Esses desafios foram debatidos nesta semana por cientistas e formuladores de políticas públicas no Painel Internacional de Especialistas em Megacidades, Vulnerabilidade e Mudança Climática Global, na sede da Fapesp, em São Paulo.
O evento, liderado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tem o objetivo de traçar um mapa das vulnerabilidades das regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro frente aos efeitos do aquecimento global, com o objetivo de subsidiar políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas.
Segundo o coordenador do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais, Fábio Feldman, a criação dos fóruns estaduais, em 2005, foi um avanço que permitiu aos estados uma maior articulação com as políticas municipais e federais. Ainda assim, prevalecem as dificuldades históricas na implantação de políticas nacionais relacionadas ao clima.
? Há dificuldades dos governantes para compreender que o clima é um tema para hoje, não para daqui a 20 anos. No Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, a estrutura para trabalhar nesse tema é muito pequena, mantendo o mesmo número de pessoas há mais de 15 anos ? disse.
Segundo ele, as principais propostas dos fóruns têm foco na elaboração de marcos regulatórios relacionados às mudanças climáticas em todos os níveis de governo.
? Em São Paulo elaboramos uma política para criar um processo ? ou seja, incluir na agenda governamental a obrigatoriedade de inventários e mapas de vulnerabilidades. Acreditamos que isso vá mobilizar a sociedade brasileira para um avanço concreto ? explicou.
Feldman declarou que há grandes dificuldades políticas para o estabelecimento de metas de emissões de gases de efeito estufa.
? O problema é que as metas são entendidas como punição e não como oportunidade de inovação tecnológica ? afirmou.
Outra dificuldade importante no Brasil, segundo Feldman, é articular as políticas públicas de clima com políticas setoriais como as de transportes e saúde. Um exemplo disso, segundo ele, é a redução dramática do imposto sobre produtos industrializados (IPI) concedida pelo governo brasileiro, por causa da crise financeira.
? Com essa redução do IPI teremos uma imensa frota renovada de caminhões. Mas perdemos a oportunidade de articular essa iniciativa com as políticas climáticas, já que essa renovação será feita com uma tecnologia atrasada do ponto de vista do padrão de emissões. O padrão do diesel comercializado no Brasil é muito ruim, comparável apenas a alguns países da África ? declarou.
Segundo Feldman, a legislação não conseguirá, por si só, implantar as políticas de adaptação e mitigação.
? Os dois avanços em políticas ambientais mais importantes que surgiram nos últimos anos foram o indicador de sustentabilidade ambiental da Bovespa e a decisão das redes de supermercados de só comprar carne com rastreabilidade, para evitar os produtos que devastem a Amazônia. Esses dois avanços não envolveram legislação ? disse.
Mudança cultural
O presidente da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), Fernando Rei, afirmou que propor medidas de adaptação e mitigação implica uma mudança cultural que, muitas vezes, é rechaçada pela sociedade.
? Muita gente acha que vai haver alguma revolução tecnológica que nos permitirá manter os atuais níveis de consumo. Há uma grande dificuldade da academia e dos órgãos ambientais para se confrontar com esse tipo de contrapropaganda ? disse Rei.
Para Rei, a resistência à mudança de hábitos por parte dos cidadãos indica que há uma tendência de transferir as responsabilidades ao poder público.
? Embora a Constituição Cidadã já tenha completado 21 anos, seguimos construindo um projeto de nação no qual o cidadão tem muito poucos deveres. A Carta Magna, no entanto, destaca o compromisso da coletividade e do poder público na preservação da qualidade ambiental ? declarou.
Segundo Rei, é preciso também que a academia trate o problema do clima de forma mais multidisciplinar.
? Nosso processo de ensino encaminha os alunos para um universo de certezas. Não geramos na academia alunos que trabalhem com dúvidas. A burocracia acadêmica dificulta a construção de um olhar científico multidisciplinar. No entanto, o tema da mudança climática é essencialmente multidisciplinar e, por isso, será preciso repensar a forma de se produzir conhecimento ? disse.
Rei afirmou que, em sua avaliação, as principais vulnerabilidades na Região Metropolitana de São Paulo dizem respeito à questão da saúde ? com novos vetores de epidemias e qualidade da saúde pública ? e ocupações em áreas sensíveis, especialmente em torno de mananciais.
? Para combater a ameaça que essas vulnerabilidades representam com a possível ocorrência de eventos extremos, será preciso discutir as políticas públicas. Mas temos perdido a oportunidade de fazer isso porque o mercado e a sociedade estão ainda muito ausentes do debate. Essa não pode ser uma discussão exclusiva da academia e do poder público ? declarou.