Na terça passada, dia 9, a ministra Cármen Lúcia manifestou-se a favor do recurso, seguindo a posição do ministro Gilmar Mendes, que na sessão de 24 de junho votou a favor do recurso do proprietário contra a declaração de suas terras como sendo de posse imemorial (permanente) da etnia guarani-kaiowá, integrando a Terra Indígena Guyraroká.
A Turma aplicou o entendimento firmado pelo plenário do STF no julgamento do caso Raposa Serra do Sol e decidiu reformar acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que indeferiu mandado de segurança com o qual o proprietário da fazenda buscava invalidar a declaração da área como terra indígena.
O julgamento do recurso foi concluído com o voto do ministro Celso de Mello, que se alinhou à divergência aberta em sessões anteriores no sentido de manter o precedente do STF no julgamento da Raposa Serra do Sol. Segundo o ministro, naquela ocasião foi estabelecida a data da promulgação da Constituição Federal como marco temporal para análise de casos envolvendo ocupação indígena. Naquela ocasião, decidiu-se que o marco temporal da ocupação indígena seria a data da promulgação da Constituição Federal de 1988, em 5 de outubro daquele ano.
– A proteção constitucional estende-se às terras ocupadas pelos índios considerando-se, para efeitos dessa ocupação, a data em que foi promulgada a vigente Constituição. Vale dizer, terras por eles já ocupadas há algum tempo, desde que existente a posse indígena – declarou.
O relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Guyraroká, disse o ministro, indicou que a população indígena guarani-kaiowá residiu na área, objeto de disputa, até o início da década de 1940. Deste modo, “há mais de 70 anos não existe comunidade indígena na área, portanto não há que se discutir o tema da posse indígena”, afirmou Celso de Mello.
O ministro considerou ainda que o Plenário do STF, no julgamento da PET 3388 (Raposa Serra do Sol), estipulou uma série de fundamentos e salvaguardas institucionais relativos às demarcações de terras indígenas.
– Trata-se de orientações que não são apenas direcionadas àquele caso, mas a todos os processos sobre o mesmo tema – consignou.
Ele ainda ressaltou que se há necessidade comprovada de terras para acolher a população indígena, “impõe-se que a União, valendo-se da competência constitucional de que dispõe, formule uma declaração expropriatória”.
Votos
O relator, ministro Ricardo Lewandowski, votou, no dia 24 de junho, pelo desprovimento do recurso do produtor, por entender que o mandado de segurança não é o instrumento judicial adequado para discutir questão de tal complexidade. Abriu divergência o ministro Gilmar Mendes, que deu provimento ao recurso interposto pelo proprietário rural. A ministra Carmén Lúcia, na sessão seguiu a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes. A Segunda Turma decidiu suspender o julgamento para aguardar voto do ministro Celso de Mello, proferido na sessão de ontem, e o ministro Teori Zavascki se declarou impedido.
Entenda o caso
A área total reivindicada pela etnia guarani-kaiowá já passou por estudos de identificação e delimitação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e foi declarada terra indígena pela Portaria n° 3.219/2009 do Ministério da Justiça. Faltam a colocação de marcos físicos, que limitam a área, e a homologação pela Presidência da República. A área total da Terra Indígena Guyraroká é de 11.401 hectares. Ela está localizada em Caarapó.
A ação é polêmica, pois o Ministério Público Federal (MPF) defende que há provas de que os indígenas viviam na região há mais de 100 anos, e começaram a ser expulsos da região no final dos anos 1920. O MPF tem uma série de ações para restaurar direitos das etnias de Mato Grosso do Sul, que considera terem sido expulsas à força de seus territórios ou reunidas em pequenas áreas, para dar lugar à agropecuária.
Segundo dados do MPF, Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país – 70 mil pessoas – e é palco das disputas de terras que geram os mais altos índices de homicídios do país. Em 2008, a taxa de homicídios entre os guarani-kaiowá foi de 210 por 100 mil habitantes, 795% maior que a média nacional.