O Brasil é um dos países menos integrados à cadeia global de comércio, e um estudo divulgado nesta segunda, dia 9, apontou o agronegócio como o setor mais importante para impulsionar as exportações. O setor representa hoje 43% das exportações totais brasileiras, mas tem apenas 1,2% de participação no comércio internacional, segundo o relatório “Impactos para o Brasil de Acordos de Livre Comércio com Estados Unidos e União Europeia”, da Câmara Americana do Comércio (Amcham) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Dois pesquisadores da Escola de Economia da FGV de São Paulo concluíram que o Brasil precisa rever acordos e políticas de negociação, principalmente com os Estados Unidos e a União Europeia. “Quando a gente vai discutir essa nova política de comércio internacional, o que nós percebemos é que o Brasil está adotando uma linguagem que está ultrapassada no que se discute. Quer dizer, o Brasil está preocupado em fazer acordos num mercado chamado Sul-Sul”, explica Vera Thorstensen, pesquisadora.
O estudo encomendado pela Amcham faz parte de um programa lançado pela entidade para estimular a competitividade do país no mercado internacional. O presidente do Conselho da entidade, Hélio Magalhães, diz que o programa veio para mostrar o potencial de crescimento econômico que existe, se o Brasil focar na parte ativa das cadeias. “As relações comerciais com os países que efetivamente tem capacidade de gerar um comércio significativo é muito importante”, diz.
Ao mesmo tempo, o professor da Universidade Columbia Marcos Troyja defende que o Brasil não pode ignorar os demais mercados, fora da UE e dos Estados Unidos: “Não podemos fechar os olhos para outras oportunidades que estão surgindo. A Índia hoje, dentre as 20 maiores economias do mundo, é a economia que mais cresce. Hoje, a renda per capita é de US$ 2,5 mil, quando você, ao logo de dez anos, dobra sua renda per capita, você consome mais calorias. Portanto, a Índia pode representar um destino dos nossos produtos, tanto quanto, ou mais, que a União Europeia”, salienta.
União Europeia
Para que as negociações sejam promissoras e haja o fortalecimento do comércio, principalmente com a União Europeia, o caminho tende a ser longo. As barreiras impostas pelos principais importadores do mundo estão cada vez mais rigorosas. “Hoje, para você exportar alimentos, você tem que enfrentar barreiras, que não são aquelas velhas barreiras de tarifas ou cotas tarifárias. Hoje, para você exportar o agribusiness, você tem que ficar muito mais preocupado não só com medidas sanitárias e fitossanitárias, mas com uma série novíssima de barreiras que são os chamados padrões privados de sustentabilidade”, afirma Vera.
Segundo a pesquisadora, a discussão na Europa é fundamental e está totalmente baseada no princípio de precaução. “Nos Estados Unidos, você precisa ter ciência para provar que faz mal, na Europa não, por precaução eu já não deixo mais importar”.
O coordenador do núcleo de Modelagem do Centro do Comércio Global e Investimento da FGV e membro da cátedra CCGI-FGV da Organização Mundial do Comércio (OMC), Lucas Ferraz, garante que o setor da economia brasileira que ganha mais no acordo com a União Europeia é o agronegócio. Conforme o estudo da instituição, se o acordo fosse firmado agora, em 2016, as exportações do agronegócio brasileiro cresceriam 60,8% até 2030, enquanto as importações brasileiras de itens agrícolas do bloco europeu avançariam 36,4%.
E é justamente esse setor que está causando polêmica nas tratativas de acordo comercial entre o Mercosul e a UE, já que um grupo de países europeus, liderado pela França, prepara uma ofensiva para bloquear um acordo que incremente de forma substancial as exportações de açúcar, carnes, entre outros produtos agrícolas do Brasil e de outros países do Mercosul para a União Europeia, mesmo se for adotado um sistema de cotas para esses itens. “A França e a maioria dos países da Europa negociam somente com a apresentação de estudo de impacto. Se isso está sendo utilizado como barreira ao acordo Mercosul-UE, não sei, mas essa postura precisa ser incorporada também pelo Brasil na cultura de comércio global”, afirmou.
Ainda no âmbito dos benefícios do acordo com os países europeus para o Brasil, as vendas externas de manufaturas cresceriam 2,1%, enquanto as importações teriam alta de 17,5%; já as exportações da indústria extrativa recuariam 3,1%, mas as importações avançariam 9,1% e, em serviços, as vendas externas diminuiriam 4,3%, mas as importações aumentariam 17,7%. “O acordo com a União Europeia favoreceria um avanço do PIB nacional em 2,7%, ou US$ 82,89 bilhões por ano até 2030. Sobre os fluxos comerciais, até 2030, as exportações brasileiras cresceriam 12,34%, enquanto as importações aumentariam 16,93%. Na corrente de comércio, o impacto chegaria a US$ 1,115 trilhão a mais no acumulado de 2016 a 2030”, explicou.
Estados Unidos
No total, um acordo com o mercado norte-americano permitiria um avanço no PIB nacional de 1,3%, ou US$ 38,3 bilhões por ano até 2030. Sobre os fluxos comerciais, até 2030, as exportações brasileiras cresceriam 7%, enquanto as importações avançariam 7,5%. Na corrente de comércio, o impacto chegaria a US$ 580,27 bilhões a mais no acumulado de 2016 a 2030.
Já entre os setores, as vendas externas de manufaturados brasileiros se beneficiariam mais, com crescimento de 15%, enquanto as importações do setor nacional de produtos manufaturados norte-americanos aumentariam 8,6%. No agronegócio, o aumento das exportações seria de 9,9% e o das importações, 8,4%. Já as vendas externas das indústrias extrativa cairiam 0,5%, mas a importações subiriam 5,1%. Em serviços, as exportações avançariam 1,8%, ao mesmo tempo no qual as importações aumentariam 5,6%.
“Os nossos estudos indicam que um acordo com os Estados Unidos teria um potencial de trazer mais benefícios para a indústria brasileira, relativamente ao agronegócio, em relação a um acordo com a Europa. Quer dizer, um acordo com a Europa ele traria mais benefícios para o agronegócio, e é natural, porque a Europa impõe barreiras muito fortes ao nosso agribusiness. Então, uma vez retiradas essas barreiras, o impulso para as exportações seria muito grande”, defende Ferraz.
Welber Barral, presidente Comitê de comércio Exterior da Amcham reforça que grande parte dos produtos, embora tenham tarifas mais baixas, têm que cumprir várias regras de indicações geográficas, certificações ambientais, certificações sanitárias, bem estar animal: “o que muitas vezes dificulta o acesso a esses mercados”.
Mesmo com tantos desafios, às vésperas do Brasil começar a exportar carne in natura para os Estados Unidos, o diretor executivo de uma Companhia que embarca alimentos para 100 países, está confiante.
“O Brasil tem hoje uma oportunidade única de abrir novos mercados e, sem dúvida nenhuma, entre eles está os Estados Unidos. Acredito que o processo avançou bastante, a maior parte das barreiras impostas a nós foram já respondidas ou devidamente equacionadas. Então, eu acho que nós estamos sim em vias de abrir o mercado americano para carne in natura”, argumenta o CEO da Minerva Foods, Fernando Queiroz.