A forma como o produtor rural e a agropecuária brasileira são tratados em livros didáticos usados nas escolas incomodou mães e pais que têm vivência no campo, no ano passado. Eles alegam que publicações criam na mente das crianças uma imagem negativa e distorcida do que é a produção de alimentos.
Xico Graziano, agrônomo e ex-secretário de Agricultura de São Paulo, convidou o especialista em planejamento estratégico do agro, Marcos Fava Neves, para se debruçarem sobre o tema e criarem propostas para atualizar o que é ensinado sobre o agro nas escolas, com foco no Ensino Médio. O estudo foi divulgado nesta segunda-feira, 8, após quatro meses de trabalho.
“Encontramos muitas coisas antigas, já fora de contexto e fomos estimulados a gerar esta apostila com 10 temas na tentativa de modernizar estes conteúdos, trazê-los a realidade atual do agro. Temos agora juntos o desafio de fazer chegar aos professores e alunos”, dizem.
Como o agro é mostrado nas escolas?
De acordo com o estudo, alguns livros fazem referência ao agronegócio do passado, que já foi superado com tecnologia, sustentabilidade e responsabilidade. “Existe um foco em coisas antigas e ultrapassadas que não pertencem às discussões contemporâneas”, diz o documento.
Além disso, segundo Graziano e Fava Neves, situações mostradas em algumas publicações, como trabalho escravo e desmatamento, são generalizadas de forma a fazer parecer que são a realidade das fazendas.
Outro ponto abordado no documento é a tentativa de criar oposição entre agronegócio e agricultura familiar, que, para os autores, são complementares. “A agricultura de pequeno, médio e grande porte, todas elas, fazem parte do agronegócio. Famílias que produzem no campo e negociam na cidade são inerentes ao agronegócio. Existe o agronegócio empresarial e existe o agronegócio familiar. Somente não participa do agronegócio quem produz para subsistência”, pontuam.
Eles criticam também o viés político de alguns textos, o pouco rigor na escolha de fontes para falar sobre assuntos técnicos e a quase inexistência de abordagens sobre a inovação no agronegócio, que poderia atrair jovens ao setor.
“Há um grande conjunto de temas que hoje fazem parte da produção de alimentos, do agro em geral, extremamente interessante aos jovens, que não recebem a devida atenção, como uso de robôs e drones, agricultura digital, agricultura circular (reuso de rejeitos), agricultura colaborativa (modelos cooperativos e outros), nanotecnologia, melhoramento genético de plantas e animais, inovações incríveis que as crianças e os jovens merecem conhecer, pois apontam uma nova jornada do agro tecnológico e sustentável no desenho do futuro”, dizem os autores.
Propostas para incrementar o ensino sobre o agro
Diante das constatações feitas, Fava Neves e Graziano propuseram 10 temas a serem abordados nas escolas. Segundo eles, são assuntos que podem atrair crianças e jovens por conta da modernidade. “Há vasto material, disponível na internet, sobre tais novos temas, especialmente muitos vídeos curiosos e interativos que agradariam aos alunos, deixando-os muito bem sintonizados com o que acontece hoje na agricultura tecnológica do Brasil e do mundo”, diz.
Vejas os temas:
1) Cooperativismo no agro: cooperativas agropecuárias e outras formas aglutinadoras de produtores rurais se destacam no mundo colaborativo da agropecuária brasileira, que reúnem cerca de 50% da produção de alimentos do Brasil.
O cooperativismo é uma força em prol da solidariedade, fundamental por trazer milhares de agricultores familiares ao ciclo da prosperidade. Suas histórias deveriam ser mais contadas, pois encantam os jovens.
Em cada região do país, os professores poderiam levar seus alunos a descobrirem as cooperativas próximas, qual o ramo em que atuam, quantos associados elas têm, ressaltando seus exemplos no fortalecimento dos pequenos produtores rurais.
2) Aproveitamento dos alimentos: o desperdício de alimentos, suas causas e seu combate, como a reciclagem e a reutilização de descartes, fazem diferença em um mundo onde milhões ainda passam fome, e se verifica enormes perdas de comida, no transporte da safra, na colheita, nos restaurantes, nas mesas das famílias.
Engajar os jovens na questão do desperdício de alimentos é uma excelente oportunidade para exercícios, exemplos e sugestões, a começar pelo consumo municipal local.
3) Matas ciliares: a preservação das áreas que margeiam os cursos de água, obrigatória com a aplicação do Código Florestal no país, está trazendo um aumento das matas que protegem a biodiversidade. Percebe-se a regeneração desses locais, trazendo aumento de certas espécies de aves e animais.
Este tema encanta a juventude e auxilia na causa da preservação ambiental. Os alunos podem ser levados a trabalhos de reconhecimento de matas ciliares no município onde se localizam, detectar aves e mamíferos que voltaram a aparecer no campo, como tucanos e até onças pardas. Esse ressurgimento de espécies nativas comprova a sustentabilidade do agro moderno e tecnológico.
4) Bem-estar animal: novos sistemas de condução e produção de animais se evidenciam em todo o mundo, inclusive no Brasil. Significa a implementação de práticas amigáveis e respeitosas, valorizando o espaço livre, as liberdades animais e a senciência dos bichos.
Na doma de cavalos, por exemplo, ou no manejo do gado nos currais, práticas inovadoras respeitam os animais, evitando os maus tratos de antigamente.
Também todos os desenvolvimentos nesta área podem ser explicados, mostrando exemplos de empresas locais que já adotaram sistemas de produção animal baseados nas regras do bem-estar animal.
5) Novos alimentos: aumento da curiosidade e da aceitação de fontes alternativas de alimentos, sejam com ingredientes artificiais (carne de laboratório e outros produtos plant-based), sejam produzidos a partir de fontes não tradicionais de proteínas.
Crianças e jovens podem conhecer formas alternativas de produção de comida, como as algas e os insetos, as novas frutas que aparecem no mercado (pitaia, por exemplo). Frutas e castanhas nativas, pouco utilizadas na alimentação humana (baru no cerrado), podem despertar os alunos para a evolução de hábitos alimentares, valorizando a natureza.
6) Bioeconomia: crescimento de cadeias produtivas baseadas em bioeconomia (biomassa, bioplástico, biocombustível, bioeletricidade, biodiversidade). Incríveis oportunidades surgem devido ao avanço tecnológico relacionado ao mundo vivo, permitindo que plantas, animais e microrganismos se tornam úteis e geradores de valor.
O bagaço da cana-de-açúcar que antes era jogado fora agora vira energia elétrica; o caldo da cana se transforma em etanol para movimentar os carros; a soja é moída para gerar o biodiesel dos caminhões; o milho gera o plástico biodegradável; tratores e caminhões rodam com biometano. Inúmeros exemplos podem ser utilizados na sala de aula para mostrar a agricultura energética, totalmente renovável e ecológica.
7) Agricultura digital: trabalho de gestão remoto, modelos de ação realizados à distância, fazendas inteligentes e agricultura de precisão: um novo mundo se abre com a agricultura digital, abrangendo as propriedades rurais, com equipamentos guiados por GPS, softwares de análise e equipamentos avançados.
Mecânicos que regulam motores de tratores e colheitadeiras à distância, drones utilizados no controle de pragas, são assuntos muito atrativos aos alunos, fazendo-se uma grande conexão das crianças e jovens com as modernidades que estão acontecendo no agro nacional.
8) Melhoramento genético: a seleção genética, realizado desde tempos remotos, alterou as características e o comportamento de plantas cultivadas e de animais domesticados. Características desejáveis foram sendo aprimoradas, como docilidade em animais, sabor nos alimentos, adaptação aos ecossistemas agrícolas, maior produtividade.
O melhoramento genético é fundamental para explicar o crescimento da população humana. Super plantas e super alimentos (com altos níveis de proteínas ou vitaminas), as frutas que agora crescem bem no calor dos trópicos, frutas sem sementes, raças de pets (cães, gatos e outros bichinhos de estimação) exóticos, fornecem exemplos de melhorias genéticas muito curiosas e importantes no mundo atual.
9) Agro colaborativo: as formas de agricultura circular (onde o resíduo de uma atividade é insumo para outra) produzindo mais com menos, e a chegada dos modelos compartilhados de produção se tornam comuns, representando uma vanguarda na dinâmica do agro moderno.
Máquinas agrícolas, tratores e colheitadeiras têm seu uso dividido entre agricultores (tal como um Uber), colmeias de abelhas se alugam, muitos exemplos podem ser adotados no ensino sobre o campo e a produção de alimentos.
10) Atividades secundárias: apicultura, silvicultura e florestas plantadas, piscicultura e carcinicultura (produção de camarões), floricultura e plantas ornamentais, existem importantes atividades do agro que nem sempre recebem a atenção da opinião pública ou do ensino. Todas são muito curiosas, pois são novidadeiras, sempre muito tecnológicas, envolvendo milhares de produtores e agradando aos consumidores.
Em cada município, os alunos podem prospectar essas atividades chamadas secundárias, existentes dentro do novo mundo rural, descobrindo como são conduzidas, onde se vendem seus produtos, suas vantagens e dificuldades.
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