A escassez se reflete na alta nos preços futuros. Por exemplo, os preços do café arábica subiram 78% neste ano, com a pior seca em décadas no Brasil, maior produtor e exportador mundial. A produção de café na América Central, região que cultiva algumas das variedades mais caras do grão, teve queda estimada de 25% nas duas últimas temporadas, por causa de um surto da doença conhecida como ferrugem do café.
Para ilustrar o aumento da exigência dos consumidores, uma pesquisa recente feita pela Associação Nacional de Café dos Estados Unidos mostrou que 34% dos americanos que tomam café consumiram algum tipo gourmet da bebida no dia anterior. Um ano antes, essa fatia era de 31%. Ao mesmo tempo, o consumo de café não-gourmet caiu 4 pontos porcentuais, alcançando 35%, desde a pesquisa do ano passado.
A corrida pelos melhores grãos aumenta as apostas em uma disputa de qualidade entre os produtores, importadoras, torrefadoras e outros compradores. Mesmo com algumas alterações, os atuais contratos no mercado norte-americano de café foram elaborados há mais de uma década, antes que muitas torrefadoras começassem a viajar frequentemente para áreas produtoras de café para escolher pessoalmente os melhores grãos.
Dessa forma, não fica claro nos contratos quem é o responsável quando o café chega com má qualidade: o comprador que encontrou o produtor e selecionou lotes específicos, a importadora que transportou o café ou o produtor.
Membros da indústria de café estão fazendo pressão para que seja utilizada uma nova linguagem nos contratos. O pedido é por um aumento dos padrões de qualidade e especificação sobre quem é responsável quando o lote entregue não condiz com as expectativas.
Ric Rhinehart, diretor-executivo da Associação de Cafés Especiais da América, afirma ter pedido um “processo de arbitragem refinado” a membros da associação industrial que supervisiona as regras da maior parte do comércio americano, para “acomodar gradações de qualidade”.
A Green Coffee Association, grupo comercial cujos membros incluem empresas alimentícias como J.M. Smucker, Nestlé e grandes tradings de commodities como a Louis Dreyfus Commodities, está discutindo como alinhar melhor os seus contratos com as necessidades da indústria especializada, segundo membros do grupo.
Um dos problemas que os operadores e torrefadoras estão avaliando é como lidar com os métodos exigentes da indústria especializada.
Torrefação francesa
– Por enquanto, tudo é feito informalmente – disse Michael Johnson, presidente da JBC Coffee Roasters. Ele afirma que a empresa perdeu US$ 15 mil em lucros em uma disputa sobre 100 sacas de café de uma propriedade de El Salvador, em 2012, cujo café “carecia de um gosto doce e sabores multidimensionais”. Ele teve que usar a torrefação francesa no café – uma torrefação escura que não é ideal para esse tipo mais caro – para não perder o lote, uma atitude que ele considera uma “blasfêmia”.
Luis Araujo, membro da quinta geração de produtores de El Salvador e que produziu o café, culpou a umidade e refrigeração do contêiner transportador pelo problema no gosto. Ambos afirmaram ser favoráveis a um contrato que seja mais específico quanto ao responsável por problemas na qualidade do café.
Por décadas, o comércio de café era simples. Grandes torrefadoras que produziam as latas e embalagens de café e que dominavam as prateleiras pediam os grãos a uma importadora, que costumava ser uma multinacional. O preço pago dependia principalmente de notas gerais de qualidade, do local onde o café havia sido produzido, tipo de processamento e número de defeitos – grãos descoloridos ou quebrados, por exemplo – em cada saca.
Mas a situação mudou. Mesmo que grandes carregamentos ainda sejam comuns, muito café é comprado por pequenas empresas independentes, em pequenos lotes, não mais em sacas como milho, trigo ou açúcar.
Torrefadoras especializadas demandam café de uma fazenda específica, e eventualmente até de determinada área de uma fazenda.
Quando surgem disputas, elas costumam ser resolvidas a portas fechadas, sendo que a maior parte dos problemas é com os preços e atrasos na entrega. Isso porque a indústria do café depende fortemente de relacionamentos, e manter o nome é fundamental para manter os clientes.
Os problemas, porém, podem se tornar mais complicados, principalmente quando torrefadoras ou outros compradores negociam diretamente com os produtores. Essas disputas podem colocar os torrefadoras contra os produtores, e vice versa, deixando as importadoras no meio.
Importadoras “realmente não estão bem protegidas, se estiverem protegidas de alguma forma,” afirma Andi Trindle Mersch, da Atlantic Specialty Coffee, da Califórnia. Mersch, cuja empresa é uma unidade da Switzerland’s Ecom Agroindustrial Corp., um dos maiores negociadores de café do mundo, defende um contrato multilateral para abordar questões de comércio direto, quando uma torrefadora compra café de um produtor e a qualidade não corresponde ao padrão determinado no acordo.
Cup score
Johnson, da JBC Coffee Roasters, diz que contratos mais específicos, que determinem penalidades quando a qualidade fica abaixo de certo nível, dariam a ele “maior chance de defesa” quando ele recebe grãos menores.
Alguns executivos da indústria de café também querem formar um grupo de especialistas que poderia julgar os grãos com base em um sistema de 100 pontos, conhecido como “cup score”, usado pela indústria especializada, e estimular sanções quando a qualidade cai.
Alguns compradores argumentam, no entanto, que mesmo se descontos forem garantidos, o acordo não seria suficiente para excluir um lote ruim.
– Você pode ir à arbitragem, e isso vai te dar um desconto de 10 ou 20 centavos – diz Thompson Owen, um comprador da Sweet Maria’s Coffee, da Califórnia, empresa que vende café verde para as torrefadoras.
– Mas para nós, se não há qualidade, o café não vale nada.