Um quarto, ou 25%, das usinas de açúcar e álcool em operação no país corre o risco de fechar as portas até o fim do ano por causa da crise do coronavírus, segundo especialistas. Sem capital de giro para pagar as contas de curto prazo, parte dessas empresas tem sido abatida pela forte queda de demanda pelo combustível. O caso foi ainda mais agravado pelo derretimento do preço do petróleo – a cotação do etanol tem como referência a gasolina. “São dois choques. A principal é a queda do consumo e, depois, a de preços”, diz Plínio Nastari, sócio da consultoria Datagro.
Com cerca de 350 usinas sucroalcooleiras em operação no país, o setor viu as cotações do álcool recuarem de R$ 2 para R$ 1,30 o litro (valor líquido) e a demanda cair mais do que 50%, diz União da Indústria da Cana-de-açúcar (Única). Grupos mais capitalizados têm fôlego para armazenar sua produção de etanol e até mudar o mix da indústria, passando a produzir mais açúcar, para passar o momento mais agudo da crise.
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Mas este não é o caso de quase uma centena de unidades produtoras, que não têm condições de estocar etanol – e acabam vendendo a baixos preços – e também não apresentam saúde financeira para aguentar os próximos meses. “Um quarto das empresas do setor vai passar por muita pressão para garantir sua sobrevivência”, avalia Pedro Fernandes, diretor de agronegócios do Itaú BBA.
Na região Centro-Sul, que concentra a maior parte da produção do país, a moagem de cana teve início em abril. Contudo, já há dúvidas se muitas empresas vão ter fôlego para continuar. Há duas semanas, o grupo Adecoagro, que tem três usinas – duas no Mato Grosso do Sul e uma Minas Gerais -, divulgou um comunicado a seus colaboradores informando que iria suspender os contratos de parte deles sul-matogrossense.
A situação fica ainda mais delicada para usinas que só possuem destilarias. Das 267 unidades produtoras do Centro-Sul, 80 usinas só produzem etanol. Do total de cana colhida no país na temporada 2019/2020, cerca de 35% foram para a produção de açúcar, explicou Antônio de Padua Rodrigues, diretor da Unica. Neste ano, a fatia poderá chegar a 45% com a mudança no mix.
Dívidas antigas
Com receita de cerca de R$ 100 bilhões, o setor sucroalcooleiro conseguiu reduzir nos últimos anos seu endividamento – hoje está em torno de R$ 90 bilhões. Um grupo grande de usinas acumula a maior parte dessas dívidas. No Brasil, há 104 unidades produtoras em recuperação judicial, das quais 81 no Centro-Sul, segundo a Única. Desde 2005, 95 usinas foram fechadas na região. Com as incertezas provocadas pela pandemia, boa parte das empresas que já estão em dificuldades financeiras vai para o mesmo caminho.
Fim do otimismo
Até fevereiro deste ano, o setor tinha um cenário positivo pela frente: os preços de açúcar e etanol estavam competitivos. As usinas mais capitalizadas já tinham travado as cotações do açúcar (hedge) e a demanda pelo combustível estava firme. “Os preços do açúcar estavam em 15 centavos de dólar por libra-peso em fevereiro, ante uma média de 12 centavos no ano passado. Hoje, a cotação está abaixo de 10 centavos”, diz Nastari.
Empresas com maior capacidade de estocagem, casos da Raízen (joint venture entre Cosan e Shell) e São Martinho, por exemplo, estão conseguindo segurar sua produção de etanol para voltar a vender quando a demanda retomar. De acordo com o presidente da Raízen, Ricardo Mussa, a companhia sempre teve muita disciplina na gestão de risco e o fato de o grupo ser integrado – a Raízen também é distribuidora de combustíveis -, ajuda nesta atual crise.
“Neste momento, fica clara a importância de fazer a fixação de preços da commodity, não só açúcar, como também do etanol.”
Segundo Fábio Venturelli, presidente do grupo São Martinho, a companhia fixou os preços do açúcar quando estavam cotados entre 14 e 15 centavos por libra-peso. “O grupo também uma capacidade de armazenar 70% de sua produção.”
Sem consolidação
Diferente do movimento de consolidação que o setor viveu entre 2003 e 2010, as grandes companhias não deverão incorporar empresas em dificuldade, afirmou Fernandes, do Itaú BBA. “Não vemos uma nova onda de fusões e aquisições. Podemos ver áreas agrícolas de usinas sendo adquiridas.”
Para um especialista do setor, o fechamento de unidades deficitárias por conta da crise deverá ser benéfico para o setor no longo prazo, com o reequilíbrio da oferta da matéria-prima no país. A produtividade poderá se elevar sem a expansão da área plantada.
Ajuda ao setor
O setor sucroalcooleiro está aguardando definição de um pacote de ajuda às usinas para enfrentar a crise provocada pela pandemia de coronavírus. Além de uma linha de financiamento para estocagem de etanol, as usinas estão solicitando ao governo o aumento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico0 (Cide), tributo cobrado sobre a gasolina vendida, para R$ 0,40 o litro (hoje, o valor é de R$ 0,10), além da suspensão temporária da cobrança de PIS e Cofins sobre o etanol hidratado, que é de R$ 0,24 por litro.
Ao Canal Rural, o deputado federal e presidente da Frente Parlamentar para Valorização do Setor Sucroenergético, Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), disse que o Ministério da Economia deu sinal verde para que a Cide seja aumentada em R$ 0,20 por litro para a gasolina – passando de R$ 0,10 para R$ 0,30 cobrados por litro – e as importações do combustível sofram taxação de 15%. As decisões foram tomadas na noite da quinta-feira, 30. A expectativa era de que o anúncio da decisão fosse feito nesta sexta, 1º, para passar por aprovação do presidente Jair Bolsonaro ser publicada no Diário Oficial da União até a segunda, 4, o que não aconteceu.