O Brasil precisa de cerca de 10 milhões de toneladas para consumo. Já chegou a produzir 80% das suas necessidades, quando havia um programa de apoio ao trigo nacional. Um belo dia, chegou-se à conclusão de que seria melhor importar da Argentina, nosso grande parceiro, e aí estaria tudo resolvido.
No entanto, o que vem acontecendo há tempos é que o nosso “parceiro” deixou de produzir quantidades significativas de trigo e não tem produto para se abastecer, sonegando-o ao Brasil. Daí a necessidade de se buscar em outros mercados, como Canadá e Estados Unidos, de onde trazíamos 10 mil toneladas por semestre e, atualmente, recebemos 555 mil toneladas, a preços mais altos, com fretes mais caros e fora de mercado comum. Com a subida crescente das importações e do valor do dólar, os gastos este ano elevaram-se em 41%, passando para US$ 2,26 bilhões.
Agravado pelas geadas que castigaram a região Sul, o quadro atual põe a nu a nossa política para o setor, ou melhor, a falta dela. Como poderemos nos orgulhar de sermos uma grande potência agrícola, se nem sequer produzimos o pão que comemos?
Todos sabemos, tanto pela pesquisa e extensão rural, como pela prática de campo, que podemos produzir trigo com qualidade para todos os brasileiros. Podemos ainda, exportar para vários mercados, como aliás, fazemos hoje para os países do norte da África, Israel, Coréia do Sul e até para a Alemanha. Mas o que precisa o trigo nacional para se firmar como uma commodity como as outras que já temos?
Há pesquisa agrícola bastante organizada, sólida e direcionada para as nossas diversas áreas tritícolas. Há imensas áreas nas regiões Sudeste e Centro Oeste (no cerrado) que mostraram ser aptas para todos os cereais de inverno, a exemplo da região Sul. Tem-se produzido excelentes tipos de trigo, com segurança de colheita, com altas produtividades, principalmente quando se utiliza a irrigação. Nós já temos o consumidor, o mercado, enfim, parece que temos tudo, por que então o trigo nacional não anda?
Por muitos motivos. Não vamos enumerar todos, mas só dizer que falta ao trigo brasileiro o que os governos dos outros países dão aos seus agricultores: atenção, financiamento, seguro agrícola a preços adequados e que paguem quando houver sinistros, garantia que de armazenagem para estocar e esperar a melhor ocasião para venda, compradores com capital a juros razoáveis que possam imobilizar esses recursos nas compras por ocasião da safra, etc.
Se quisermos dar ao trigo parte da atenção que se dá à soja, vai ser um sucesso. Para ajudar o trigo nacional, várias tentativas já foram feitas. Algumas mais ousadas, outras mais tímidas, mas todas com o mesmo perfil: falta de comprometimento de todos os atores, ou seja, os elos da cadeia produtiva e coordenação pelo órgão gestor, o governo do país.
Há poucos anos, em São Paulo, por iniciativa do Departamento de Sementes, Mudas e Matrizes (DSMM), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, e parceria de empresas moageiras, criou-se um programa embrionário para apoiar a produção de trigo no Estado. Chamou-se ação governamental “Trigo Paulista com Qualidade”.
O programa era sustentado por um tripé de atribuições, garantido por contrato entre as partes: sementes de variedades com qualidade e recomendadas para a região, fornecidas ao agricultor na hora do plantio; garantia da compra da produção pelo moinho parceiro ao preço de mercado e o pagamento das sementes, após a colheita, em espécie, com parte da produção obtida. O programa funcionou bem por algum tempo. Posteriormente, ocorreu a mudança de governo, a troca de dirigentes e acabou-se a ação governamental.
Quem perde com o descaso que se tem com a produção nacional de trigo, como no exemplo acima citado? O Brasil, pois os seus portos, que poderiam estar exportando, estão ocupados, importando trigo; perde a cadeia do agronegócio brasileiro, que não vende máquinas, fertilizantes, seguros, sementes, equipamentos; perdem os agricultores, que terão menos opções de trabalho e renda; perde a agricultura, que deixa de ter mais uma espécie para rotação de culturas e produção de palha de cobertura para o plantio direto na palha (PDP); perdem as indústrias, que passam a ficar ao sabor do mercado internacional e do câmbio, como agora; perde a Federação, os Estados e municípios que arrecadam menos; perdem, também, os consumidores, ou seja, perdemos todos nós.
Na verdade, não estamos aprendendo nada com a história. Os bandeirantes correram para o ouro, ficaram momentaneamente ricos, o ouro acabou e a Vila de São Paulo tornou-se pobre, só voltando a ficar próspera com o café. Será que é assim que vamos conduzir a nossa triticultura e o Brasil?
Armando Azevedo Portas é engenheiro agrônomo e produtor rural