Na quarta-feira (7), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), emitiu seu voto contrário à teoria do marco temporal, propondo, contudo, modificações em relação à compensação que a União deve pagar aos proprietários de terrenos ocupados historicamente por comunidades indígenas.
Logo após, o ministro André Mendonça solicitou prazo para análise (pedido de vista) e suspendeu a avaliação do caso.
Conforme as regras internas do STF, ele terá 90 dias para devolver o processo para análise da corte.
O STF estava examinando a constitucionalidade do marco temporal, um assunto que não é tratado na legislação.
A tese afirma que a demarcação das terras indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. De acordo com esse critério, os indígenas que não estavam em suas terras até aquela data não teriam direito de reivindicá-las.
Essa teoria é alvo de críticas por parte de advogados especializados em direitos indígenas, pois ela validaria e legalizaria invasões e violências cometidas contra os indígenas antes dessa data.
Na contramão do movimento indígena, entidades representantes do agronegócio alegam ser necessário, em nome da segurança jurídica, estabelecer que somente terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988 podem ser demarcadas.
Nessa perspectiva, o argumento é de que proprietários que ocupavam e produziam em terras antes de 1988 não poderiam ser obrigados a sair somente com base em indícios da existência de indígenas no local em tempos longínquos. Isso colocaria em risco de desapropriação boa parte das terras produtivas do país, alegam os representantes de diversos setores agropecuários.
Em nome da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o advogado Rudy Ferraz argumentou que o marco temporal é “importante instrumento de conciliação” para a resolução de conflitos agrários.
“Não podemos viver numa insegurança completa, com a possibilidade de qualquer título, daqui a 10 ou 20 anos, ser anulado porque alguém no passado falou que havia possibilidade de ter terra indígena ali”, acrescentou o defensor, em sustentação oral, no início do julgamento.
O julgamento em questão se refere especificamente a um recurso movido pela Funai contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), mas possui relevância nacional, pois sua decisão servirá de base para todos os casos semelhantes em andamento.
Dessa forma, o julgamento estabelecerá um precedente para a resolução de pelo menos 82 casos similares que aguardam uma decisão.
Julgamento no STF
O relator do processo, Edson Fachin, foi o primeiro a votar e se posicionou contrariamente ao marco temporal ainda em 2021. Ele afirmou que essa teoria desconsidera a natureza fundamental dos direitos indígenas, que são cláusulas pétreas e não podem ser modificadas por emendas constitucionais.
Segundo o ministro, a proteção constitucional dos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” não depende da existência de um marco temporal.
Já Kassio Nunes Marques reafirmou o marco temporal e votou pelo indeferimento do recurso.
Ele defendeu que a Constituição de 1988 reconheceu aos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, mas essa proteção constitucional depende de um marco temporal.
Logo após o voto de Nunes Marques, o ministro Alexandre de Moraes solicitou prazo para análise. Ele foi o primeiro a votar nessa quarta-feira.
No entendimento do Moraes, o reconhecimento da posse de terras indígenas independe da existência de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988.
Moraes citou o caso específico julgado pelo STF para justificar a ilegalidade do marco. O ministro lembrou que os indígenas Xokleng abandonaram suas terras em Santa Catarina devido a conflitos que ocasionaram o assassinato de 244 deles, em 1930.
“Óbvio que, em 5 de outubro de 1988, eles não estavam lá, porque se estivessem, de 1930 a 1988, não teria sobrado nenhum. Será que é possível não reconhecer essa comunidade? Será que é possível ignorar totalmente essa comunidade indígena por não existir temporalidade entre o marco temporal e o esbulho [saída das terras]?, questionou.
Contudo, o ministro votou para garantir aos proprietários que possuem títulos de propriedades que estão localizadas em terras indígenas o direito de indenização integral para desapropriação.
Para o ministro, existem casos de pessoas que agiram de boa-fé e não tinham conhecimento sobre a existência de indígenas onde habitam.
“Quando reconhecido efetivamente que a terra tradicional é indígena, a indenização deve ser completa. A terra nua e todas benfeitorias. A culpa, omissão, o lapso foi do poder público”, completou.
Marco temporal no Legislativo
No fim de maio, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que estabelece o marco temporal.
No entanto, o texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado.
Caso ocorram modificações, o projeto retornará à Câmara para nova análise.