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CANAL RURAL ENTREVISTA

‘Não há espaço para invasões de terra no estado de São Paulo, nem no Brasil’, diz Guilherme Piai

Diretor executivo do Instituto de Terras do Estado de São Paulo diz que guerra ideológica entre agronegócio e reforma agrária precisa acabar

No Canal Rural Entrevista desta semana, o diretor executivo do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), Guilherme Piai Silva Filizzola, falou sobre reforma agrária, invasões de terra, regularização fundiária e titularização de produtores.

A entrevista foi conduzida pelo diretor de conteúdo do Canal Rural, Giovani Ferreira.

Canal Rural: Vamos falar de um programa de regularização de terras em São Paulo, relacionado à reforma agrária, segurança jurídica e regularização fundiária. A Lei 17.557, de 2022, autoriza o governo estadual a celebrar acordos administrativos ou judiciais para regularizar terras públicas desocupadas. O que isso significa na prática?

Guilherme Piai: Na prática, a Lei 17.557 foi extremamente significativa para o estado de São Paulo, trazendo segurança jurídica e estabilidade no campo. O governador Rodrigo Garcia aprovou essa lei na Assembleia Legislativa no ano passado, e em 2022 ela foi devidamente regulamentada por meio de seu decreto. Acredito que essa legislação terá um impacto transformador em duas regiões muito carentes do estado, em especial o Pontal do Paranapanema, que há muito tempo sofre com a falta de segurança jurídica. Essa lei permite acordos judiciais, pois muitos proprietários adquiriram suas fazendas confiando na documentação fornecida pelos cartórios, que atuam como representantes do Estado no âmbito imobiliário. Ao comprar uma propriedade, é crucial verificar se a documentação está devidamente regularizada no cartório. Contudo, posteriormente, a Procuradoria Geral do Estado passou a propor ações discriminatórias para tornar essas áreas devolutas. Atualmente, a própria Procuradoria percebeu que é muito mais vantajoso buscar acordos. Por quê? Primeiro, o Estado arrecadará valores significativos. Os proprietários pagam de 10% a 40% do valor da terra para regularizar a matrícula de suas propriedades. Portanto, o Estado arrecadará bilhões e economizará outros bilhões, pois, mesmo se o Estado ganhasse as ações e reivindicasse as áreas devolutas, teria que indenizar os proprietários pelas benfeitorias, que podem chegar a 60% do valor da terra. Estaríamos falando em bilhões em indenizações. Portanto, quando somamos os valores, a maioria dos proprietários está pagando entre 30%, 40% do valor da terra, enquanto o Estado economiza 50%, 60% referente às benfeitorias. 

CR: Então essa regularização beneficia não apenas os assentados e as áreas irregulares, mas também o Estado.

Guilherme Piai: Com certeza, vários estados implementaram essa regularização de forma gratuita por meio de leis estaduais. É uma prerrogativa do Estado criar leis e cuidar de seu próprio patrimônio. Essa lei respeita o limite constitucional de 2.500 hectares, conforme estabelecido no artigo 188 de nossa Constituição. Propriedades de até 2.500 hectares podem ser alienadas. No caso do estado de São Paulo, a cobrança dessas terras gera recursos que são direcionados para políticas sociais, saúde e educação. Portanto, o Estado resolve litígios, arrecada bilhões e evita pagar bilhões em indenizações. Um exemplo disso é o Incra, que no governo Bolsonaro pagou R$ 6,2 bilhões em precatórios para proprietários desapropriados. Esses proprietários não concordaram com o valor das avaliações, e isso poderia se tornar um problema enorme para o estado de São Paulo. Além disso, o Tarcísio determinou que, pela primeira vez no estado, todos os assentados receberão títulos de propriedade.

CR: Vocês têm uma estimativa de qual é a área ou o perímetro que pode ser regularizado? Existe potencial para entrar nesse programa?

Guilherme Piai: Atualmente, temos 7.200 famílias assentadas no estado. Elas ocupam 154 mil hectares de terra e vão pagar apenas 5% do valor da terra nua. Isso equivale a cerca de R$ 600 por hectare. O pagamento será feito ao longo de dez anos, e eles terão a oportunidade de registrar as terras individualmente em cartório. O primeiro registro é gratuito. Quanto aos médios produtores, existe uma lei criada pelo governador Geraldo Alckmin, que é atualmente vice-presidente da República. A Lei 11.600 propôs a regularização de médios proprietários na região do Vale do Ribeira. E o Rodrigo Garcia criou, há 17 anos, uma lei para grandes proprietários. Portanto, atualmente, o estado de São Paulo tem leis que fornecem segurança jurídica tanto para pequenos, médios quanto para grandes produtores. Nosso objetivo é proporcionar paz para as pessoas trabalharem e segurança para investirem em suas propriedades, independentemente do tamanho do produtor.

CR: Com essa magnitude, você mencionou um dado de 150 mil hectares, mas isso inclui pequenos, médios e grandes proprietários?

Guilherme Piai: Não, esses 150 mil hectares são apenas referentes aos assentados. Quando falamos da Lei 17.557, que permite a regularização de propriedades com mais de 15 módulos fiscais (acima de 450 hectares), estamos falando de aproximadamente mais 400 mil hectares de terra. Portanto, o Estado arrecada bilhões, investe em políticas sociais e evita disputas jurídicas. O Estado já perdeu várias ações relacionadas a essas terras devolutas. A Procuradoria Geral do Estado propôs ações em quase 40% desses perímetros devolutos, mas o Estado acabou perdendo. Isso resultou em anos de litígio, visitas, contratação de funcionários, perícias e, no final, ainda precisa pagar as despesas legais quando perde as ações.

CR: Quando o Estado perde, a sociedade perde. É um aspecto importante a ser destacado sempre.

Guilherme Piai: As regiões do Vale do Ribeira e do Pontal do Paranapanema são as mais pobres de São Paulo devido à falta de segurança jurídica. O Pontal é uma das melhores fronteiras agrícolas do Brasil, com quase 1 milhão de hectares disponíveis para integração lavoura-pecuária. No entanto, conflitos agrários e insegurança jurídica condenaram a região à pobreza. Muitas agroindústrias fecharam, empregos foram perdidos e conflitos agrários resultaram na retirada de milhares de cabeças de gado. Era hora de alguém ter coragem para resolver esse problema secular. Com as três leis para pequenos, médios e grandes produtores, agora temos a oportunidade de trazer paz e segurança jurídica para o campo.

CR: Estamos falando de meio milhão de hectares passíveis de regularização, abrangendo assentados, pequenos, médios e grandes produtores. Poderia nos dizer qual é a média de tamanho das propriedades nesse meio milhão de hectares?

Guilherme Piai: Os pequenos proprietários possuem até 20 hectares, os médios possuem de 20 a 450 hectares e os grandes têm mais de 450 hectares, ou seja, abrange todos os estratos. Agora temos três leis em vigor no estado de São Paulo que proporcionam segurança jurídica. Por isso, afirmo que não há espaço para invasões de terra no estado de São Paulo, nem no Brasil. Isso vai contra a nossa Constituição. A invasão de propriedade privada é crime, e temos uma reforma agrária que pode ser feita da maneira correta.

CR: E essas propriedades são dedicadas a quais atividades? Hortifrúti, cana-de-açúcar, soja, grãos, pecuária?

Guilherme Piai: Cada produtor analisa a aptidão da sua região e escolhe a atividade em que possui vocação para produzir. Eles têm liberdade nessa escolha.

CR: Você falou do Vale do Paraíba e do Pontal do Paranapanema, que são as regiões que podem ser mais impactadas com o benefício desse programa. Vocês têm uma meta para o segundo semestre?

Guilherme Piai: Esse programa marcou o início de nossa gestão. Começamos em fevereiro e agora completamos aproximadamente 120 dias. Ainda temos centenas de milhares de hectares a regularizar, mas demos o pontapé inicial. Quando assumimos, não havia nenhuma matrícula aberta em cartório para titular os assentados. Hoje, já temos centenas de matrículas abertas. Além disso, nenhum processo de regularização fundiária, especificamente o 557, estava em andamento. Agora, já concluímos vários. Essa lei exige um rigor muito grande e uma documentação completa. É necessário apresentar ao CCR laudo da função social e laudo da produtividade. A questão ambiental também precisa estar completamente resolvida. Em seguida, o Itesp reúne toda essa documentação e envia para a Procuradoria Geral do Estado, um órgão de muita credibilidade, que analisa minuciosamente o processo. Se estiver tudo perfeito, então é concedido o título ao proprietário.

CR: Essa participação no programa de regularização é compulsória para o produtor? A lei obriga o produtor a regularizar sua área ou não? Muitas vezes, surge o receio de quem está na ponta: “Vou perder minha área? Terei problemas?”. Como vocês abordam essa questão? É mais uma questão de conscientização e orientação?

Guilherme Piai: Estamos deixando muito claro que o decreto que regulamenta a lei possui um prazo de vigência, o qual está em vigor. Portanto, é de extrema importância que todos que tenham a oportunidade de participar desse processo para chegar a um acordo com o Estado o façam. É uma chance única de resolvermos conflitos agrários seculares. Muitos processos já estão quase concluídos no teste. No entanto, como mencionei, a lei é muito rigorosa e é necessário reunir toda a documentação. Estamos divulgando e pedindo a todos que possam nos ajudar a conscientizar os proprietários que estão em áreas devolutas no estado de São Paulo para regularizarem suas propriedades, a fim de que o Estado não questione mais a validade de suas matrículas. Isso possibilitará que eles busquem crédito em bancos e tenham segurança para investir em suas propriedades, como instalar sistemas de irrigação por pivô, por exemplo. Eles precisam dessa segurança jurídica.

CR: Não se trata apenas de conceder um título de terra e regularizar a situação, especialmente quando se trata de assentamentos de pequenos produtores. Eles precisam de recursos para investir em infraestrutura. Há também a questão da assistência técnica e extensão rural, que desempenham um papel crucial nesse contexto. Além disso, a inclusão digital é fundamental para esses assentados.

Guilherme Piai: Completamente. A reforma agrária vai além de simplesmente entregar um pedaço de terra, porque no setor agrícola existem duas maneiras de ter sucesso: por escala ou agregar valor à produção. Os assentados já estão limitados fisicamente devido ao tamanho reduzido de seus lotes, então é necessário que eles agreguem valor aos seus produtos. Isso implica em produzir de forma diferenciada e embalar de maneira diferenciada. Além disso, eles precisam entregar diretamente ao consumidor final, cortando intermediários. No entanto, para que isso aconteça, eles precisam de suporte, de crédito, de profissionais técnicos como agrônomos e veterinários. O Brasil precisa entender que é hora de parar de segregar e excluir. Essa guerra ideológica entre o agronegócio e a reforma agrária precisa acabar, pois ambos devem caminhar juntos da maneira correta. No Itesp, por exemplo, permitimos uma parceria entre agroindústrias e assentados. Como funciona? A agroindústria pode usar até 70% do lote do assentado, gerando uma receita anual digna que proporcionará prosperidade. Muitos assentados estão mais velhos, aposentados, e seus filhos já partiram. Eles não têm mais a capacidade física de produzir em seus lotes. Então, aproveitamos essas terras improdutivas e estabelecemos parcerias com as agroindústrias. Dessa forma, o assentado terá essa receita anual, enquanto os outros 30% restantes do lote são utilizados pela agroindústria, que, por sua vez, oferece suporte técnico com veterinários, agrônomos e engenheiros. Assim, a agroindústria ajuda o assentado a se profissionalizar nesses 30% restantes. É melhor produzir com qualidade e profissionalismo em 30% do que ser amador em 100%.

CR: Guilherme, você está mencionando a importância de fornecer condições e suporte para criar um ciclo virtuoso e autossustentável nesse processo de assentamento, reforma agrária, titulação e legitimação correta das áreas.

Guilherme Piai: Exatamente. Ao conceder o título de terra, valorizamos o patrimônio do produtor, dando-lhe liberdade. Estabelecemos essa parceria que proporciona uma receita de cerca de R$ 40 mil a R$ 50 mil por ano. Quando dividimos essa receita em 12 meses, percebemos que estamos proporcionando dignidade a essas famílias. Estamos distribuindo renda, fornecendo títulos de propriedade e oferecendo crédito por meio do FIP, um financiamento disponibilizado pelo estado de São Paulo para os pequenos produtores. O Itesp ajudou os assentados a captar 40 milhões de reais neste ano de 2023.

CR: Estamos discutindo os aspectos econômicos e sociais de todo esse trabalho que você está apresentando, abrangendo desde a regularização de áreas até parcerias que oferecem opções alternativas para o campo.

Guilherme Piai: Exatamente. Quando implementamos essa portaria de parceria entre agroindústrias e assentados, muitas pessoas ficaram um pouco receosas. No entanto, ela tem sido um grande sucesso. A parceria é uma escolha do próprio assentado, eles são livres para decidir. Se eles já produzem em seus próprios lotes e não precisam dessa parceria, não há problema. Agora, existem muitas situações, especialmente na região do Pontal, onde ocorreram geadas e infestação de cigarrinhas que destruíram as pastagens e os assentados não tinham condições de adubar ou reformar essas áreas. Essa parceria permitiu que eles tivessem liberdade para produzir em seus 30% de terras e, ao mesmo tempo, obtivessem uma receita fantástica com os outros 70%.

CR: O governo do estado e a Faesp têm trabalhado intensamente para coibir as invasões de terras. Você acredita que esse programa de regularização e todas essas alternativas que discutimos, juntamente com o apoio do Estado, são uma solução para lidar com a reforma agrária de forma mais racional?

Guilherme Piai: Com certeza.

CR: E nesse sentido, também gostaria de falar sobre o diálogo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. Você mencionou em determinado momento da entrevista que precisamos acabar com esses polos. Precisamos conversar, dialogar para encontrar um denominador comum, certo?

Guilherme Piai: O governo Tarcísio tem o diálogo como marca registrada. Então, há diálogo? Sim. Tratamos todos com respeito, mas o governador também tem uma posição firme. Não será tolerada a invasão de propriedades no estado de São Paulo. Ele afirmou isso na feira da ABCZ em Minas Gerais e no Agrishow, em Ribeirão Preto. O que tenho observado é que tivemos poucas invasões no estado de São Paulo durante o chamado “carnaval vermelho”, que visava cumprir a agenda dos movimentos sociais. Além disso, o número de pessoas envolvidas foi bastante reduzido e não houve depredação de patrimônio ou propriedades. As reintegrações de posse foram conduzidas rapidamente e a Polícia Militar agiu com muita eficiência, garantindo que todos os proprietários tivessem suas situações jurídicas resolvidas. A Faesp tem nos ajudado nisso e acredito que, com as leis que o estado de São Paulo possui, não há espaço para invasões de terra. Queremos proporcionar segurança jurídica para todos e é possível realizar a reforma agrária da maneira correta, sem invadir propriedades.

CR: Para os produtores interessados em concluir o processo de regularização até o final do ano, qual é o caminho que eles devem seguir inicialmente?

Guilherme Piai: Eles só precisam acessar o site do Itesp, onde encontrarão todas as informações e os processos necessários. Caso tenham alguma dúvida, também podem entrar em contato com nosso telefone fixo, que está disponível em nosso site. Através do site, eles poderão acompanhar o passo a passo e também encontrar os e-mails dos nossos profissionais para esclarecer quaisquer dúvidas. O caminho se torna bastante simples ao acessar nosso site.

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