O projeto em tramitação que cria uma política nacional de bancos de sementes e mudas provoca polêmica. É que ele altera a Lei de Proteção de Cultivares e preocupa o setor produtivo. O texto permite que os agricultores familiares não apenas doem e troquem, mas também comercializem as sementes. O projeto do deputado Padre João, do PT de Minas Gerais, quer criar uma política nacional de incentivo à formação de bancos comunitários de sementes e mudas crioulas – aquelas que são cultivadas tradicionalmente nas comunidades.
– Resgatar as sementes e mudas crioulas originárias, ter os bancos comunitários com apoio do estado brasileiro, com relação a crédito, assistência técnica – defende o autor, deputado Padre João (PT/MG).
O texto modifica um ponto da Lei de Proteção de Cultivares, que diz que o pequeno produtor rural pode multiplicar sementes para doar ou trocar exclusivamente com outros agricultores. A proposta acrescenta a possibilidade de vender a produção para o mercado privado e programas de vendas públicas.
Como o projeto tramita em caráter conclusivo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, se ele for aprovado, segue direto para análise no Senado. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja, essa mudança pode gerar um conflito com o sistema nacional de sementes e mudas.
– Porque você estaria contaminando um sistema de melhoramento, de recolhimento de royalties com uma produção que não visa isso, que visa a manutenção da semente crioula, da agricultura familiar, num sistema de variedades que eles mesmos desenvolvem, então não acredito que seria interessante – argumenta o secretário executivo da Abrass, Leonardo Machado.
O deputado Padre João rebate, dizendo que a lei de cultivares quer preservar muito mais a soja e o milho:
– [O projeto] não compete com o mercado. Os nossos agricultores familiares não são produtores de soja e não concentra só o cultivo do milho. É uma característica da agricultura familiar a diversidade de produção. Então, não tem conflito.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) apoia, mas ressalta a importância dos bancos de sementes serem comunitários.
– O grande diferencial deve ser esse ponto de partida e não um olhar que um banco de sementes deve guardar determinada espécie sob a tutela de um banco nacional na Embrapa. Tem que ser participativo, ele tem que ser comunitário, até pra que as famílias não se sintam usadas e se sintam donas desse conhecimento, que ele possa ter um retorno para a própria comunidade e, consequentemente, para a própria nação – diz a secretária de Mulheres da Contag, Alessandra Lunas.
O principal retorno para quem já participa de bancos de sementes é a autonomia. Ciro Eduardo Corrêa ajudou a criar a Rede Terra, uma cooperativa que reúne 100 famílias de pequenos agricultores em Cristalina, em Goiás. Há cinco anos, eles começaram a produzir as próprias sementes de feijão, milho, mandioca e hortaliças. Hoje, a produção diversificada garante a subsistência e cria excedente para ser comercializado em feiras.
– Isso nos traz uma autonomia financeira, porque as nossas lavouras acabam tendo um custo de produção mais baixo. Hoje, a semente representa em torno de 30% do custo de produção. Assim como também as sementes vão incorporando as características locais, respondem melhor ao tipo de solo, ao tipo de manejo e isso faz com que elas mantenham uma produção mais estável – afirma o assessor técnico da Rede Terra, Ciro Eduardo Corrêa.