Ao lançar uma campanha mundial – baseada no relatório O Gosto Amargo do Açúcar – para que as dez maiores empresas alimentícias e de bebidas do mundo adotem medidas que contribuam para evitar que pequenos produtores rurais e comunidades tradicionais sejam expulsos de suas terras para dar espaço ao plantio de cana-de-açúcar, a Oxfam afirmou que os povos indígenas e quilombolas representam mais de um quarto das pessoas afetadas por conflitos agrários no Brasil.
Outra preocupação da entidade é que, mesmo permanecendo em suas terras, os produtores sejam pressionados a abandonar outras culturas pela produção única da cana-de-açúcar.
– Embora certamente nem todas as disputas estejam relacionadas com [a produção do] açúcar, são os seus principais produtores, como Mato Grosso do Sul, Pernambuco e São Paulo que tiveram um número expressivo de conflitos – aponta o informativo divulgado à imprensa para subsidiar a campanha que visa a sensibilizar empresas e governos a construírem um sistema alimentar mundial mais justo.
De acordo com a Oxfam, as dez maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo (Coca-Cola, PepsiCo, Danone, Nestlé, Kellogg, Unilever, Associated British Foods (detentora, no Brasil, da marca Ovomaltine), General Mills (dona da marca Yoki e responsável por vender as barras de cereais Nature Valley e o sorvete Häagen-Dazs), Mars (chocolates M&M e Twix, além dos molhos Masterfoods) e Mondelez International (Tang, Fresh, Clight, Trakinas, Halls, entre outros produtos) adotam medidas para para identificar, evitar e tratar os consequentes conflitos agrários em sua cadeia de suprimentos. Algumas das empresas garantiram que já adotam mecanismos para garantir uma produção justa e sustentável ao longo de toda a cadeia produtiva.
A conclusão do estudo é que, ante a estimativa de que, por causa “do nosso insaciável amor pelo doce”, a produção mundial do produto cresça 25% até 2020, a competição por áreas produtivas se intensifiques. Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento revelam que, no Brasil, a produção de açúcar saltou de 16,02 milhões de toneladas na safra 2000/2001 para 38,35 milhões de toneladas no ciclo 2012/2013.
Unica rebate críticas à produção de açúcar no Brasil
Para a maior entidade representativa do setor de açúcar e bioetanol do Brasil, a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), as afirmações da organização internacional Oxfam para justificar a campanha são inconsistentes ao tratar da situação brasileira.
– Esse relatório está cheio de buracos, a começar pelo fato de que eles tentam chegar a uma conclusão global, como se houvesse alguma uniformidade nas diferentes situações dos diversos países que produzem cana-de-açúcar – comentou o diretor de Comunicação e Marketing da Unica, Adhemar Altieri.
– Evidente que qualquer empresa [que compre açúcar ou etanol] precisa rever o que está fazendo se uma situação ilícita for comprovada; se ficar provado que alguém foi desalojado irregularmente ou que uma área se trata de terra indígena, por exemplo – acrescentou Altieri.
O diretor garantiu que, ao contrário do que a Oxfam apresenta no relatório, no Brasil e com o que é alegado por organizações sociais, o plantio de cana-de-açúcar nada tem a ver com os conflitos agrários e com a expulsão de pequenos produtores de suas terras.
– Várias empresas, e não apenas as multinacionais, têm critérios para escolher seus fornecedores e estão atentas a detalhes como esses. Isso não é novidade. O que acontece é que há alguns casos em que o litígio pela terra surge posteriormente à assinatura do contrato de fornecimento. E aí, é necessário que a situação seja esclarecida, que as denúncias sejam verificadas, porque ninguém descumpre um contrato de compra porque o fornecedor está sendo acusado. Ele espera por uma decisão judicial. Se o fornecedor apresentou provas razoáveis de que a terra lhe pertence, apresenta o título de propriedade, o que mais a empresa pode fazer? – questiona.
De acordo com Altieri, os dois casos citados pela Oxfam – conflitos agrários de usinas de açúcar com pequenos produtores em Sirinhaém (PE) e índios em Ponta Porã (MS) – como exemplos de que, no Brasil, a produção de cana-de-açúcar tem causado conflitos agrários refletem os equívocos da entidade internacional.
– Nenhum dos dois casos resiste a um exame dos fatos. Em um deles, sequer há produção de açúcar, mas sim de etanol. E mesmo que os dois casos citados fossem reais, não refletiriam a realidade, pois estamos falando de um setor que emprega quase 1,2 milhão de pessoas, com quase 400 usinas em funcionamento em todo o país. E que ocupa apenas 9,5 milhões de hectares, ou seja, pouco mais de 1% do território nacional – conclui o diretor da Unica.
Ele ainda ressalta que, “ao contrário do que a Oxfam afirma, a cana é um fator de manutenção do homem na terra. Entre 2002 e 2010, quando a indústria da cana cresceu, foram construídas mais de 100 usinas no país. O número de fornecedores cresceu na mesma proporção. Há, hoje, mais de 70 mil pequenos e médios produtores rurais no país. Noventa por cento deles produzem abaixo de 10 mil toneladas de cana”.