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Cientistas usam bactérias para ajudar plantas a resistir à seca

Projeto da Embrapa mostra que microrganismos reduzem efeitos do estresse hídrico em soja, milho e trigo 

Fonte: Sadi Secco/Rio Verde-GO

Um grupo de bactérias possui grande potencial para auxiliar plantas a sofrer menos os efeitos da escassez de água. Por meio de um trabalho inédito para agricultura tropical, pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente (SP) descobriram que esses microrganismos conseguem reduzir os efeitos do estresse hídrico em soja, milho e trigo, além de propiciar maior crescimento dessas espécies vegetais.

A expectativa dos cientistas é viabilizar, no futuro próximo, o uso dessas bactérias para tratamento de sementes de diversas espécies agrícolas, principalmente em regiões com baixa precipitação pluviométrica, como o semiárido, e para culturas muito sensíveis à seca. A ideia é fornecer células da bactéria para tratamento de sementes.

“Por enquanto, só existe essa pesquisa sobre essa tecnologia em agricultura tropical, a qual, de fato, sofre maior impacto da seca”, afirma o pesquisador da Embrapa Itamar Melo que realizou a pesquisa.

A inspiração para o trabalho veio da natureza. As xerófitas, plantas adaptadas a climas semiáridos e desérticos, associam-se a microrganismos que as auxiliam a desenvolver mecanismos de proteção celular contra o estresse hídrico.

A ideia é utilizar essas bactérias nas culturas comerciais que, devido às mudanças climáticas, tendem a sofrer cada vez mais com a redução da oferta de água. Os microrganismos hidratam raízes ou interferem na fisiologia dos vegetais, que, desse modo, resistem mais ao estresse hídrico.

A seca é o fator ambiental limitante ao crescimento das plantas e um dos fenômenos naturais que mais impactam a produtividade agrícola. A resposta da planta ao estresse hídrico é complexa, envolvendo uma coordenação entre expressão gênica e sua integração com os hormônios.

Uma das respostas mais importantes ao estresse é o chamado ajustamento osmótico, que consiste na acumulação de solutos pelas células permitindo que a planta absorva água sem perder turgidez, a consistência que lhe confere rigidez. 

Os estudos da Embrapa indicaram potencial de bactérias que atuam nesse mecanismo em mitigar os efeitos do estresse hídrico, além de propiciar maior promoção do crescimento dessas espécies vegetais.

Combate ao estresse

Os resultados sugerem que essas rizobactérias têm forte impacto em vários mecanismos de tolerância ao estresse, os quais, em conjunto, resultam na melhoria dos processos das células que atuam para mitigar o estresse. 

Um desses mecanismos é a produção de osmólitos compatíveis, pequenas moléculas orgânicas selecionadas para contrabalançar estresses ambientais em organismos vivos, como betaína e a formação de biofilmes.

O pesquisador Itamar Melo explica que esses biofilmes são formados pelas rizobactérias. “Eles são agregados multicelulares que aderem à superfície das raízes por meio da produção de substâncias,como os expolissacarídeos, proteínas e DNA,” detalha.

Como funciona

Melo conta que as bactérias tolerantes à seca, ao colonizar o sistema radicular das plantas sob estresse abiótico, produzem substâncias que hidratam as raízes, chamadas exopolissacarídeos. Para que os microrganismos cheguem às plantas, é feito um procedimento simples na hora de plantar, conforme explica o cientista: “Essas bactérias são misturadas às sementes por ocasião do plantio, em uma suspensão líquida, que pode ser água”, detalha o cientista.

Células bacterianas são desenvolvidas em laboratório e imobilizadas em matrizes de alginato para tratamento de sementes de diferentes espécies vegetais. Isso quer dizer que essas bactérias podem ser produzidas normalmente em fermentadores convencionais, cujas células são usadas para o tratamento de sementes.

Bactérias da caatinga

A caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, inserido no clima semiárido nordestino, apresenta xerófitas com alta resistência aos períodos de seca. Essas plantas associam-se a microrganismos que também se encontram bem adaptados, desenvolvendo mecanismos de proteção celular contra o estresse hídrico, assim como proteção vegetal contra os efeitos negativos da dessecação. 

O estudo buscou compreender as bactérias associadas às cactáceas da caatinga, analisando a estrutura das comunidades bacterianas de solo e da rizosfera de Cereus jamacaru durante a alteração do período chuvoso para o de seca, identificando os grupos dominantes e discutindo algumas funções que possibilitem a manutenção da interação solo-cacto-microrganismo durante o período de seca. 

Além disso, buscou selecionar bactérias tolerantes à seca e que fossem capazes de promover crescimento de plantas sob estresse hídrico.

Amostras foram coletadas ao longo da caatinga, em cinco estados: Bahia, Ceará, Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte. Com o uso de metodologias independentes de cultivo, foi possível observar que o período de amostragem, chuvoso ou seca, foi o principal responsável pela alteração na estrutura das comunidades bacterianas. 

Os filos Proteobacteria e Bacteroidetes foram abundantes durante o período chuvoso. Os filos Actinobacteria e o gênero Bacillus tornaram-se abundantes durante o período de seca.

Com o uso de metodologias dependentes de cultivo, foram isoladas com bastante frequência linhagens pertencentes ao gênero Bacillus, capazes de se desenvolver em meio com reduzida atividade de água e com alguns mecanismos de proteção contra a dessecação, como a produção de exopolissacarídeos e biofilme. 

Além disso, várias linhagens apresentaram mecanismos de promoção de crescimento de plantas diretos ou indiretos, como produção de fito-hormônio, disponibilização de fósforo por meio de solubilização, fixação de nitrogênio e redução dos efeitos negativos do estresse causados por etileno.

Uma linhagem de Bacillus sp. foi capaz de promover crescimento de milho sob estresse hídrico, incrementando alguns parâmetros vegetais analisados. Esse estudo fez parte da tese de doutorado de Vanessa Nessner Kavamura, da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).

Quando chega ao mercado?

“Do laboratório ao campo, há um longo caminho a ser percorrido. Já sequenciamos e anotamos parcialmente o genoma de um isolado bastante promissor que apresentou características em seu genoma como produção de aminoácidos e exopolissacarídeos, que podem auxiliar na proteção contra os efeitos negativos impostos pelo estresse hídrico. E, embora tenhamos identificado alguns isolados bacterianos que apresentaram resultados promissores em testes de casa de vegetação, são necessários mais testes, para verificar, por exemplo, se essa performance ocorre também em condições de campo e se os mesmos resultados são observados em outras espécies vegetais. Isso permitiria dar continuidade ao desenvolvimento de formulações biológicas que possam ser, no futuro, utilizadas em áreas secas, como as observadas no semiárido nordestino”, diz Vanessa, que atualmente é pesquisadora de pós-doutorado no Rothamsted Research, na Inglaterra.

A estudante de pós-doutorado Suikinae Santos, que participou dos trabalhos, explica que o projeto visou a exploração de bactérias tolerantes à seca, com mecanismos de promoção de crescimentos de milho em estresse hídrico, sugerindo estratégias biotecnológicas para mitigação de problemas em lavouras de áreas que estão submetidas a longos períodos de estiagens, assim como em processo de desertificação.

“Os resultados poderão ser incorporados nos planos de ações de políticas publicas, para desenvolvimento sustentável das áreas sujeitas à seca, com a recuperação da produtividade agrícola regional e diminuição dos impactos econômicos relacionados,” acredita.

Na opinião do pesquisador em produtos naturais a Embrapa Meio Ambiente Antonio Cerdeira, o estudo foi importante tanto do ponto de vista acadêmico como social. “O desenvolvimento de técnicas de proteção de plantas à seca leva, consequentemente, ao aumento de produção, melhorando a qualidade de vida dos habitantes da Caatinga,” diz.

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