deu na mesma época que a do amarelo. Nem sempre isso acontece. Depende muito de como está a correr o ano do ponto de vista meteorológico: ocorrência de geadas, chuvas, mais ou menos frio ou calor, água acumulada no solo, ventos, além de tipo de solo, altitude, etc.

Como sabemos pelos vinhos, cada ano é diferente do outro, daí a necessidade de se esclarecer no rótulo o ano da colheita. Mas também se aplica ao café, ao chá, à qualidade das frutas, influenciando na concentração de sólidos solúveis (açúcares) e nos diversos componentes químicos que dão o conjunto de sabores que irão conferir às frutas maior ou menor qualidade. Nas uvas que irão produzir vinhos, como definiram os franceses, irá formar o “buquê” da futura bebida.

Mas voltemos ao ipê, o que marca para nós as suas flores além de nos lembramos da cor da bandeira? Um despertar de novas brotações. Um novo ciclo de vida que se anuncia. Um novo ano agrícola. Uma nova empreitada de trabalho e dedicação com responsabilidade e atenção aos prazos que nos indica a natureza.

Irão acabando os dias de seca no Sudeste e Centro Oeste. Começam a chegar as chuvas, que de todo não cessaram na região Sul.

O café já está no final da colheita, o corte da cana segue célere para aproveitar os últimos dias secos, a colheita dos cereais de inverno se inicia na região Sul e, em outras regiões, os cotonicultores olham para o céu para saber se arriscam um plantio de algodão “no pó”.

Assim é todos os anos. Todos os anos, o ipê floresce mais ou menos nesta época. Ele pode ser usado como um indicador para muitas práticas agrícolas como a poda da videira, feita pelos vitivinicultores do sul de Minas Gerais. Do ponto de vista da fisiologia da planta, se as condições do clima já estão propícias para libertarem as pétalas do ipê, é porque na videira as gemas já estão maduras para poderem ser estimuladas a brotar, mediante a poda.

Para os nossos agricultores, nada mais lógico que seguirem esse rumo que o tempo e as condições meteorológicas determinam todos os anos. Entretanto, isso não parece lógico ou compreensível para quem nos governa e faz as leis, decretos, portarias e publicações. Estas é que deveriam vir para ajudar os agricultores na produção, e apoiar o segmento que é responsável por grande parte da riqueza do Brasil.

Na maioria dos casos tudo chega atrasado, fora de época, ou nem chega. São planos de irrigação e de transposição de rio que diz que vão chegar e não chegam. São equipamentos de irrigação que foram comprados para onde não tem água. É o milho que vai para a região da seca, para matar a fome do gado (e de gente) que é para chegar e não chega, e muitas vezes quando chega nem para o gado serve. É o armazém que deveria estar funcionando no meio de um mar de grãos depositados no chão e se existir está sucateado e não funciona.

É o anuncio todos os anos do plano agrícola, com pompa e circunstância, quando, na verdade, os planos teriam que ser pelo menos quinquenais, pois tal como o ipê que todo o ano tem flor, todo ano tem agricultura, e cada vez mais.

São as estradas, os portos, os acessos, os terminais graneleiros, as hidrovias e as ferrovias, que já deveriam estar prontas, conforme prometido, mas ainda não estão.

São os anúncios das medidas para minimizar o problema da cafeicultura que chegam atrasados, mas o dinheiro, que será pouco, demora mais ainda para chegar. É o recurso para ajudar os citricultores, falidos, que era para ser liberado (pasmem!) no ano passado, etc, etc.

Na agricultura brasileira deveria existir mais planejamento. Pois todos os anos, certo com a florada do ipê, as necessidades e os problemas se repetirão. O ministro da Fazenda deve ser avisado, já na posse, que terá que arranjar dinheiro para a remoção da safra de um Estado para outro, ou para o silo, dinheiro para custeio e investimentos, prevenção das secas que são cíclicas, etc.

Temos que fazer como se programou o Ministério da Saúde. Anuncia que como não teve médicos suficientes para contratar, irá buscar médicos ao exterior, e três dias depois, de jaleco branco chegam 400 cubanos ávidos por serviço.

É assim que precisamos fazer com a nossa agricultura: previsão, planejamento e rapidez nas ações. Vamos esperar para ver. Daqui a um ano teremos nova florada nos ipês.