Novo texto do Riispoa preocupa setor apícola

Associações temem clandestinidade e falta de produto no mercadoAs propostas de atualização do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa) têm dividido opiniões de entidades do agronegócio. No setor apícola, a grande preocupação é de que a cadeia produtiva não tenha condições de se adequar às novas exigências.

Criado em 1952, o Riispoa, documento que determina os requisitos sanitários para produção, abate, industrialização e trânsito de animais, sofreu poucas atualizações mais de 60 anos. Em 2012, o Ministério da Agricultura (Mapa) recebeu um novo texto, produzido a partir de discussões com representantes de várias cadeias produtivas, mas não foi publicado.

Para os apicultores e associações do ramo, caso as exigências na regulamentação de produtos sejam aprovadas, o crescimento do setor estaria inviabilizado. O principal problema apontado por Joelma Lambertucci, secretária executiva da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel), é a obrigatoriedade de registro junto ao Ministério para a Unidade de Extração de Produtos das Abelhas (Uepa), conhecida como casa do mel.

Atualmente, a regra já existe para produtos exportados para a Europa. Além disso, o apicultor terá de contratar um técnico responsável pelas análises, o que acarretará em um custo mensal elevado se levar em conta que a extração de mel é sazonal.

— Esta exigência é o ponto crucial. Atualmente, não há apicultor que tenha condição financeira, de conhecimento e de estrutura física para atendê-la — afirma Joelma.

Segundo o presidente da Associação Paulista de Apicultores, Criadores de Abelhas Melificas Europeias (Apacame), Constantino Zara Filho, o Mapa deve exigir qualidade, porém, de um modo que não impossibilite a continuidade do negócio.

— Não somos contra a existência de uma norma, mas quando existe esse exagero não há interesse em produzir. O interesse em aprimorar está ultrapassando limites e inviabilizando qualquer produção. É preciso lembrar que 90% da produção está nas mãos de pequenos criadores de abelhas — frisa Filho.

A nova versão em estudo do Riispoa também deve mexer na questão dos entrepostos – espaços em que as mercadorias são armazenadas e revendidas. Hoje, no local são feitas as análises microbianas do produto. Além disso, os responsáveis por esses espaços devem manter um cadastro dos apicultores, por conta da rastreabilidade.

No texto que está em avaliação, os entrepostos só poderão comprar mel extraído de Uepa registrada no Mapa. Com a medida, o setor acredita que as exportações e oferta de mel e própolis seriam reduzidas, por falta de produto regulamentado no mercado.

— Se ocorrer desse jeito, os entrepostos ficarão sem matéria-prima e os produtores na clandestinidade, sem ter onde vender seu produto — afirma Joelma.

Segundo o Ministério da Agricultura, o órgão não irá se manifestar enquanto o texto não estiver finalizado. Representantes do órgão afirmam estar em constante diálogo com o setor para chegar a um acordo.

Setor em expansão

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção de mel cresceu 10 vezes nos últimos 40 anos, chegando a 41,60 mil toneladas em 2012, o que garante ao país uma posição entre os 10 maiores produtores do mundo. Os principais Estados produtores estão na região Sul, que representam 49% do total. O Nordeste aparece em seguida, responsável por 19%.

Essa produção pode crescer ainda mais, visto que a estimativa do setor é de que o país teria potencial para chegar às 200 mil toneladas/ano. O cálculo é feito com base nas 1,5 milhões de colmeias distribuídas pelo Brasil e a quantidade que cada uma produz ao ano.

Além da perspectiva de maior quantidade, a produção brasileira tem a seu favor o fato de não utilizar antibióticos em suas abelhas. De acordo com o presidente da Apacame, a explicação está na característica das abelhas. A espécie predominante existente em nosso território, a abelha africanizada, é um híbrido das que existem na Europa e na África, e sua principal característica é a resistência a doenças. Sem medicamentos, o mel produzido passa a ser orgânico.

— Temos a maior biodiversidade do mundo e isso faz com que tenhamos um mel muito aceito no mundo inteiro e considerado o mais puro. Aqui, não utilizamos nenhum tipo de antibiótico, nenhum tipo de medicamento em nossas abelhas, ao contrário do que ocorre no mundo todo, então o nosso mel está isento de qualquer tipo de contaminação. Isso é uma coisa que deve ser valorizada — diz Constantino.

Exportações

Além do crescimento na produção, o país também avançou na exportação de mel. Entre janeiro e agosto deste ano, o país vendeu 19 mil toneladas do produto, gerando uma receita de US$ 74,28 milhões. Apesar do cenário positivo em relação aos anos anteriores – na comparação com o mesmo período de 2013, as exportações tiveram aumento de 73,62% em volume -, o Brasil ainda está distante do líder mundial no ranking de exportações, a China, que no ano passado vendeu 124 mil toneladas de mel.

 

A vantagem brasileira em relação aos asiáticos está na confiabilidade. Dúvidas sobre os métodos de produção e de armazenamento do mel oriental, além de casos de falsificação com glicose de arroz, fizeram os Estados Unidos, um dos principais mercados do mundo, restringir a compra do produto chinês. Nos oito primeiros meses de 2014, as exportações brasileiras de mel para os norte-americanos representaram 80,5% do total de vendas.

Luta pela valorização

Carlos Pamplona Rehder, presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel), acredita que falta ao Brasil valorizar o mel orgânico produzido no país e comparou com os valores de exportação da Nova Zelândia.

—Em 2013, a Nova Zelândia exportou cerca de 9 mil toneladas de mel a US$144 milhões. A diferença de preço médio, por quilo, entre nosso preço e o do país é gritante, cerca de US$ 3,80 pelo produto brasileiro e até US$ 15 pelo neozelandês. Nós produzimos mais e ganhamos menos, porque não há uma valorização do mel — diz Rehder.

Um dos motivos para a diferença está em uma exclusividade neozelandesa. Os produtores do país da Oceania descobriram uma propriedade regenerativa no mel de manuka, feito com a variedade da flor existente apenas no país, e deram uma nota de avaliação UMF (Fator Único da Manuka) agregando valor a ele. Foi comprovado cientificamente que seu produto pode ser utilizado no tratamento de infecções de pele, cortes, espinhas, picadas de insetos e queimaduras.

Para as associações, o avanço do setor depende da busca de diferenciais, como fez a Nova Zelândia, mas também do estímulo ao consumo interno. Hoje, os brasileiros consomem cerca de 60 g/pessoa ao ano, longe de alguns países da Europa, como Alemanha e Suíça, onde o total chega a 1 kg/pessoa ao ano. A expectativa é que com o aumento da renda entre os brasileiros os números mudem, já que o mel ainda é visto como um produto caro.

Edição: Vagner Benites