? Nos anos 1960, no Brasil, 70% da população vivia no campo. Portanto, se as pessoas se deslocaram para a cidade por causa do êxodo rural, forçadas pela modernização do campo ou atraídos pela promessa de emprego ou atraídos pela necessidade porque gostariam que os filhos estudassem, essas pessoas ou são a primeira geração ou a segunda geração de pessoas que se deslocaram. Então, a discussão sobre vocação, primeiro passa por essa trajetória. São pessoas que ou o pai ou elas próprias voltam para o campo em busca de terra como uma esperança de que finalmente vão ter a sua terra para trabalhar e para morar ? avalia o sociólogo Sérgio Sauer.
É um problema de difícil solução. Enquanto milhares de pessoas vivem em acampamentos improvisados à beira de estradas, cinco milhões de famílias aguardam um lote e créditos agrícolas para poder tirar o sustento da terra.
Mas que relação os integrantes de movimentos sociais têm com a terra?
? É possível sim, que tenha pessoas que não tenham vocação que estejam na lista. Agora, não podemos em nome disso, desconsiderar os milhares, que realmente são agricultores, que querem ter acesso aos recursos naturais a um pedaço de terra, o legítimo direito de poder produzir, sustentar a sua família desenvolvendo o campo brasileiro, continuar com as comunidades no interior, inclusive para a agricultura, principalmente, do ponto de vista da soberania alimentar ? diz o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch.
? São essas pessoas que estão nas periferias das cidades, em condições precárias. Elas querem voltar pro campo pra produzir porque elas ainda têm um vínculo com a terra. Essa desculpa de não aptidão, ela não cabe, porque quando as pessoas saíram do campo pra cidade, ninguém perguntou se elas tinham experiência em metalurgia, em construção civil. Essas pessoas foram com disposição de trabalho e se adequaram àquela realidade do desenvolvimento da indústria brasileira ? defende o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), José Batista.
A volta para o campo surgiria como oportunidade de criação de postos de trabalho no interior do país.
? O grau de tecnologia utilizado na indústria, nos bancos e nos serviços é tão avançado que não tem emprego para todo mundo. Não tem saneamento básico para todo mundo nas grandes cidades, não tem segurança suficiente. O futuro do Brasil passa pelo desenvolvimento sustentável do meio rural também ? diz o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart.
Estudos das Nações Unidas indicam que a geração de empregos no meio rural é mais barata do que nas áreas urbanas.
? Pra assentar uma família e aí dividir entre os 4,5 membros da família, o custo desse assentamento estava na faixa de R$ 20 mil ou R$ 25 mil. A geração de um emprego, de uma ocupação nessa família, no setor industrial estava na faixa de R$ 70 mil, R$ 80 mil ? explica Sauer.
? De cada 10 empregos no campo, oito é da reforma agrária, é do agricultor familiar pela sua especificidade. Por exemplo, não se mecaniza plantio de alface, de maxixe, de mandioca. Portanto, é um segmento econômico importantíssimo para o desenvolvimento do país ? exemplifica o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do DF e Entorno (FETADFE), Mário Silva.
Mas, então, por que o problema se arrasta?
? O Brasil tem hoje mais de 70 movimentos sociais que lutam pela terra. Se há essa demanda e há projetos de assentamentos e há vários estudos que demonstram claramente que os assentamentos de uma maneira geral são produtivos, são socialmente viáveis, são politicamente viáveis, a reforma agrária não é algo inatingível ? declara Sauer.
E qual será o futuro da reforma agrária?
? No caso da reforma agrária, eu não tenho dúvida, o nosso grande desafio é desenvolver os assentamentos que nós criamos. Precisa chegar estrada, crédito, casa e energia ? afirma Hackbart.
? O cidadão no campo é como se fosse um empresário urbano. Ele precisa de qualificação, ele precisa de crédito, treinamento, ele precisa de mercado, ele precisa de juro baixo, então, os empresários do campo em nada têm de diferente do pessoal da cidade. Não é justo apenas a entrega de um pedaço de chão. O que nós combatemos são as invasões de terra ? defende a presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu (DEM-TO).
Crédito, assistência técnica e apoio a comercialização são as esperanças do agricultor Maurício Teixeira, que produz hortaliças em um assentamento quilombola.
? Se eu tivesse com isso aqui todo plantadinho, cheio de verdura, em produção com bastante experiência, de quando estiver acabando uma, tem a outra, preparar para o futuro, eu estaria já bem evoluído financeiramente e também bem estabilizado aqui ? diz o agricultor Maurício Teixeira.