Há quem acredite que, um dia, o grão se tornará um subproduto do arroz. Considerando que o cereal é base da alimentação de mais da metade da população mundial, parece absurdo aceitar tal prognóstico. No entanto, as possibilidades de aproveitamento desse vegetal vão além dos limites gastronômicos. A casca do arroz pode ser matéria-prima para negócios lucrativos.
Em 2000, a indústria de beneficiamento Camil Alimentos, instalada em Itaqui (RS), percebeu que poderia reduzir custos se produzisse a energia que consumia. Investiu R$ 5 milhões para construir aquela que seria a primeira usina de biomassa de casca de arroz do Estado, com capacidade de 4,5 MW.
Com alto poder calorífico e regularidade térmica, o resíduo é matéria-prima para processos termelétricos com a vantagem de poluir bem menos o ambiente, ao contrário de recursos convencionais, como o carvão. Para se ter ideia, uma tonelada de casca equivale a dois barris de petróleo.
Segundo o engenheiro químico Gilberto Amato, pesquisador da Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), atrás de créditos de carbono, fundos de pensão da Suíça e da Alemanha transformaram o Rio Grande do Sul em fornecedor de fonte para energia limpa.
? O próprio Rudolf Diesel (inventor do motor a diesel) defendia a teoria de que o agronegócio tinha de ser independente em termos de energia. E a casca do arroz propicia isso para a indústria ? explica o pesquisador, autor de estudos bioquímicos sobre o cereal.
Produção de borracha, cimento e chips eletrônicos
Além do poder calorífico, a casca de arroz guarda uma propriedade preciosa. Nela, podem ser encontrados até seis vezes mais dióxido de silício (ou sílica) do que em outros cereais. Composto químico, cristalino e abundante na crosta terrestre, a sílica é responsável por uma espantosa versatilidade no uso da casca, a partir dela, pode-se produzir borracha, cimento e até chips eletrônicos.
Há 10 anos, o professor da Universidade de São Paulo (USP), Milton Ferreira de Souza, apresentou sua pesquisa na Associação Comercial e Industrial de São Borja (RS). Seu estudo indica que o composto aumenta a resistência da estrutura e reduz a espessura do concreto.
? A sílica possibilitará obras com maior espaço útil, economizando material ? analisa o professor.
O aproveitamento do dióxido de silício conquistou a atenção de empresas do Rio Grande do Sul. Em Alegrete (RS), a indústria de arroz Pilecco, além de gerar energia com a queima da casca, criou um método para extrair sílica das cinzas restantes do processo de combustão. O produto é revendido e a iniciativa rendeu à empresa os prêmios Leader Quality e Qualidade Brasil.
Outra característica da casca é seu poder de bloquear a incidência solar. Gilberto Amato explica que, não fosse o resíduo, o grão de arroz não se desenvolveria.
? A radiação esterilizaria a semente. Na casca, há um sistema que impede a passagem dos raios.
Ou seja, o extrato da casca de arroz pode ser usado como protetor solar.
Fibra vegetal para fabricação de materiais que substituem a madeira
Dentre as histórias de cientistas, pesquisadores e empreendedores que se dedicaram a estudar as formas de aproveitar o arroz, está a do engenheiro químico, Luiz Ângelo Cunha. Ele descobriu que a fibra da casca aumenta a resistência e as propriedades mecânicas de outros materiais com os quais estiver combinada.
? Passei dias em laboratórios e consegui comprovar as potencialidades do resíduo ? conta.
A ideia, então, foi utilizar a fibra vegetal como reforço em resinas termoplásticas para fabricação de materiais que substituem a madeira. Cunha apresentou o projeto ao Grupo Polisul, que trabalha com plantio de arroz e implementos agrícolas, com sede em Pelotas (RS), na região Sul. A partir de então, desde 2008, a Polisul passou a produzir perfilados de casca de arroz e fundou a empresa WPC Brasil para gerenciar o negócio.
A sigla WPC corresponde ao termo inglês wood plastic composities, que se refere a compostos poliméricos, usados no lugar de produtos madeireiros. Apesar dos compostos poliméricos não serem novidade, a adição de casca de arroz na combinação é pioneira. A tecnologia desenvolvida pelo engenheiro garante vantagens ao produto, como mais durabilidade e resistência a cupins e baixa absorção de umidade.
Atualmente, a WPC Brasil produz cerca de 65 mil metros lineares de perfilados por mês. No processo industrial, são utilizadas 45 toneladas de casca de arroz. A aplicação dos produtos pode ser vista em batentes de portas, deques e mobílias.
Entre outros negócios, a empresa fechou convênio com a Faculdade de Tecnologia Senai Cimatec da Bahia. A parceria venceu uma chamada pública da Financiadora de Estudos e Projetos de Inovação Tecnológica (Finep) para atender à Marinha do Brasil, construindo piers e marinas.
Além do cliente ilustre, agora diretor-industrial da WPC, Luiz Ângelo Cunha comemora uma outra recente conquista da empresa, o Prêmio Nacional de Inovação e Sustentabilidade 2010 ? Categoria Negócios, concedido, em junho, pelo projeto de transformação do resíduo em matéria-prima.
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