Oito anos após a implantação do Código Florestal, os estados ainda enfrentam problemas para analisar os dados inseridos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma inovação trazida pela legislação. Mesmo que o sistema tenha algum grau de automatização e filtros automáticos, é necessário que vários cadastros sejam verificados individualmente por um analista qualificado, o que gasta tempo e recursos financeiros. Além disso, cada estado tem peculiaridades e usam formas diferentes de analisar as inscrições.
O Observatório do Código Florestal e a Frente Parlamentar Ambientalista debateram em reunião virtual nesta quarta-feira, 4, com pesquisadores, representantes da sociedade civil, poder público estadual e parlamentares, a aplicação do CAR nos estados. O cadastro é uma ferramenta para o poder público gerir o uso e a ocupação do solo em áreas de proteção.
Com o Código Florestal, o cadastro passou a ser obrigatório em nível nacional para todos os proprietários rurais. Nele, deverão constar o perímetro identificado e delimitado da propriedade, com coordenadas geográficas e todos os espaços protegidos no interior do imóvel, especialmente a Área de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal.
Avanços
Antes do novo código, alguns governos estaduais já implementavam os seus cadastros ambientais rurais, como por exemplo Mato Grosso e Pará, que faz o cadastramento desde 2009 e onde o avanço nesse trabalho ocorreu neste ano, como explica o secretário de Gestão e Regularidade Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, Rodolpho Zahluth Bastos. São 233 mil de inscrições no Sistema de Cadastro Ambiental Rural do Pará (Sicar).
“Apesar do avanço em números de inscrições de CAR entre 2009 e 2018, pouco se avançou em número de análises. Em 2018 foram realizadas apenas 1.586 análises de CAR no total do ano. Quando assumimos, logo percebemos que esse seria um dos maiores desafios da nossa gestão, pois em uma conta rápida, se mantivéssemos a média de 1.500 análise de CAR por ano, levaríamos cerca 150 anos para analisar todos os cadastros inscritos no Sicar-Pará”, disse.
Em 2019, o Pará passou de 1.500 para 3.600 análises no ano. E apenas neste mês de outubro foram concluídas mais análises do que o dobro de todo o ano de 2019. Foram incorporados 35 novos servidores e, com melhor planejamento de equipes, contratação de empresas e a habilitação de municípios com técnicos especialistas em geoprocessamento para fazer essas análises, o desempenho melhorou.
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Autodeclaração
Os problemas de procedimento foram ressaltados pelo professor de Gestão Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raoni Rajão. Segundo ele, é necessário entender quais cadastros têm incoerências para poder dar prioridade. Mas para ter essa informação, você precisa analisar.
“É como aquele problema do ovo ou da galinha. Você analisa primeiro para poder ver se você precisa de uma análise mais aprofundada ou você, de certa forma, pega aleatoriamente os cadastros, são mais de 7 milhões, e manualmente analisa um a um”, disse.
Ele afirma que há dificuldades de se obter dados hidrográficos com precisão e mapas de uso da terra em alta resolução. Ele defende, em imóveis em áreas de proteção permanente, a autodeclaração do produtor para que haja melhores condições de analisar e fazer programas municipais e estabelecer parcerias com ONGs.
“Outra questão é que os estados estão fazendo a validação também com uma análise fundiária e já voltada para o licenciamento, porque eles já querem validar o CAR para, na sequência, por exemplo, autorizar uma supressão. Isso faz com que Mato Grosso, apesar de ter um processo mais rigoroso, dos mais de cento e tantos mil imóveis, só 1.700 já foram analisados até agora. Isso torna o processo muito lento”, explicou Rajão.
Análise automatizada do CAR
Cerca de 5,6 milhões de imóveis foram inscritos no CAR, o que equivale a 550 milhões de hectares. Do total, apenas 3,4% foram analisados. A coordenadora do Instituto Centro de Vida, Ana Paula Valdiones, citou uma iniciativa, a Validacar, para acelerar a validação do cadastro rural em áreas florestais, como na Amazônia e no Matopiba (formado por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Na região, há 1,1 milhão de cadastros numa área de 171 milhões de hectares. Segundo ela, a maioria poderia passar por uma análise automatizada e menos de 30% ficariam retidos, por terem pendências que poderiam passar por uma análise manual.
Ela defendeu um procedimento que verificasse os pedidos usando filtros, o que diminuiria os custos. Em Mato Grosso e no Pará, por exemplo, os custos de análise do CAR são discrepantes. Segundo Ana Paula, se todos os estados analisassem como faz o Pará, a análise custaria R$ 440 milhões. Usando o método criterioso de Mato Grosso, custaria R$ 3 bilhões.
“Aplicando esses filtros, a gente consegue reduzir esse custo a mais ou menos 30% disso, chegando no máximo a R$ 1 bilhão e no mínimo a R$ 140 milhões. Ainda assim é um valor alto e um número grande de cadastros. 315 mil cadastros ainda é um número alto. Então a gente precisa saber como organizar a fila desses cadastros. Quais desses 315 mil cadastros a gente vai olhar primeiro?, questiona Ana Paula.
Recuperação ambiental
O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), ressalta a importância de melhorar a análise do CAR.
“Sem dados validados a gente não consegue avançar, a gente precisa de consistência. Precisamos também, além da validação dos dados do CAR, nós precisamos implementar as ferramentas de restauração, de recuperação ambiental, de compensações. É essencial que isso possa acontecer”, observou o deputado.
Ana Paula Valdiones propôs o uso de filtros que verificassem a sobreposição de imóveis rurais com outros imóveis rurais, incoerência entre a área de vegetação declarada e existente e ocorrência de desmatamento após 2008.
Na opinião dela, há poucos recursos, equipes insuficientes e falta olhar estratégico. A situação entre os estados amazônicos varia. No Maranhão, as equipes, o equipamento, a base de dados e as regulamentações estaduais são consideradas insatisfatórias. Já em Mato Grosso, esses quesitos são regulares ou satisfatórios. Para ela, com tecnologia, direcionamento e ciência, é possível validar o CAR de forma satisfatória.