A horta do agricultor Ramão da Silva Pires está livre dos ataques de caramujos que trouxeram prejuízos à família do Município de Ladário (MS), em 2013. Ele conseguiu acabar com a praga utilizando uma técnica conhecida como armadilhas atrativas, adaptada pela equipe de agricultura familiar da Embrapa Pantanal (MS) com objetivo de reduzir os custos de produção e facilitar o manejo pelos produtores.
Um dos responsáveis pela adaptação, o pesquisador Alberto Feiden, conta que o uso de caldas naturais na armadilha é vantajoso porque elas podem ser produzidas pelo próprio agricultor.
As armadilhas atrativas tradicionais funcionam assim: durante o entardecer o agricultor estende sacos de pano embebidos em leite ou cerveja junto à cultura infestada. Na manhã seguinte, utilizando uma luva protetora, vai ao local e retira os caramujos que se acumulam sobre esses tecidos. Ramão optou por colocá-los em uma garrafa de boca larga, jogar sal e enterrar.
A adaptação sugerida pela Embrapa Pantanal consiste na preparação de uma calda feita com a cebolinha. “Eu batia a cebolinha com água no liquidificador e embebia o pano”, conta Vanderli Apolinário da Silva, mulher de Ramão.
“Tinha muito caramujo, muito mesmo. Eles comiam cebolinha, alface e salsinha. Mas atacavam mais a cebolinha e furavam a folha. Não tinha como vender”, diz Ramão. O teste da calda à base de cebolinha foi feito durante uma semana, conta o agricultor.
Os pesquisadores Francisco José Zorzenon e Tércio Barbosa de Campos, do Instituto Biológico, haviam descrito em publicação do site Infobibos alguns estragos causados pelos caramujos ou lesmas: “Esses animais raspam com uma estrutura chamada rádula as folhas, caules e brotos novos, podendo, em infestações severas, levar à morte das plantas”.
Para testar a eficiência das caldas na atração dos caramujos, Alberto Feiden realizou testes durante uma semana. Ele conta que os melhores resultados de controle dos moluscos, de espécie ainda não identificada por ele, foram obtidos com a cerveja, seguida pela calda de cebolinha.
Os tecidos embebidos em cerveja capturaram 508 caramujos; em seguida, aparecem aqueles embebidos no extrato de cebolinha, com 426 indivíduos; os sacos embebidos em água [testemunha do teste] atraíram 393 caramujos e, por fim, aparecem panos molhados com leite cru – com 279. No total, o experimento capturou 1.606 indivíduos.
Diante dos resultados, o pesquisador da Embrapa Pantanal recomenda o uso das armadilhas atrativas banhadas em caldas naturais para agricultores em transição agroecológica. “Os resultados dessa adaptação mostram que o sistema foi eficaz”, conclui Feiden. O uso do leite, embora não tenha apresentado a mesma eficácia, também é uma opção para os agricultores, já que pode ser obtido na propriedade.
O estudo da Embrapa avalia o processo de transição agroecológica (passagem do cultivo convencional ao agroecológico) em um grupo de 15 agricultores. A adaptação do método de controle de caramujos é parte de um conjunto de práticas testadas participativamente pelos agricultores, para construção do conhecimento de forma coletiva. A propriedade onde foram desenvolvidos os experimentos possui uma horta-modelo (unidade didática), e os resultados são compartilhados entre todos e essas trocas de experiências e recomendações terão continuidade mesmo após o encerramento do projeto.
Caldas e óleos essenciais
Recursos disponíveis nos lotes de assentados foram utilizados durante os testes para a produção de caldas com potencial bioativo. Fumo, pimenta, sabão de coco, cebolinha e cravo-de-defunto foram utilizados para a preparação de um extrato, por maceração ou infusão, e pulverizados na parte aérea e no solo dos canteiros. Resultados preliminares indicam benefícios nesta solução para o controle de pragas, segundo Aurélio Vinicius Borsato, pesquisador da Embrapa Pantanal. Ele explica, no entanto, que essas caldas são de difícil conservação e devem ser utilizadas imediatamente após a preparação.
Óleos essenciais extraídos de plantas aromáticas e diluídos também foram aplicados durante a fase de testes. Embora alguns fatores limitem o aprofundamento dessas pesquisas, Borsato afirma que esses óleos apresentam potencial para serem utilizados por agricultores em transição agroecológica.
Publicações elaboradas pela equipe de agricultura familiar da Embrapa Pantanal e colaboradores sobre o controle natural de pragas podem ser acessadas na revista Cadernos de Agroecologia, vinculada à Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
Consórcio entre hortaliças e plantas medicinais repele pragas
Ainda na linha de pesquisas para a transição agroecológica, a Embrapa Pantanal desenvolveu experimentos em assentamentos da região de Corumbá e Ladário (MS) para averiguar o potencial de controle de pragas com uso de técnicas de cultivo de plantas medicinais, aromáticas e condimentares.
De acordo com Aurélio Borsato, os estudos sobre plantas companheiras “se constituem em uma técnica milenar, desestimulada com a modernização da agricultura, mas que ainda se mostra bem interessante para agricultores de base familiar”, diz ele.
A técnica das plantas companheiras consiste em cultivar no mesmo espaço mais de duas espécies, que podem ser de interesse comercial ou não. A Embrapa sugere o uso de plantas aromáticas ou medicinais associadas às hortaliças. “Vários testes foram feitos em hortas modelos, principalmente do assentamento 72, em Ladário, para saber se as plantas realmente eram companheiras, se proporcionavam benefícios mútuos e se não eram concorrentes, o que é indesejável”, afirma Borsato.
Os experimentos incluíram o arranjo dos canteiros e, de acordo com o pesquisador, as espécies foram escolhidas pelos agricultores, de forma participativa. “A ideia era otimizar a produção de acordo com as condições de que eles dispunham. Os próprios agricultores começaram a visualizar melhorias e a adotar essa prática, independentemente da nossa presença lá”, conta.
Segundo ele, as plantas medicinais utilizadas nas pesquisas foram aquelas tradicionalmente cultivadas e popularmente utilizadas, como manjericão, alecrim, arruda e cravo-de-defunto. “Fizemos avaliação visual da incidência de pragas e ela foi reduzida. Também acompanhamos a qualidade do solo e verificamos o aporte de nutrientes”.
Os dados finais estão em processamento, mas Borsato afirma que a técnica repeliu formigas cortadeiras, vaquinha, burrica, mosca-branca, lagarta-minadora, gafanhotos e pulgões. Ele disse também que, por observação, notou-se que a calda de pimenta age por odor ou contato – causando queimadura ou paralisação do inseto. Uma informação interessante é que as caldas não repeliram insetos polinizadores, como abelhas, o que também foi considerado positivo.
Borsato diz que a percepção dos agricultores também foi considerada. “Uma das participantes do estudo nos informou que o cultivo associado estava repelindo formigas que sempre atacavam os canteiros”, afirma.
A experiência do agricultor
Alexandre Roberto do Amaral e seu pai, Dionísio Roberto do Amaral, experimentaram o plantio consorciado de hortaliças com plantas medicinais no assentamento Tamarineiro II, em Corumbá. Eles constataram o efeito inseticida da técnica. “Fizemos os testes durante um ano ou mais e funcionou”, disse Alexandre.
Segundo eles, a família cultivava alface e tomate e plantava diferentes tipos de pimenta na área lateral aos canteiros. “A vaquinha/burrica – espécie de besouro que ataca as hortaliças – era atraída primeiro pela pimenta, que serve como um indicador de que a praga está chegando”, conta Alexandre. O controle, então, era direcionado a essas plantas laterais e a vaquinha nem chegava a atingir as culturas principais.
De acordo com o agricultor, a vaquinha libera um ácido que corrói e destrói as folhas, podendo levar a planta à morte. “Também abre brechas para doenças virais ou não. Podem comer a fruta, prejudicando a lavoura”.
Alexandre também testou arruda e erva-cidreira para combater pulgão e cochonilha, outras pragas que afetam as hortaliças. “O sistema também funciona com alface e milho. Os gafanhotos preferem o milho; assim a alface fica preservada”.
Os agricultores disseram que 90% do combate às pragas é feito de maneira natural, sem o uso de defensivos – “o veneno causa resistência”, lembra Dionísio. Por participarem de um projeto de transição agroecológica na época dos experimentos, eles contam que sempre procuraram atuar de forma preventiva.
Alexandre afirma ainda que o combate às pragas varia muito dependendo da cultura. No caso do tomate, por exemplo, o controle é mais complicado. “De forma geral, a pimenta, o pimentão e a berinjela atraem as pragas”, explica o agricultor. Por essa característica, podem ser usados como chamarizes.