O quarto Fórum Soja Brasil na safra 2015/2016 trouxe para o debate a mudança na Lei de Proteção de Cultivares. Para todos os elos da cadeia produtiva – pesquisadores, produtores rurais, indústrias de sementes e deputados –, o projeto atual não atende às demandas do agronegócio brasileiro.
O projeto de lei 827/2015 está em discussão em Brasília, e a principal alteração prevista é de que o agricultor pague royalties sobre o germoplamas (característica natural melhorada geneticamente) na hora de guardar as sementes para uso próprio. As entidades representativas são a favor do pagamento, mas acreditam que o relatório do deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT) mais prejudica do que ajuda a resolver os problemas de remuneração sobre a pesquisa e desenvolvimento de novas cultivares.
O chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Soja, Alexandre Cattelan, explicou o atual cenário. Ele afirma que, pelo menos, 30% da área plantada conta com semente salvas. Nos cálculos de Cattelan, a pesquisa poderia arrecadar até R$ 100 milhões no atual cenário. A crítica da Embrapa à atual proposta tem relação ao fato de o agricultor só poder salvar as sementes por uma safra. O entendimento da empresa de pesquisa é que isso seja estendido a, no mínimo, quatro anos. Além disso, entende que os agricultores familiares, indígenas e quilombolas deveriam ser isentos do pagamento de royalties.
“Um ponto interessante para nós é como será a recolha dos royalties e quanto e como será destinado à pesquisa. É necessário uma regulamentação bem clara, quanto é para a pesquisa nacional e quanto para a pesquisa pública. Outra coisa que precisamos deixar claro é que essa arrecadação não significa que, no caso da Embrapa, exista mais dinheiro da pesquisa, já que nosso orçamento é definido pelo Tesouro Nacional. Temos um orçamento engessado”, explica Cattelan.
Para a Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS), deveria ser criado um fundo para recolher esse pagamento de royalties para a pesquisa e tecnologia. Ou seja, o produtor pagaria de uma vez tanto o royalty pelo germoplasma quanto o da biotecnologia, caso o agricultor opte por uma variedade que possui patente, como é o caso da tecnologia Bt. “O relatório atual não serve para ninguém: sementeiros e produtores”, diz o presidente da Aprosoja-RS, Décio Teixeira.
O presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), José Américo Rodrigues, afirma que os sementeiros têm alguns pontos de discordância com a proposta em discussão em Brasília. Uma delas é que o recurso deve ser passado integralmente para as empresas desenvolvedoras de cultivares, que irão destinar o recurso a outros elos, como a pesquisa.
Outra critica é que, no entendimento da Abrasem, a possibilidade de salvar sementes seja apenas dos agricultores familiares. De resto, essa prática não deveria ser autorizada, mas Rodrigues acredita que isso não será possível.
“Nas discussões com as entidades, entendemos que limitar o uso próprio não seria possível, mas vimos que as entidades concordar em remuneração a tecnologia. Há um consenso de que se for para mexer na legislação sem ter a mínima certeza, é melhor discutir mais. Não temos pressa, nós queremos um texto que atenda toda a cadeia, pois é uma lei que vai tratar de 150 espécies, não apenas da soja. Esperemos bom senso entre todos os envolvidos”, argumenta o dirigente.
‘Projeto atual não passa’
O evento na Expodireto Cotrijal, em Não-Me-Toque (RS), contou com a presença de três deputados federais que fazem parte da Comissão Especial que discute o projeto na Câmara dos Deputados: Alceu Moreira (PMDB-RS), Jerônimo Goergen (PP-RS) e Luis Carlos Heinze (PP-RS). Eles revelaram que, do jeito que está o PL 827/2015, ele não será aprovado. “Nós suspendemos a votação do relatório, vamos nos reunir para discutir. Misturar lei de cultivares com lei de semente e lei de patentes não serve. Não é um bom projeto”, critica Heinze.
“Nós precisamos estabelecer uma relação sadia para quem investe dinheiro na pesquisa e o produtor. Não podemos achar que uma empresa vai investir milhões e não querer retorno. Nós temos um volume muito pequeno de cultivares nacionais, a pesquisa brasileira está atrofiada. Do jeito que está, vamos virar cliente cativo das multinacionais. Temos que fazer uma legislação sustentável, que o produtor pague um valor [de royalty] compatível com o custo”, afirma Alceu Moreira.
O diretor-executivo da Associação dos Produtores de Soja do país (Aprosoja Brasil), Fabrício Rosa, lembra que há um longo caminho para que a proposta se torne de fato lei. Para ele, o relatório, que pode ser votado em abril, não deve ser aprovado. Rosa pede uma discussão mais profunda para se achar um modelo de cobrança e distribuição dos recursos arrecadados, para que a implementação da legislação seja mais simples.
Entenda
Quando o agricultor compra uma semente, ele está adquirindo o germoplasma, que carrega características de uma planta, como tamanho e porte. Há também sementes modificadas geneticamente, as transgênicas, pelas quais o agricultor paga royalty pela propriedade intelectual do produto.
Ao adquirir sementes da soja RR1, por exemplo, o produtor paga royalties somente pelo germoplasma, já que a patente desta variedade está vencida. Na compra da variedade RR2, que ainda tem patente em vigor, o produtor é obrigado a pagar royalties pela biotecnologia e também pelo germoplasma.
Na legislação atual, quando o produtor produz a própria semente para a safra seguinte, ele não é obrigado a fazer nenhum pagamento pelo germoplasma, apenas pela biotecnologia, caso ele use uma semente com biotecnologia, como é o caso da RR2.
A proposta de alteração na Lei de Proteção de Cultivares obriga o agricultor a pagar uma remuneração na hora de salvar as sementes. Segundo as entidades envolvidas na discussão, isso vai garantir que a pesquisa seja remunerada, evitando reserva de mercado para determinada tecnologia. No projeto de Nilson Leitão, seria criado um grupo de trabalho que ia definir o modelo de cobrança e de que forma esse dinheiro seria investido.