A nova configuração dos lares brasileiros foi detalhada por um levantamento elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em uma série de dados colhidos desde 1993 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Alguns números abrangem todo o país, e outros envolvem as grandes regiões, mas não foram divulgados dados estaduais no estudo.
Além de registrar um avanço de 28,57% na proporção de homens que assumem a criação dos filhos no país e de 46,19% no índice de mulheres que abraçam a administração familiar entre 1993 e 2006, o trabalho intitulado Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça revela as variações na condição de vida dos brasileiros conforme seu sexo e cor da pele.
Em resumo, embora em quesitos como educação e renda tenha diminuído a distância entre brancos e negros de ambos os sexos, a raça ainda é um fator determinante para a qualidade de vida nacional. No âmbito da educação, por exemplo, a proporção de negros de ambos os sexos em idade escolar devidamente matriculados cresceu entre 1996 e 2006, mas continua inferior à escolaridade dos brancos.
A igualdade é maior no Ensino Fundamental, nível em que a taxa de escolarização (adequação entre idade e série freqüentada) é de 95,7% entre os brancos e de 94,2% entre os negros. Já no Ensino Médio, o abismo educacional aumenta para 58,4% e 37,4%, respectivamente. Uma década antes, porém, o índice de negros em idade para cursar o nível Médio que se encontravam matriculados era de apenas 13,4%.
Pobreza assombra mais os negros dos que os brancos
O acesso à educação se reflete na renda. Mesmo que os homens brancos tenham perdido rendimento no período de 10 anos avaliado pelo levantamento (de R$ 1.264 para R$ 1.181), ainda ganham mais do que os R$ 583 recebidos em média pelos negros. No caso da desigualdade envolvendo os sexos, mesmo uma maior escolaridade das mulheres não lhes garante melhores pagamentos em comparação com os homens ? ficam com R$ 742 mensais.
Como resultado do preconceito econômico, o Ipea aponta que a pobreza ainda é um fantasma que assombra conforme o tom da pele. Um terço do contingente negro se encontra nessa precária faixa social no país ? praticamente o dobro da proporção entre os caucasianos. Na Região Sul, a pobreza entre os negros recuou 42,9%, acima da média nacional, mas ainda é o dobro em comparação com os brancos.
A pesquisa ainda revela que, entre 1993 e 2006, o número de pessoas que se consideram negras subiu de 42% para 46%. Os números variam em todas as regiões do país e grupos populacionais.
Ildo José Puhl, 36 anos, levanta todos os dias antes das 6h para passar as roupas dos três filhos, vesti-los e deixá-los prontos para a escola.
O morador de Ivoti, no Rio Grande do Sul, é um tipo de pai ainda pouco freqüente no país, mas em crescimento: aquele que cuida sozinho dos filhos. Entre 1993 e 2006, famílias em que o homem assumiu a responsabilidade pelas crianças, sem presença da mulher, cresceram 28,57%, segundo o estudo do Ipea. Eram 2,7% do total das famílias em 2006, contra 2,1% em 1993.
? Dá para perceber que está aumentando o número dos pais que assumem o cuidado dos filhos. Os homens estão querendo cada vez mais ficar com esse papel ? afirma Sérgio de Moura Rodrigues, representante no Estado da Associação de Pais e Mães Separados.
Para os pesquisadores do Ipea, trata-se de um indício de mudanças comportamentais no padrão do comportamento masculino. Os homens estariam assumindo a responsabilidade tanto pela provisão, tarefa considerada masculina, quanto pelo cuidado, atividade tradicionalmente relegada às mulheres.
? Isso pode indicar uma mudança na percepção social de atividades que historicamente eram consideradas femininas ou masculinas ? diz a pesquisadora do Ipea Natália de Oliveira Fontoura.
Depois de separar-se da mulher, há pouco mais de um ano e meio, Puhl assumiu total responsabilidade por Igor, 12 anos, Iago, oito anos, e Isla, quatro anos. Até mudou de trabalho, virando vendedor de água mineral, para ter maior flexibilidade de tempo e ficar mais disponível para a prole.
? Minha vida mudou muito, mas quando a gente ama os filhos acima de tudo, não é tão difícil. É bastante trabalho, mas vale a pena, porque não existe nada mais importante do que os filhos ? afirma Puhl.
Hoje, além do trabalho, o vendedor responde pelas funções domésticas elementares. Não economiza dedicação para desempenhar tarefas como cozinhar, lavar roupa e limpar a residência. Faz de tudo para estar sempre em casa ao meio-dia, preparar o almoço e realizar a refeição com as crianças.
Também morador de Ivoti, o microempresário Dércio Schneider, 44 anos, passou a viver experiência parecida seis anos atrás, quando se separou da mulher. Ficou com os filhos Moisés e Daniela, que hoje têm 14 e 24 anos. Teve de aprender a executar tarefas com as quais não tinha intimidade, como lavar a roupa e escolher o traje do filho.
? Dobrou o meu trabalho, mas tudo bem. Um amigo meu reclama que odeia ter de fazer supermercado com a mulher. Eu digo para ele que a minha situação é pior, porque faço sozinho ? brinca o pai.
Moisés, aluno de 8ª série, diz ser o único entre os seus amigos que ficou com o pai depois da separação do casal.
? É um pouco diferente. Meu pai se esforça bastante. Tentar dar tudo para a gente ? elogia.