Agricultura

Técnicas de conservação garantem produção agrícola em solos arenosos

Práticas adotadas aumentam a produtividade, reduzem custos e ainda contribuem para a sustentabilidade ambiental

Agricultores familiares do Juruá, uma das cinco regionais que formam o estado do Acre, apostaram no manejo conservacionista para recuperar a fertilidade de solos arenosos improdutivos e tornar as lavouras mais rentáveis. Segundo os resultados de pesquisa desenvolvida pela Embrapa, a produção de mandioca mais do que dobrou e a de feijão-de-corda (feijão-caupi) e o milho superaram em cinco vezes a produtividade de cultivos tradicionais. Além de aumentar a produtividade, as práticas agrícolas sustentáveis recomendadas pela Embrapa reduziram o custo de produção e trouxeram sustentabilidade ambiental para a atividade.

Os solos do Juruá são predominantemente arenosos, contendo percentuais de areia entre 50% e 70% na sua composição. Devido à textura leve e ao reduzido teor de matéria orgânica, características que ocasionam a perda de água e nutrientes, os solos arenosos apresentam baixa fertilidade e elevada acidez, o que dificulta a agricultura. Submetido a práticas inadequadas de manejo, como o uso do fogo no preparo das áreas para os plantios, esse recurso natural degrada rapidamente. 

Foto: José Oliveira do Nascimento

Os estudos com manejo conservacionista são fruto de um trabalho da Embrapa, desenvolvido em parceria com a Universidade Federal do Acre (Ufac), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), instituições estaduais e municipais de fomento agrícola e agricultores do município de Mâncio Lima, com o objetivo de fortalecer a produção familiar. Especialistas testaram diferentes técnicas de manejo conservacionista, como plantio direto na palha, uso de plantas de cobertura e rotação de culturas, para validar e recomendar um sistema adequado aos solos arenosos de Juruá. O modelo avaliado possibilita uma agricultura sem fogo, revolvimento mínimo da terra, solo protegido, redução no uso de insumos e diversidade de cultivos.

Segundo o pesquisador da Embrapa Acre, Falberni Costa, responsável pelos estudos, com base nesses critérios foram avaliados esquemas distintos de adubação controlada e correção da acidez do solo, associados ao plantio direto e ao cultivo de gramíneas e leguminosas, em sistema de rotação com culturas agrícolas. Tanto a qualidade do solo como a produtividade das lavouras apresentaram melhoria desde as primeiras avaliações.

Além de devolver a capacidade produtiva do solo e elevar o desempenho das culturas, o manejo conservacionista possibilita manter a fertilidade das áreas recuperadas e permite o uso contínuo da terra, com cultivos sucessivos, maior oportunidade de geração de renda na propriedade, menor custo de produção e benefícios para o meio ambiente. Esses aspectos confirmam o sistema como alternativa para uma agricultura familiar mais produtiva e sustentável”, conta Costa.

Imagem: Fabiano Estanislau

Implantação do sistema

Segundo o técnico Manoel Delson Campos, que acompanha os agricultores do Juruá desde o início das pesquisas, a produção conservacionista envolve uma série de cuidados com a área que receberá os plantios agrícolas e as plantas de cobertura, trabalho realizado em diferentes etapas. O primeiro passo é limpar o terreno, com retirada de tocos e outros resíduos que possam dificultar a implantação do sistema.

“Outra etapa importante é a realização de análises químicas e físicas, a partir de amostras coletadas em pontos distintos do terreno, para conhecer as condições de fertilidade do solo e a necessidade de correção dos níveis de acidez e de adubação. As análises laboratoriais indicam os tipos de nutrientes e as quantidades adequadas para o solo, informações que proporcionam o uso racional de insumos e evitam gastos desnecessários”, afirma.

Após o plantio direto, ou seja, a semeadura das espécies agrícolas em solo não revolvido, as plantas de cobertura podem ser cultivadas em esquema de rotação ou consorciadas entre si ou com culturas agrícolas de interesse comercial.  A manutenção dos resíduos das culturas, que antes eram queimados na agricultura tradicional, é outro requisito para conservar o solo coberto e protegido e desenvolve papel crucial no processo de recuperação da fertilidade.

Resultados

O uso do fogo na agricultura ainda é uma tradição em propriedades rurais familiares do Juruá e outras localidades da Amazônia. O corte e queima da vegetação para limpar o terreno a ser cultivado, a cada ciclo agrícola, associado à ausência de práticas de adubação e correção, reduz ainda mais a qualidade do solo, especialmente os arenosos, e acelera o processo de degradação.

O agricultor Sebastião Oliveira, morador do município de Mâncio Lima, aderiu à produção conservacionista, há mais de uma década, boa parte do solo de sua propriedade estava improdutivo. Ele conta que sempre cultivou mandioca para a produção de farinha, no sistema tradicional de derrubada e queimada, mas viu a propriedade perder a capacidade produtiva.  Antes da parceria com a Embrapa, a produtividade de mandioca era de dez toneladas por hectare.

“Com o manejo conservacionista, tenho solos de qualidade e a produtividade da cultura melhora a cada ano. Na safra 2020/2021 produzimos 25 toneladas de raízes por hectare, um aumento de 150% no desempenho produtivo da lavoura, em relação à agricultura tradicional. Com solos férteis pude diversificar a produção com cultivos de milho e feijão-caupi, culturas que eram inviáveis na propriedade. A produtividade dessas culturas saltou de mil quilos para 5 mil quilos por hectare. Abandonei a agricultura de corte e queima e tornei minha propriedade mais produtiva. Acredito que esse é o caminho para a agricultura familiar”, ressalta o produtor rural.

Segundo o pesquisador Falberni Costa, além do uso permanente do solo, independentemente da escala dos cultivos, na agricultura conservacionista a melhoria na produção é contínua, enquanto na agricultura de corte e queima o tempo máximo de uso de uma área é de quatro a cinco anos e, já no terceiro ano, a produção reduz 50% devido ao esgotamento do solo. “Com as práticas conservacionistas é possível intensificar as atividades produtivas com diferentes culturas, aumentar a produção e melhorar a renda familiar sem abertura de novas áreas, fatores que reduzem a pressão sobre a floresta”, declara.

Imagem: Fabiano Estanislau

Etapas da pesquisa

Desenvolvidas por meio de Unidades Demonstrativas e implantadas em propriedades rurais familiares, as pesquisas com manejo conservacionista contemplam o cultivo, em uma mesma área, de culturas agrícolas de importância econômica para o Juruá e que garantem segurança alimentar. A primeira fase do trabalho, entre 2006 e 2014, estudou um modelo conservacionista com foco na produção de mandioca e milho. No manejo do solo foram utilizadas diferentes dosagens de calcário, fósforo e potássio, em momentos distintos dos experimentos.

O plantio de mandioca seguiu o calendário agrícola da região, realizado entre setembro e agosto. Já o milho, cultivado em duas épocas, rendeu uma safra convencional, de setembro/outubro a janeiro/fevereiro e uma segunda safra entre março e julho/agosto.

Após cada colheita, a área dos experimentos foi ocupada com duas espécies de planta de cobertura (mucuna (Mucuna aterrima Piper & Tracy) e sorgo forrageiro (Sorghum bicolor (L.) Moench) e permaneceu em descanso (pousio) até iniciar um novo ciclo agrícola.

A partir de 2015, além do foco na eficiência produtiva das lavouras, os estudos aumentaram a diversidade de cultivos. Os experimentos incluíram também avaliações com feijão-caupi, outra cultura relevante para a agricultura familiar no Juruá, e novas plantas de cobertura do solo. Os plantios agrícolas foram consorciados com as leguminosas feijão-de-porco (Canavalia ensiformes, DC), feijão-guandu-anão (Cajanus cajan (L.) Mill sp.) e crotalária (Crotalaria juncea, L.) e a gramínea milheto (Pennisetum glaucum, L.).

“Nos primeiros anos, o ganho em produtividade foi de 40% para a cultura da mandioca e 50% para o milho, em comparação com a agricultura de corte e queima. Na segunda etapa dos estudos, a produtividade média das culturas avaliadas aumentou 63% em relação à produção no sistema tradicional. “Além disso, o cultivo sequencial de culturas agrícolas, em uma mesma área, no mesmo ano/safra, reduziu custos na produção e gerou mais renda para as famílias. Esse resultado contribuiu para validar o sistema conservacionista como alternativa de produção para a região”, relata Costa.

Vantagens da produção conservacionista em solos

O manejo conservacionista envolve um conjunto de técnicas agrícolas de baixo impacto, que têm como preceitos básicos a menor perturbação possível do solo, a cobertura permanente da área cultivada e a rotação de culturas para promoção de uma agricultura sustentável, com melhoria na renda e no modo de vida dos agricultores.

Nesse modelo de produção, a técnica de plantio direto contribui para a formação de resíduos vegetais (palhada) na superfície do solo, processo que protege esse recurso da ação da chuva e dos raios solares, auxilia no controle da erosão e preserva a sua estrutura.  Já o cultivo alternado ou consorciado de espécies agrícolas com plantas de cobertura, especialmente associando leguminosas e gramíneas, aumenta os teores de matéria orgânica e nitrogênio no solo, ajuda a repor nutrientes, contribui com temperaturas e umidade ideais para as plantas e favorece a atividade biológica. Esses fatores promovem melhoria na fertilidade das áreas cultivadas e na produtividade das culturas.

“Além dos ganhos na produção agrícola, as técnicas conservacionistas diminuem gastos com combustíveis, maquinários e mão-de-obra, em função do reduzido processo de mecanização da terra ou ausência dessa prática. Outra vantagem é que, à medida que as práticas conservacionistas se intensificam, o uso de fertilizantes reduz cada vez mais, em decorrência da adubação natural (verde) proporcionada pelo cultivo de leguminosas, que fornecem nitrogênio e outros nutrientes para as lavouras”, destaca Costa.

Por evitar o uso do fogo e a queima de combustíveis fósseis, o manejo conservacionista também reduz emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) para a atmosfera. A pesquisa estimou que em 13 anos cada hectare cultivado nesse sistema deixou de emitir 1.536 toneladas de carbono equivalente (CO2e).  Além disso, o plantio direto e o cultivo de plantas de cobertura realizam, por processos distintos, a fixação de carbono no solo.

Adotada em larga escala, a tecnologia pode contribuir com o cumprimento de metas do Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (Plano ABC+), política pública coordenada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que visa reduzir em 1,1 bilhão de toneladas a emissão de carbono equivalente no setor agropecuário, até 2030, por meio da adoção de alternativas tecnológicas sustentáveis que possibilitem uma produção de baixo carbono.