Saiba como o inseticida falso foi descoberto pela Embrapa

Mesmo seguindo todos os trâmites corretos da Lei das Licitações, maior empresa de pesquisa agronômica brasileira foi enganada por falsificadoresNa terceira reportagem da série sobre agrotóxicos ilegais, descobrimos que produtos falsos são vendidos até mesmo em licitações públicas. O chefe adjunto de Administração Embrapa Londrina, Fábio Álvares de Oliveira, explica como a falsificação foi descoberta.

Fonte: Canal Rural/Reprodução

Como se deu o início deste caso de falsificação?
O processo de aquisição foi um processo normal, seguiu a lei de licitações. Das empresas vencedoras, uma era nova e outra habitual fornecedora. Então nós não desconfiamos. O produto ficou armazenado no almoxarifado e a gente começou a receber reclamação dos técnicos durante o período de safra, ao ser utilizado pelas equipes técnicas nas avaliações de verificação da eficiência do produto a campo.

Decidimos fazer uma avaliação em laboratório, um bioensaio de controle de percevejos. Neste bioensaio, estes produtos foram testados contra um padrão de origem conhecida e se verificou uma menor taxa de mortalidade, uma eficiência menor no controle de percevejos.

Por que, num primeiro momento, os pesquisadores desconfiaram de resistência do percevejo?
Porque esta é uma reclamação recorrente por parte dos produtores. A gente avalia que o uso indiscriminado de inseticidas, ou uso excessivo, tem trazido um aumento das populações resistentes dos percevejos. Ano a ano eles se tornam de maior difícil controle.

Quando foi que se percebeu que o problema não eram os percevejos mais resistentes?
Quando o bioensaio foi realizado e verificamos os índices de mortalidade de percevejos em laboratório. Ou seja, no ensaio, as causas de variação de eficiência eram especificamente o produto. Daí que a gente verificou que havia uma eficiência muito baixa do produto que compramos na licitação, comparada com outro inseticida da mesma marca comprado em outro processo. Percebemos que a causa não deveria ser apenas a resistência dos percevejos ou mesmo problemas de aplicação, mas que o produto poderia ter origem duvidosa.

A partir daí qual, foi o procedimento adotado?
Como não se tinha muita informação da origem do produto, a gente procurou a empresa para que ela atestasse a originalidade do produto, mas não recebemos uma informação conclusiva. Recebemos uma informação de que o lote não existia. Aí ficamos bastante preocupados. Como houve uma segunda aquisição de produtos para safra 2014/2015 de fornecedores distintos, achamos por bem fazer novos testes onde foram incluídos os produtos adquiridos na safra anterior. Constatamos, novamente, baixa eficiência na mortalidade dos percevejos com estes novos produtos.

Em função desta segunda ocorrência, procuramos a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná, que acionou a Adapar. A Adapar identificou indícios de irregularidade e acionou a empresa produtora do produto para que fizesse uma fiscalização. Isto ocorreu rapidamente, já houve a visita do técnico da empresa, que fez uma verificação nos lotes que havíamos adquiridos. Estas amostras foram encaminhadas para análises laboratoriais que comprovaram a falsidade do produto. Em alguns lotes o problema é a redução da concentração dos ingredientes ativos, em outros até mesmo uma concentração insignificante daqueles princípios ativos.

Como o técnico da empresa desconfiou da falsificação?
A partir da comparação com embalagens originais ele constatou irregularidades pequenas. Informações, descrição, tamanho de letra no rótulo, figuras de identificação do produto, numeração de lote. Até mesmo consistência do produto após a abertura, densidade, viscosidade do produto.

Precisava ser um técnico especialista para identificar?
Sim, tem que ser um técnico para identificar, porque são modificações muito sutis. Um leigo não conseguiria identificar a menos que tivesse dois produtos, o verdadeiro ou o falsificado para comparar.

Qual foi a alegação das empresas?
As empresas são revendedoras, fazem parte da cadeia de comercialização do produto, não adquiriram direto na fábrica. Elas alegaram desconhecimento e disseram que nós fomos as primeiras vítimas a reclamar desta situação e se comprometeram a substituir os produtos.

Elas não ficam impossibilitadas de participar de futuras licitações?
Com relação ao processo licitatório, após a substituição integral dos produtos, perante a Embrapa esta revendedora encerra aquele processo de reclamação e deixa de ser uma empresa com problemas relativos a Embrapa.

Quais foram os prejuízos para a Embrapa?
O aumento do dano que o percevejo provocou nas unidades de produção e pesquisa e a necessidade de reaplicação. Tivemos que utilizar uma quantidade maior para os mesmos efeitos de controle para evitar os danos do ataque do percevejo. Houve prejuízo financeiro e um prejuízo potencial para as informações que a gente gera nas pesquisas.

Um caso como este mostra que a falsificação está cada vez mais ousada. O que explica que este produto tenha chegado a uma empresa respeitada como a Embrapa?
As empresas apresentam toda documentação de regularidade, fiscal, trabalhista e em outros órgãos que somos obrigados a verificar para que uma empresa possa fornecer ou participar de um processo licitatório para empresas públicas. Do ponto de vista legal, são empresas idôneas, mas que se utilizaram de processos licitatórios para comercializar produtos falsificados para órgãos públicos. É uma ousadia grande!

Como a Embrapa vai fazer, a partir de agora, para evitar que o problema se repita?
Depois da primeira experiência você se torna mais alerta, procura a consultoria dos técnicos das diferentes áreas para teste dos produtos. Nesta safra mesmo a gente procurou fazer este bioensaio de eficiência antes da utilização no nosso campo experimental, já alertas de que poderia ter algum problema do produto.