Reconhecida como uma das maiores autoridades mundiais em microbiologia, a pesquisadora da Embrapa Soja Mariangela Hungria faz um alerta quanto à produção indiscriminada “on farm”.
De acordo com a especialista, a multiplicação de organismos vivos para uso como bioinsumos não é tão simples como parece.
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“Temos feito análise de vários produtos ‘on farm’ há quatro anos, entrando no quinto. Eu posso falar que até hoje a gente não encontrou sequer um produto ‘on farm’ que não tivesse um problema, seja de contaminação, de baixa concentração de células etc.”, disse, em consulta da Associação Brasileira das Indústrias de Bioinsumos (Abinbio).
A pesquisadora, que atua há mais de 40 anos e se tornou referência no setor, afirma que a microbiologia “é uma coisa muito específica, não é a mesma coisa que você misturar químicos, ou você fazer uma compostagem, ou algo assim”.
De acordo com Mariangela, esse campo da pesquisa exige pureza. “Os inoculantes com registro podem ser montados no comércio se eles tiverem contaminante. É muito difícil, você precisa ter um ambiente totalmente asséptico, conhecer microbiologia, saber que aquela estirpe que você está usando é realmente aquela que a pesquisa deu”.
Aplicação pelo produtor
Mariangela acredita que o agricultor brasileiro não possui tempo hábil para conduzir todos os processos necessários à fabricação de bioinsumos seguros e produtivos.
“O pequeno, médio ou grande agricultor até pode montar uma biofábrica, contratar profissionais, e talvez isso abaixe os custos. Por exemplo, no caso dos inoculantes, o Brasil é o mais barato do mundo, então realmente ele tem que fazer as contas na ponta do lápis para ver se ele realmente está economizando em montar toda uma infraestrutura para produzir os biológicos”.
Problemas de qualidade nos biológicos
Em suas décadas de pesquisa em microbiologia, Mariangela destaca que é importante estar atento não apenas ao custo e segurança, mas também à qualidade e eficiência dos produtos biológicos.
“O mais importante é garantir que os biológicos são aquilo que o agricultor precisa e espera que sejam”, alerta ela.
“Vemos muitos problemas de contaminações graves de patógenos, de doenças de plantas, doenças de animais, doenças ao homem – isso é uma coisa que temos que cuidar. Além disso, para os insumos biológicos, há também a preocupação com as doses”, ressalta a pesquisadora da Embrapa Soja.
Exemplo disso é o Azospirillum, usado na coinoculação da soja. “É preciso uma dose na semente (dessa média que tem no mercado hoje de concentração) e duas no sulco. Não pode passar disso, porque a quantidade de fito hormônios produzido é tão grande que pode, em vez de estimular, inibir o crescimento das raízes”.
De olho na contaminação
A pesquisadora destaca que o agricultor brasileiro tem o direito de produzir, mas também tem “o dever de produzir coisas de qualidade”.
Nesse sentido, ela aponta o problema da contaminação. “Os microorganismos não conhecem cerca, então se você espalhar um patógeno em sua propriedade, ela vai para propriedade do vizinho”.
Mariangela ressalta que há, também, o risco de exportar commodities agrícolas com contaminação. “Sabemos que está sendo muito aplicado [bioinsumos] em frutas do Vale São Francisco, que estão carregando patógenos. Isso pode ser detectado lá no exterior e dar problema em nossas exportações. Por isso, precisamos de regulamentação”, conclui.