É manhã em Chicago, terceira cidade mais populosa dos Estados Unidos. Mergulhados em um belo cenário com direito a um rio, prédios modernos e antigos, 2,7 milhões de habitantes encontram tempo e espaço para curtir momentos de lazer em família. O município não é a capital, mas é reconhecidamente a principal cidade de Illinois, um dos maiores Estados produtores de grãos do país. Só que pelas ruas, são poucas as pessoas que sabem o que acontece no meio rural. A patologista Suzie Foster é uma delas. Ela diz que ouviu falar sobre os problemas causados pela seca nas lavouras e como isso deve afetar a safra, mas admite que o assunto dificilmente é discutido pela população urbana.
Se a cidade ainda não sentiu os reflexos da pior seca dos últimos cinquenta anos, no campo não se fala em outra coisa. A poucos quilômetros de Chicago, na região de Yorkville, o agricultor Bill Wykes contabiliza as perdas. Foram mais de três meses de estiagem e temperaturas muito elevadas. A plantação de 180 hectares de milho foi castigada. A maioria das espigas não atingiu o tamanho esperado, e o prejuízo vai aparecer na hora da colheita.
Segundo Bill Wykes, sua família já planta na área há 135 anos e essa foi a primeira vez que ele e o irmão enfrentaram uma seca com essa dimensão. Ele recorda que o pai enfrentou um problema semelhante na década de 30, mas acredita que a seca dessa safra foi ainda pior.
– A minha família planta aqui há 135 anos e esta é a primeira vez que eu e meu irmão passamos por uma seca assim. Meu pai enfrentou uma seca semelhante na década de 30, mas para nós esta foi a pior. No início, o clima estava favorável e conseguimos plantar o milho muito cedo. Só que depois veio a seca e este é o reflexo. A produtividade vai cair pela metade – relata o produtor que é presidente da Associação dos Sojicultores de Illinois.
Além do milho, Bill Wykes também plantou soja. Foram 120 hectares ao todo. A lavoura sofreu com a seca, mas está conseguindo se recuperar com o retorno das chuvas. Aliás, este foi o retrato comum que encontramos na maioria das plantações do meio-oeste americano. Visitamos cinco dos nove Estados que formam o chamado Corn-Belt, a maior região produtora de grãos do mundo. Illinois, Missouri, Kansas, Iowa e Nebraska. Em praticamente todos o cenário é muito parecido.
Para Naildo Lopes, agrônomo e vice-presidente da Aprosoja (MT), que também viajou aos Estados Unidos, as perdas nas plantações do país são bem evidentes.
– O que vimos aqui nos EUA e, principalmente, nos Estados pelos quais passamos é que se confirmam as previsões de produtividade, principalmente com relação à soja e ao milho. A soja, proporcionalmente, menos que o milho em termos de perdas. Mas elas são bem evidentes. Notamos nos produtores um semblante melhor, porque, em razão da produtividade, os preços estão se ajustando, e isso continua, de certa forma, rentabilizando o produtor americano.
Mesmo diante da possível recuperação das lavouras de soja, a estimativa do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos é de que a quebra seja de 14% em relação à safra passada. No caso do milho, a produção deve ser 13% menor. Os americanos esperam colher 272 milhões de toneladas do cereal, 104 milhões a menos que as primeiras projeções feitas na época do plantio.
Apesar deste imenso impacto na produtividade das lavouras, os reflexos nos bolsos dos agricultores norte-americanos não devem ser nem um pouco parecidos com os sentidos pelos produtores do sul do Brasil, os quais enfrentaram uma terrível seca na última safra de soja. Um dos principais motivos é a ampla cobertura do seguro rural, que deve garantir ao menos parte da rentabilidade esperada por quem planta nos Estados Unidos.
O produtor rural Rob Shaffer sabe bem o que isso significa. O agricultor, que também vai colher menos este ano, é dono de uma agência que vende seguros aos produtores. Ele explica que as vendas e o gerenciamento do seguro são feitos por empresas privadas, como a dele, mas o governo americano subsidia parte do prêmio e também das despesas dessas agências. Os agricultores podem assegurar até 85% da área da lavoura.
A produtividade histórica da fazenda é usada como base. Se a média da propriedade for de 200 sacas de milho por hectare, por exemplo, e na colheita o rendimento chegar a apenas 100, o seguro vai pagar ao produtor o valor referente a todo milho que deixou de ser colhido na área assegurada. Outra vantagem é o preço do prêmio, que pode ser definido em fevereiro, durante o plantio, ou em outubro, após a colheita.
– Cerca de 75% dos produtores de Illinois fizeram o seguro rural. Quem não fez estava bem capitalizado após os últimos anos de boa produtividade. Agora, com a quebra desta safra, a procura deve aumentar muito. Conheço pelo menos cinco produtores da região que não tinham o seguro e que já disseram que vão fazer para o ano que vem – comenta Shaffer.
Além de manter o produtor no campo, o seguro vai garantir a rentabilidade esperada por muitos agricultores. Como as cotações explodiram, o prêmio vai ser elevado. Na fazenda da família Gaffner, a expectativa era produzir 156 sacas de milho por hectare, só que por enquanto a produção não chegou a 45. Mesmo assim, o saldo no fim da safra vai ser positivo.
– O valor que vou receber vai ser suficiente para quitar minhas dívidas, quitar todos os custos operacionais e ainda vai sobrar um lucro. Apesar de a produtividade ter sido muito ruim, a noite vou conseguir colocar a cabeça no travesseiro e dormir sossegado – diz Jerry Gaffner.
>> Canal Rural exibe série de reportagens sobre a seca nos Estados Unidos