Berrante pantaneiro sai do campo e ganha espaço em orquestra de Mato Grosso

Instrumento divide palco com violinos, violoncelos, percussão e violaVocê provavelmente já ouviu falar do berrante pantaneiro, instrumento usado na condução da comitiva. Pois é, mas em Mato Grosso este símbolo do pantanal saiu das estradas rurais e foi parar no meio de uma orquestra. E olha, o resultado foi surpreendente. O Rural Revista foi conferir de perto esta história.

Ao toque do berrante, a comitiva seguiu o caminho ditado pelo peão. Numa sincronia mágica,centenas de animais cruzaram a estrada, guiados pelo som inconfundível do instrumento. Os toques, que dão ritmo à caminhada ,encantam e ajudam a compor o retrato, o cenário característico do pantanal.

Dos campos para o palco: o som do berrante se une aos acordes de outros instrumentos populares e clássicos, numa obra que homenageia este símbolo pantaneiro. O resultado desta mistura fantástica é um espetáculo recheado de tradição, cultura e, é claro, muita música de qualidade.

A peça “O Berrante Pantaneiro” foi composta em 2002, mas só agora ganhou vida. Em cena, violinos, violoncelos e instrumentos de percussão dividem espaço com viola de cocho, o berrante e o berranteiro. Cercado por músicos profissionais, meio sem jeito, está Manoel Francisco da Silva, o Chico Do Berrante. Pantaneiro de origem, leva para o palco as raízes e o talento de quem dedicou boa parte dos 70 anos de vida às comitivas e ao instrumento que guarda no coração.

? Quando eu tinha meus cinco aninhos, morava com meus pais no sítio a beira de uma estrada boiadeira. Quando eu escutava o toque dos berrantes trazendo a boiada, eu tremia e chorava. Era muita emoção. A minha vontade era aprender a tocar o berrante. Quando cheguei aos meus 15 anos já viajava como peão, e viajava como ponteiro e tocava o berrante, passei a ser ponteiro ? conta.

Desde aquela época, Chico Do Berrante nunca mais se separou do companheiro. Com ele em punhos, aproveita a pausa do ensaio para dar uma “afinadinha”. Os primeiros sopros não agradam, mas logo em seguida ele acerta o tom e mostra a habilidade, entoando os quatro toques que vão fazer parte da apresentação. Entre eles, o toque de abertura da porteira e o sinal de perigo, quando o peão alerta a boiada sobre uma ameaça no caminho.

A ideia de fazer o som pantaneiro dividir espaço com o clássico e o erudito é do compositor Milton Pereira de Pinho, conhecido como “Guapo”. Nascido em Cáceres, no pantanal mato-grossense, ele não se limitou ao convencional e deu asas à imaginação para valorizar e manter viva a cultura regional.

? Em 2002, eu pensei em criar uma coisa pra orquestra. E essa ideia veio numa volta à infância minha, de lembrar o toque do berrante nas fazendas. E me veio na lembrança o seu Chico. Aí veio a ideia de criar uma sinfonia, que significa motivo condutor, aquilo que leva toda a complexidade da musica, junto com um instrumento do folclore que conduz ? diz Guapo.

E a responsabilidade de conduzir a complexidade de cada instrumento da orquestra fica com o maestro Leandro Carvalho. Mesmo experiente, reconhece o desafio que ele e Chico Do Berrante têm pela frente:

? É mais ou menos como se eu fosse fazer parte de uma comitiva. Eu ia ter uma série de dificuldades, eu não ia saber os códigos. É mais ou menos como acontece aqui. Seu Chico fica olhando os gestos e a gente vai conversando, mas é um desafio muito rico e muito positivo.

O caminho para superar estas dificuldades, Chico Do Berrante não esconde: é a simplicidade do homem pantaneiro, que ultrapassa qualquer barreiras.

? Mais difícil a gente estar no meio de uma orquestra, que a fundo ela exige sabedoria e oferece sabedoria. Pra quem assiste, é muito difícil chegar a esta realidade, a tocar numa orquestra tão bem composta. Mas sabedoria não tem limite, a cada passo você ganha mais um grau, mais uma escala de conhecimento.

Neste fim de semana, durante as comemorações do aniversário de Cuiabá, a orquestra de Mato Grosso e Chico Do Berrante se apresentaram no Cine Teatro da cidade. Além dos shows, a peça se transformou em um CD que acabou de ser lançado.