Um biscoito à base de farinha de feijão-caupi é a nova alternativa da ciência para incrementar o mercado de produtos funcionais no Brasil. Além de não conter glúten, o que favorece os portadores da doença celíaca e pessoas com intolerância a essa proteína, o produto é feito a partir de uma variedade biofortificada desenvolvida pela Embrapa, com altos teores de ferro e zinco.
“O biscoito, desenvolvido a princípio na versão doce, apresenta melhor valor nutricional em comparação às formulações tradicionais, principalmente por duplicar o teor proteico”, conta Jorge Hashimoto, pesquisador da Embrapa que coordenou o estudo.
Além de ter o dobro de proteínas em relação aos demais cereais usados na indústria de biscoitos, o feijão-caupi é altamente nutritivo, traz benefícios à saúde e é capaz de prevenir doenças metabólicas, como o diabetes, bem como as coronarianas e o câncer do cólon.
De acordo com Hashimoto, a importância nutricional dessa leguminosa impõe à pesquisa o desafio de aumentar os níveis de substituição das farinhas tradicionais. “Farinhas de diferentes origens têm características tecnológicas distintas que influenciam na qualidade do produto final”, detalha.
O biscoito de feijão-caupi atende o mercado de produtos isentos de glúten – que cresce alheio à crise econômica do país, formado principalmente por pessoas que sofrem de doença celíaca ou intolerância a essa proteína. Nos últimos anos, os alimentos saudáveis e funcionais têm ganhado cada vez mais espaço na mesa dos brasileiros. Mais do que sabor, hoje o setor alimentício tem a preocupação de oferecer produtos que possam contribuir com a saúde. No Brasil, essa tendência é ainda mais proeminente do que nos outros países. Enquanto o mercado de produtos funcionais mundial cresce cerca de 30% ao ano, aqui o aumento tem sido superior a 40%.
Boa textura e coloração atraente
O pesquisador Jorge Hashimoto conta que, para ajustar a formulação do biscoito, foi usada uma ferramenta estatística de delineamento de misturas e regressão multivariada. “As características de interesse do produto são afetadas pela variação das proporções dos componentes”, explica.
Parte desse trabalho foi executada pela pesquisadora Elizabeth Harumi Nabeshima, do ITAL. A pesquisa testou cinco formulações:
100% trigo, que ficou como testemunha;
50% com farinha de feijão-caupi e 50% de trigo;
33% de trigo e 67% de feijão;
16% de trigo e o restante de feijão;
100% com farinha de feijão-caupi.
O resultado do estudo utilizando apenas a farinha de feijão-caupi, de acordo com Hashimoto, resultou em um biscoito menos duro que o elaborado com trigo. Ele ressalta que o produto apresenta uma cor mais atraente do que os biscoitos existentes no mercado devido à coloração da farinha de feijão-caupi. Além disso, o cientista afirma que o novo biscoito obteve boa aceitação sensorial.
“O grande diferencial é que o biscoito pode ser consumido por pessoas portadoras da doença celíaca e ainda apresenta aumento da qualidade nutricional, já que a maioria dos produtos alternativos para os celíacos é pobre em proteínas”, revela.
O trabalho começou em 2015, em Teresina, como um plano de ação do projeto “Feijão-caupi: transferindo tecnologias, produtos e processos para a sustentabilidade da cadeia produtiva no Brasil”.
Profissionais consideram alimento promissor
O biscoito chega ao mercado entusiasmando profissionais de saúde e de nutrição. A médica Jozelda Lemos Duarte, presidente da Sociedade de Gastroenterologia do Piauí, considera que produtos isentos de glúten e com potencial nutritivo são valiosos para esses pacientes. “Eles são muito importantes para a alimentação das pessoas com doença celíaca, pois o tratamento básico da doença começa com a retirada total do glúten da alimentação”, frisa a especialista.
Segundo a médica, que também é professora universitária e atende no Hospital Getúlio Vargas, o maior da rede pública do Piauí, até o uso de utensílios domésticos, como frigideira ou panela com restos de trigo no preparo de alimentos, pode gerar problema para um portador da doença. “Os primeiros sintomas da doença são específicos, como dores abdominais, gases e diarreias frequentes sempre após a alimentação, e deve-se buscar o diagnóstico quando há suspeita”, diz.
A doença celíaca, que não tem cura, atinge hoje cerca de dois milhões de pessoas no País. A cada ano surgem pelo menos 150 mil novos casos, segundo estimativas da Federação Nacional dos Portadores de Doença Celíaca no Brasil. De acordo com a gastroenterologista, essa doença pode aparecer em qualquer fase da vida, atingindo principalmente pessoas de cor branca.
Adriana Soares, nutricionista há 20 anos e gastrônoma há seis, vê o produto como mais uma alternativa alimentar às pessoas acometidas pela doença celíaca e com intolerância ao glúten. “Esse biscoito desenvolvido à base de feijão-caupi terá um grande impacto social”, acredita a especialista, que incentiva a elaboração de dietas que devolvam o bem-estar aos pacientes.
Ela destaca que o feijão-caupi contém inúmeros aminoácidos essenciais na síntese das proteínas, cujas concentrações atendem às necessidades nutricionais diárias de jovens e adultos. “Como o portador de doença celíaca deve se abster totalmente do glúten na sua alimentação, a chegada ao mercado de alternativas alimentares é muito importante para melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, enfatiza.