A relação entre as indústrias brasileiras de proteína animal e os produtores de milho precisa mudar para garantir o crescimento dos dois setores. Essa é a análise de Cesário Ramalho da Silva, vice-presidente da Associação Brasileira dos Produrores de Milho (Abramilho) e presidente da Câmara Setorial de Milho e Sorgo do Ministério da Agricultura. Segundo ele, o Brasil tem que atingir 100 milhões de toneladas até 2020 para atender à necessidade de criadores de aves e suínos do país, que têm um mercado importante e de intensa demanda na Ásia.
Porém, medidas “intervencionistas” como a do governo atual, que quer isentar a importação do cereal para baixar os preços internos e garantir o abastecimento dessas granjas, cooperativas e companhias, prejudicam e desestimulam o agricultor. “O agricultor não sabe se terá um mercado livre para negociar”. Mesmo assim, ele prevê um aumento de 10% na colheita da safra 2016/2017.
Para Ramalho, a indústria precisa se mexer, formar estoque e comprar milho. Já o governo também deve atuar e ter reservas para socorrer os pequenos criadores em momentos estratégicos. “A indústria vai a Brasília para tentar obter benesses e subsídios, tentar taxar exportação e desonerar a importação. O agro vai a Brasília para buscar solução para o problema dele. A indústria busca um guarda-chuva de proteção para ela. O agro se arrisca permanentemente e por isso cresce mais”.
Confira a entrevista exclusiva de Cesário Ramalho da Silva ao Canal Rural:
Canal Rural – O que acha das novas medidas do Ministério da Agricultura de propor a isenção de PIS e Cofins na importação de milho para combater a alta dos preços do grão e garantir abastecimento aos produtores de carnes?
Cesário Ramalho da Silva – Eu sou contra. Mas acho que a política agrícola brasileira está estabelecida. O milho existiu. O que houve foi preguiça das indústrias de comprar o milho que foi para fora. O milho chegou a R$ 50 no Paraná e em Santa Catarina, mas o que foi exportado foi vendido entre R$ 30 e R$ 35. Temos grandes agroindústrias no país, as maiores do mundo, empresas globais e também cooperativas fortes, mas que não fizeram compra de milho na hora que deveriam ter feito. E não fizeram porque queriam uma mão do governo. A agroindústria queria que o produtor estocasse para ela, mas o produtor conseguiu canais de exportação, está conseguindo ser creditado como exportador. Qualquer mudança que o governo faça, seja liberar importação ou colocar impostos na exportação é quebra das regras do jogo.
CR – Que impacto isso pode ter para o produtor?
Ramalho – Isso deve inibir o plantio nas próximas safras. O produtor fica inseguro, fica desconfiado. Ele não sabe se terá um mercado livre na hora de negociar. E isso é básico e essencial para conseguir aumentar a produção. Mesmo assim, deveremos aumentar a produção em até 10% na safra 2016/2017.
CR – O preço vai ser suficiente para incentivar esse crescimento no plantio?
Ramalho – Na safra de verão já vai crescer, pois os preços estão remuneradores. O cenário é remunerador. E vai crescer porque precisa crescer, o brasileiro precisa de milho. Nós temos pouco milho e temos uma indústria de proteína animal crescente, que tem mercado, tem demanda da Ásia por frango, e que precisa do milho para a ração. Por isso, devemos crescer até 10% já na próxima safra, mas se tiver intervenções do governo vai prejudicar a expansão do milho no Brasil. Nós saímos de 50 milhões de toneladas para 80 milhões e temos que ir a 100 milhões de toneladas até 2020, precisamos desse crescimento.
CR – Acha que tem que mudar a relação entre produtores e consumidores, no caso, as agroindústrias? Ou acredita que isso é temporário e que a situação vai se ajustar?
Ramalho – A indústria tem que operar, tem que fazer estoque na safra. Ela precisa buscar dinheiro para isso, são empresas globais, podem captar recursos. A falta de milho para a agroindústria nacional e a retirada de impostos para a importação foi uma vergonha. Acho incrível agroindústrias desse porte não terem estoque. Essa relação precisa mudar porque o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, já falou em uma reunião conosco e com representantes do setor de proteína animal. Ele afirmou que precisamos ter uma regra clara de que o governo não vai mexer mais na taxação de importações, que a agroindústria precisa comprar milho junto com o governo, pois isso também é dever do governo. A indústria tem que se mexer. Ao invés de ir a Brasília para buscar maneiras de garantir estoque dela, tenta obter benesses e subsídios, tenta taxar exportação e desonerar a importação. O agro vai a Brasília para buscar solução para o problema dele. A indústria busca um guarda-chuva de proteção para ela. O agro se arrisca permanentemente e por isso cresce mais. É por isso que a indústria representa só 8% do PIB nacional.
CR – O governo também precisa agir mais fortemente para formação de estoque e na política de preço mínimo?
Ramalho – O governo também precisa comprar milho. Não pode ter o estoque que tem hoje, de 600 mil toneladas. Mas o governo tem que ter estoque para socorrer os pequenos produtores, as pequenas granjas. Esses têm que ser atendidos pelo governo. As grandes empresas não. O que o ministro Blairo (Maggi) disse é muito importante. “Indústria, não conte mais com o estoque na mão do produtor, ele não fará mais, a indústria tem que se mexer e fazer estoques”. O que existia é que nós segurávamos milho do primeiro semestre para as indústrias no segundo. Mas mudou. Já o preço mínimo, o próprio ministro concorda que tem que dar um bom preço. Para essa safra, com aumento, é bom, é incentivador.