O conflito no Estado só começará a ser resolvido com o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação Cível Ordinária 368-7, ajuizada em 1987, por pecuaristas que disputam com os kadiwéu a propriedade dos 155 mil hectares (um hectare equivale a aproximadamente a um campo de futebol) onde ficam as 12 fazendas ocupadas.
Para os procuradores da República Emerson Kalif Siqueira e Wilson Rocha Assis, que visitaram algumas das propriedades na sexta, dia 11, as fazendas estão dentro dos limites da Terra Indígena Kadiwéu, demarcada no início do século passado, e dos limites territoriais do município de Porto Murtinho.
O advogado de seis dos produtores atingidos pela ocupação, Carlos Fernando de Souza, garante ter documentos que demonstram que as fazendas ficam no município de Corumbá e não na cidade vizinha, Porto Murtinho, onde, alega o advogado, fica toda a área destinada pela União ao usufruto dos índios.
— As propriedades invadidas estão fora da área indígena de 373,024 mil hectares, que fica em Porto Murtinho e foi homologada em 1903, por meio de um ato governamental. Os 155 mil hectares sub judice ficam no município de Corumbá — disse o advogado, que já pediu à Justiça Estadual a reintegração de posse de sete propriedades. As primeiras audiências de julgamento dos pedidos estão agendadas para esta quinta, dia 17.
De acordo com Souza, os 155 mil hectares disputados na Justiça fazem parte de uma área de 726 mil hectares que, em 1921, o então Estado de Mato Grosso vendeu à empresa argentina Fomento Sudamericano. Posteriormente, a empresa revendeu uma parcela da propriedade a vários pecuaristas.
— Há, no total, 30 propriedades dentro dos 155 mil hectares em litígio no Supremo Tribunal Federal [STF] — declarou o advogado.
Ainda segundo Souza, em 1984, a Fundação Nacional do Índio (Funai) avançou sobre parte do território que não fazia parte da área já reconhecida como sendo indígena.
— A área indígena reconhecida e homologada (em 1903) era de 373 mil hectares. Os 155 mil hectares (invadidos nos últimos dias) já haviam sido vendidos e transmitidos a terceiros, portanto, jamais poderiam ter sido comprometidos. Como incluí-los no total (entre a área originalmente reconhecida) se não houve um novo processo de reconhecimento, dando origem à decantada terra indígena de 538 mil hectares, cuja matrícula foi registrada em Porto Murtinho, mas nunca foi homologada.
O coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Flávio Vicente Machado, refuta os argumentos do advogado dos fazendeiros.
— É uma falácia. Há uma farta documentação comprovando que o território sempre teve 538 mil hectares. Embora, na época, não houvesse como medir uma distância tão grande com tal precisão, há as referências geográficas. O que houve foi que o governo do estado aproveitou a demora para, entre o processo, conceder títulos aos fazendeiros — disse.